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Mas apesar desses esforços, o Brasil ainda é um dos países com menores tarifas de impostos específicos para bets entre os maiores mercados do mundo.
No Brasil, além de outras obrigações tributárias, as bets precisam pagar também um imposto especial que incide sobre o Gross Gaming Revenue (GGR) — o rendimento bruto das apostas, que é o valor total arrecadado pelas bets após a dedução dos prêmios pagos e do imposto de renda sobre os prêmios. Outros países têm impostos semelhantes sobre o rendimento das casas de apostas.
A alíquota desse imposto cobrada no Brasil é inferior à de tributos semelhantes em países como Reino Unido e Itália.
Nos EUA, as alíquotas variam de acordo com os Estados. E na Rússia não existe um imposto específico nos moldes do brasileiro, mas há uma proposta do governo para criar um tributo com alíquotas ainda maiores.
No Brasil, as empresas de bets são sujeitas a uma alíquota de 12% sobre o rendimento bruto das apostas. No começo do mês, o governo propôs aumentar essa tributação de 12% para 18%, mas acabou retirando o item de uma proposta de Medida Provisória mais ampla, que mesmo assim acabou derrotada no Congresso.
Desde então, o governo prometeu que vai insistir na taxação das bets — e parlamentares petistas agora querem dobrar a alíquota para 24%.
A associação que representa as empresas de bets no Brasil — o Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR) — critica a proposta de aumento da alíquota. Segundo a entidade, a medida prejudica o ambiente de segurança jurídica necessário nesse momento, em que empresas estão investindo para se consolidar no país.
Além disso, a entidade estima que o governo poderia aumentar sua arrecadação com combate maior às empresas ilegais de apostas.
E argumenta também que a carga tributária do setor está em linha com práticas internacionais, se forem considerados outros tributos ao setor, e não apenas o imposto específico sobre GGR (leia mais abaixo nesta reportagem).
O Ministério da Fazenda disse à BBC News Brasil que não comenta projetos em tramitação no Congresso Nacional.
As bets e os orçamentos
A tributação de bets também vem sendo discutida nos maiores mercados — cujos países também usam esses impostos como componente importante para equilibrar seus orçamentos.
No Reino Unido, segundo maior mercado mundial de apostas, os rendimentos das empresas com apostas online são tributados em 21% — e existe um movimento, com apoio de um ex-premiê britânico, para elevar algumas alíquotas a até 50%. Os ganhos com impostos sobre bets, segundo os defensores desse movimento, poderiam financiar a retirada de meio milhão de crianças da pobreza no país. As empresas britânicas de bets afirmam que pode haver grande aumento no desemprego no setor, com fechamento de operações.
Nos EUA, os impostos sobre rendimento de empresas de apostas esportivas são estaduais — e podem variar de 6,75% em Nevada a até 51% em Nova York. Lá, uma das mudanças mais significativas implementadas pelo governo de Donald Trump é na forma como apostadores descontam perdas dos seus impostos pagos. Novas leis recentes promovidas por Trump podem desencorajar apostas.
Na Itália, rendimentos de empresas com apostas online são taxadas em mais de 24%. Recentemente as alíquotas também foram reajustadas para melhorar a arrecadação do governo — que também se beneficiou de novos valores de outorgas.
Na Rússia, não existe um imposto específico sobre rendimentos de apostas, mas o governo propôs em setembro, segundo o jornal Moscow Times, a implementação de um imposto de 25% sobre os rendimentos desse setor, além de uma alíquota de 5% em cima de cada aposta feita. As mudanças fazem parte da proposta orçamentária para 2026 a 2028.
Confira abaixo como os maiores mercados estão discutindo a taxação de bets.
Brasil
Inicialmente o governo Lula pretendia promover um aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Mas o governo recuou em parte das medidas depois que houve má repercussão junto a alguns setores econômicos e políticos.
A alternativa a esse imposto foi aumentar a arrecadação através do que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, chama de “tributação BBB”: com mais impostos sobre bets, bancos e bilionários.
Mas a chamada MP do IOF, que propunha esse aumento, foi derrubada no mês passado na Câmara dos Deputados. Por 251 a 193 votos, parlamentares tiraram da pauta de votações a Medida Provisória 1303/2025.
Havia previsão de que a MP derrubada levaria a uma arrecadação de R$ 20,9 bilhões e corte de gastos de R$ 10,7 bilhões em 2026.
Mesmo antes disso, o próprio governo já havia recuado no aumento da taxação de bets. O texto do relator Carlos Zarattini (PT-SP) inicialmente propunha um aumento da taxação do faturamento das casas de apostas de 12% para 18%.
Antes da votação, foi retirada a proposta de aumento de imposto das bets da MP na tentativa de aumentar as chances de aprovação do texto no Plenário. Não deu certo.
Agora o governo promete que vai voltar a tentar aumentar o imposto sobre bets.
Em audiência pública no Congresso no mês passado, após a derrota da MP do IOF no Congresso, Haddad disse que a tributação maior sobre bets, bancos e bilionários “só é injusta na cabeça de pessoas desinformadas sobre o que está acontecendo no Brasil”.
“Sem querer maldizer qualquer atividade econômica que tem amparo legal. Não é disso que se trata. São atividades reguladas. Mas nós temos que buscar que essas atividades correspondam, em relação à tributação, com aquilo que é o padrão da economia brasileira”, disse o ministro.

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Em outubro, a Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados aprovou um requerimento de regime de urgência para o Projeto de Lei 5076/2025, de autoria do líder do governo, Lindbergh Farias (PT-RJ), que dobra de 12% para 24% a taxação sobre as plataformas de apostas digitais.
Cabe ao presidente da Câmara, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), definir uma data para essa questão ser votada no Plenário. No final de outubro, Motta disse que quer colocar em votação uma proposta que destina parte da arrecadação das bets para o Fundo Nacional de Segurança Pública.
No Senado, outro projeto de lei (PL 5.473/2025) que dobra a taxação sobre as bets está avançando e pode ser votado na segunda quinzena de novembro, segundo o autor, senador Renan Calheiros (MDB-AL).
Enquanto o Congresso discute as mudanças na tributação, o setor de apostas esportivas segue crescendo — com ampla presença na publicidade e patrocínio de grandes eventos esportivos.
Um levantamento revelado com exclusividade esta semana pela BBC News Brasil mostrou que o Brasil seria hoje o quinto maior mercado de apostas online do mundo.
Dados da consultoria internacional Regulus Partners, focada no setor de esportes e lazer, projetam que esse mercado deve faturar US$ 4,14 bilhões (cerca de R$ 22 bilhões) no Brasil em 2025.
Essa é a primeira vez que o Brasil é considerado na lista de maiores mercados da Regulus Partners, já que até 2024 não havia regulamentação para a operação das bets no país.
A Secretaria de Prêmios e Apostas, órgão do Ministério da Fazenda responsável por esse setor, divulgou recentemente que as 78 empresas hoje autorizadas a operar no país faturaram R$ 17,4 bilhões no primeiro semestre de 2025.
Estados Unidos
Os EUA são disparado o maior mercado de apostas do mundo, com receita líquida estimada de US$ 17,31 bilhões — mais que a soma dos mercados do Reino Unido e Itália.
E, assim como no Brasil, as apostas esportivas tiveram uma explosão recente no país. Na década passada, o governador do Estado de Nova Jersey entrou na Justiça contra a Professional and Amateur Sports Protection Act — uma lei de 1992 que proibia apostas esportivas em quase todos os Estados americanos.
Em 2018, a Suprema Corte dos EUA decidiu que a lei era inconstitucional — abrindo caminho para a legalização das apostas esportivas. Houve uma explosão de bets nos EUA desde então.
Segundo a Tax Foundation, um think tank americano que estuda políticas tributárias, cerca de 40 dos 50 Estados americanos possuem hoje algum tipo de aposta esportiva legal.

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A tributação das bets no mercado americano varia de acordo com os Estados. Algumas leis estaduais cobram impostos diferentes de apostas online ou de casas de apostas com lojas físicas.
As alíquotas também variam muito. Segundo a Tax Foundation, as maiores alíquotas de imposto — 51%— são cobradas nos Estados de New Hampshire, Nova York e Rhode Island. Nevada (onde fica Las Vegas, cidade famosa pela indústria de jogos) e Iowa cobram as menores alíquotas, de 6,75%.
A maioria dos Estados tributa diretamente a receita das empresas de apostas (o Gross Gaming Revenue), de acordo com a Tax Foundation. Mas há Estados — como Tennessee — que cobram imposto sobre as quantias apostadas.
Este ano, o governo do presidente Donald Trump surpreendeu muitos na indústria de apostas com uma mudança na chamada “one big, beautiful bill” — sua principal política tributária, que foi aprovada pelo Congresso americano e sancionada pelo presidente em julho.
A nova lei não mexe em alíquotas cobradas das empresas, mas afeta diretamente os apostadores. Pelas regras, apostadores podem descontar apenas 90% de suas perdas com apostas no imposto de renda — e não mais os 100% anteriores.
Isso significa que uma pessoa que ganhar US$ 100 em apostas em um ano fiscal e perder os mesmo US$ 100 no mesmo período estaria sujeita a pagar imposto sobre os US$ 10 de lucro — podendo deduzir apenas US$ 90 em perdas. Ou seja: o apostador pode perder dinheiro com apostas em um ano e mesmo assim estar sujeito a pagar impostos.
A medida afeta principalmente apostadores profissionais — seja de apostas esportivas ou até mesmo jogadores de pôquer profissionais — já que impostos sobre ganhos têm grande influência na rentabilidade dos jogadores.
A Associação Americana de Jogos (American Gaming Association), que representa esse setor, elogiou a lei fiscal do governo Trump, mas pediu que a cláusula sobre descontos de apenas 90% das perdas fosse revisada.
“O resultado cria um precedente injusto ao tributar renda fantasma e penalizar de forma única uma atividade legal e fortemente regulamentada”, disse o presidente da associação, Bill Miller, em nota.
“A indústria de jogos gera 1,8 milhão de empregos em todo o país, com mais de 330 mil em Nevada. Temos um impacto econômico nacional de mais de US$ 328 bilhões.”
Reino Unido
O Reino Unido, o segundo maior mercado de apostas no mundo, também está estudando propostas para aumentar a taxação do setor, em meio a esforços do governo para equilibrar as contas do seu orçamento público — assim como acontece no Brasil.
No país, os ganhos dos apostadores não são tributados. E não há cobrança do imposto sobre valor agregado nas apostas feitas.
Mas a indústria de jogos paga impostos específicos, como por exemplo:
- 21% sobre receita de apostas em jogos de cassino online
- 20% sobre receita de caça-níqueis e máquinas de jogos
- receita de apostas em jogos esportivos de 15%
Em julho, o think tank progressista britânico Institute for Public Policy Research (IPPR) publicou um relatório que diz que um aumento das alíquotas para níveis de até 50% poderia elevar a arrecadação do governo em 3,2 bilhões de libras (cerca de R$ 23 bilhões).
Segundo o think tank, esse dinheiro poderia ser usado para retirar mais de meio milhão de crianças da pobreza no Reino Unido.
“Para financiar isso, o IPPR propõe aumentos de impostos direcionados às partes lucrativas da indústria de jogos de azar – especialmente cassinos online, caça-níqueis e apostas de alto risco – onde os danos estão concentrados e as receitas dispararam”, afirma o relatório.
“Mais de 60% dos lucros do jogo vêm de apenas 5% dos usuários, muitos dos quais correm alto risco de danos graves, incluindo dívidas, problemas de saúde mental, desestruturação familiar e suicídio.”

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Segundo a entidade, muitas empresas de jogos de azar online estão sediadas no exterior e pagam pouco ou nenhum imposto no Reino Unido.
A campanha recebeu apoio de alguns políticos influentes do Partido Trabalhista, que governa o país, como o ex-premiê Gordon Brown, que fez um apelo para que a ministra das Finanças, Rachel Reeves, aumente o aposto sobre as casas de apostas britânicas.
Reeves vai apresentar no dia 26 de novembro sua proposta para o orçamento do governo. Até o momento, ela ainda não sinalizou se vai mesmo buscar um aumento na tributação de casas de apostas.
Segundo o jornal The Guardian, empresários especulam que Reeves aumentaria a alíquota de imposto para empresas de apostas esportivas de 15% para 30% e para máquinas de caça-níquel online de 20% para 50%.
O setor de apostas tem criticado as propostas de aumento de tributos, dizendo que a medida provocaria aumento no desemprego no país. No Reino Unido, muitas casas de apostas em esportes possuem lojas físicas — que existem desde antes da era das bets online.
O bilionário Fred Done, que fundou a casa de apostas Betfred em 1967 com seu irmão, disse que um grande aumento de impostos como o que é proposto pelo IPPR tem potencial para provocar o fechamento de todas as 1.287 lojas da marca.
Isso implicaria no corte de 7,5 mil empregos em risco. Segundo ele, os aumentos de impostos são a “maior ameaça” ao setor em quase seis décadas.
Outra tradicional casa de apostas, a William Hill, disse que poderia fechar até 200 lojas, com até 1,5 mil empregos potencialmente afetados.
Itália
A Itália é o terceiro maior mercado do mundo para empresas de apostas, com receita líquida estimada em US$ 4,62 bilhões — um pouco mais da metade do tamanho do mercado britânico, segundo os dados da consultoria Regulus Partners.
Este ano houve um pequeno aumento nos impostos cobrados das bets italianas. Apostas esportivas e virtuais tiveram sua alíquota aumentada de 24% para 24,5%. Para cassinos online, bingo e pôquer, os impostos subiram de 25% para 25,5%. No caso de lojas físicas, alíquota subiu de 20% para 20,5%.
Estimativas do site iGaming Expert indicam que o governo poderia acrescentar 450 milhões de euros (cerca de R$ 2,2 bilhões).
Segundo a publicação, o mercado italiano vive um momento de “consolidação” com novas regras do governo aumentando a barreira de entrada para novas empresas, com valores maiores de outorga e obrigações financeiras mais rígidas. Com isso, muitas empresas menores estão sendo adquiridas por grupos maiores de apostas.
Uma dessas barreiras de entrada é a cobrança de uma licença para operar — um valor fixo de 7 milhões de euros (R$ 43 milhões) segundo novas leis italianas, de acordo com a iGaming Expert.
No Brasil, as operadoras também precisam pagar algo semelhante — uma outorga que custa R$ 30 milhões.
Essas licenças ou outorgas são outra fonte de arrecadação para o governo. Estima-se que o governo brasileiro possa ter arrecadado R$ 2,2 bilhões com a outorga dada a mais de 70 empresas de bets autorizadas no país.
O que dizem as bets brasileiras
André Gelfi, presidente do Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR), entidade que representa 70% das empresas do mercado legalizado de bets no Brasil, critica a proposta de aumento de impostos para o setor.
A entidade acredita que o governo poderia fazer crescer a sua arrecadação sem aumentar a alíquota sobre Gross Gaming Revenue (GGR) para as 80 empresas registradas oficialmente — mas sim combatendo as bets ilegais no país.
“O mercado de apostas no Brasil vai fechar o ano com faturamento por volta de R$ 38 bilhões e nós entendemos que existem ainda outros R$ 40 bilhões na clandestinidade”, disse Gelfi em entrevista à BBC News Brasil. A IBJR estima que o governo estaria deixando de arrecadar até R$ 10 bilhões.
Outro argumento da entidade é que a carga tributária das empresas de apostas no Brasil é maior do que apenas o imposto de 12% sobre o GGR.
Ela inclui também tributos como PIS, Cofins e Imposto Sobre Serviços (ISS) — o que elevaria a carga tributária no setor para algo entre 22% a 25% sobre o faturamento, o que segundo Gelfi colocaria a tributação atual das bets brasileiras no “espectro da razoabilidade”, na comparação internacional.
Por fim, a entidade diz que o setor ainda está começando a ser regulado no Brasil, e que é preciso um ambiente com maior segurança jurídica para muitas empresas que vieram do exterior — investindo R$ 30 milhões na outorga para operar no país e outros milhões na publicidade para atrair clientes novos.
“Você pagou por uma autorização, fez toda uma modelagem, criou um planejamento econômico financeiro”, diz Gelfi, que também é diretor da Betsson, empresa sueca que está investindo no Brasil.
“E depois de 10 meses, o governo e o Congresso dizem ‘o imposto é baixo, vamos aumentar’. A segurança jurídica fica aonde nessa história toda?”
Fonte.:BBC NEWS BRASIL


