
O estresse, uma das consequências quando a saúde mental não vai bem, compromete o sistema cardiovascular.
A conexão corpo-mente inclui mecanismos:
- Biológicos: elevação do cortisol, ativação do sistema simpático, inflamação, imunidade;
- Comportamentais: dieta rica em gordura, tabagismo, uso de álcool ou outras substâncias, falta de exercício físico, descanso e relaxamento inadequados, falta de adesão aos tratamentos;
- Psicológicos: emoções negativas, sintomas depressivos, ansiedade, pessimismo, raiva e hostilidade, estresse crônico, isolamento social e falta de objetivo de vida e genéticos.
De modo geral, admite-se que os fatores comportamentais são os que mais contribuem para o risco cardiovascular, levando a arritmias e até ao infarto. Por isso, o estresse está listado entre os tradicionais fatores que levam às doenças cardiovasculares (DCVs), como obesidade, tabagismo, hipertensão, colesterol alto, diabetes e sedentarismo.
O que o estresse tem a ver com o coração
Inúmeras pesquisas abordam a relação entre saúde mental e doenças cardiovasculares. Um exemplo é o papel do estresse psicológico na aterosclerose, que foi avaliado em experimentos com animais. Estudos em coelhos geneticamente predispostos à aterosclerose espontânea constataram que o ambiente social afetava a progressão da patologia.
Já em seres humanos, um modelo da combinação entre transtorno de ansiedade e DCV é a Síndrome de Takotsubo, também chamada de “síndrome do coração partido”. Isso porque entendia-se que havia uma ligação entre um pico de estresse emocional ou físico derivado de alguma situação aguda – um grande susto, uma notícia ruim, um acidente e até uma desilusão amorosa – e a doença.
Tal síndrome pressupõe uma descarga de adrenalina que promove o estreitamento das artérias que irrigam o coração, modificando, mesmo que temporariamente, o funcionamento do músculo cardíaco. Grosso modo, seria como um infarto agudo do miocárdio sem a clássica obstrução de uma artéria coronária.
Recomendações internacionais para proteger o coração
No último Congresso da Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC), realizado em Madri (Espanha), os especialistas elaboraram um documento com recomendações para o enfrentamento do impacto das doenças mentais na saúde cardiovascular. Entre elas, salienta-se a importância da triagem sistemática das condições emocionais em sadios e naqueles que apresentam fatores de risco ou DCVs.
Nesse sentido, também foi proposta a criação de equipes de psico-cardiologia cujo objetivo é reunir cardiologistas, psicólogos e/ou psiquiatras formando times integrados para aprimorar a prevenção.
A preocupação faz todo sentido. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), no primeiro ano da pandemia (2020), a prevalência global de ansiedade e depressão aumentou em 25%. Pesquisas recentes mostram que, embora o estresse tenha diminuído um pouco em relação ao pico da pandemia, o nível atual permanece acima do registrado antes de 2019.
Já de acordo com o World Mental Health Day 2024, o Brasil é o quarto país mais estressado do mundo. Um dos indicativos é que 77% dos brasileiros já pensaram na necessidade de cuidar da saúde mental.
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O estresse do cuidador
Outro aspecto destacado no documento do ESC foi o estresse em subgrupos, como no caso dos cuidadores que assistem pacientes dependentes. Geralmente, esta dedicação – seja exercida por profissional ou familiar – exige muito, tanto do ponto de vista físico como emocional.
Daí o “estresse do cuidador”, síndrome que reúne danos físicos e psicológicos, que chegam a elevar o risco de doenças como as cardiovasculares. Pode causar sintomas como:
- Cansaço constante;
- Apatia;
- Ansiedade;
- Irritação;
- Angústia;
- Depressão;
- Isolamento social.
As manifestações físicas incluem dor de cabeça, dor de estômago ou muscular, sensação de opressão no peito, ganho ou perda de peso e excesso de sono ou insônia.
A Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp) também tem feito alertas sobre o estresse do cuidador, atuando na orientação e prevenção para que esses males sejam controlados e não comprometam o sistema cardiovascular.
Mais informações estão disponíveis em podcast sobre o tema, clique aqui para escutar.
Idosos e mulheres são mais vulneráveis
Os idosos são suscetíveis ao estresse e à depressão e, portanto, às DCVs. O envelhecimento é uma fase que tende a afetar condições físicas e psicossociais, com limitações que incluem perda de autonomia, declínio da atividade profissional, dificuldade da mobilidade e acesso à saúde, perdas, inversão de papéis, sentimento de solidão e maior contato com a própria finitude.
As mulheres também sofrem mais com problemas emocionais. Segundo números apresentados no Congresso da Socesp deste ano, a já mencionada Síndrome de Takotsubo impacta predominantemente o sexo feminino, com 90,5% dos casos.
Motivos para tal supremacia abrangem acúmulo de tarefas, ao exercerem jornadas duplas ou triplas (trabalho, cuidados com a casa e a família). Além disso, há fatores biológicos relacionados ao gênero, que facilitam o desenvolvimento de DCVs: síndrome dos ovários policísticos; falência ovariana precoce; complicações gestacionais; eclâmpsia; pré-eclâmpsia e menopausa.
Por isso, as mulheres devem ser orientadas para minimizar riscos reversíveis, como situações crônicas de estresse.
Como identificar e controlar o estresse crônico
Identificar indícios de estresse crônico é o ponto de partida. Além dos sintomas mais clássicos, como dores de cabeça constantes e insônia, cansaço e desânimo, o fato de não conseguir desligar a mente no final do dia, queda de cabelo, alergia de pele, tensão muscular, irritação e picos de tristeza são alguns sinais que merecem atenção quando se tornam recorrentes e atrapalham a rotina.
É necessário entender quais gatilhos estão disparando esses processos e reconhecer os próprios limites.
A partir daí, entra em cena o autocuidado. Temos que nos concentrar no que traz bem-estar. Apesar das atribulações do cotidiano, sempre deve existir tempo para esta recarga de energia.
Técnicas de relaxamento são uma opção para manter a mente sã. Um exemplo é o mindfulness, que significa “atenção plena”. O procedimento visa treinar a mente para estar no momento presente, sem se deixar levar por pensamentos ansiosos ou preocupações excessivas sobre o futuro.
O método já é destaque na prevenção e manejo das DCVs: ao atuar na regulação emocional, contribui para diminuir marcadores inflamatórios associados à proteção cardiovascular. Também reduz a atividade do sistema nervoso simpático e melhora o controle do nervo vago, crucial para a desaceleração do ritmo cardíaco e para a resposta de relaxamento do corpo.
A prescrição social é outra abordagem que contribui para o alívio do estresse ao conectar pessoas a recursos não médicos para aprimorar o bem-estar: oficinas de artes, musicoterapia, sessões de dança em grupo e redes de apoio são alguns exemplos.
Mas esses são apenas alguns caminhos. O leque de alternativas para quem busca se livrar do estresse é amplo e pessoal: cada um terá que descobrir o que traz equilíbrio. Nunca devemos esquecer que o corpo “fala” conosco o tempo todo. E saber escutá-lo pode ser o diferencial para salvar nossa vida. Não há saúde sem saúde mental.
* Mauricio Wajngarten é cardiologista e assessor científico da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp). Patricia Perniciotti é coordenadora geral do Departamento de Psicologia da Socesp
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Fonte.:Saúde Abril


