
Crédito, Getty Images
- Author, Redação
- Role, BBC News Mundo
Em meados do século 6, o rei Creso da Lídia estava preocupado.
Ele governava um poderoso império na Anatólia e era tão magnificamente opulento que seu nome era e continua sendo sinônimo de riqueza.
No entanto, ele estava preocupado com o crescente poder da Pérsia, e decidiu enviar mensageiros com oferendas ao único local de vidência em que confiava: o Templo de Apolo em Delfos.
Sua dúvida era se deveria enviar um exército contra os persas.
“A resposta dada a Creso proclamou que, se ele enviasse um exército contra os persas, destruiria um grande império”, relata o historiador grego Heródoto.
Ele atacou, encorajado pela palavra divina da misteriosa sacerdotisa Pitonisa (ou Pítia), e, de fato, um grande império foi destruído: o seu.
É uma das profecias mais famosas, não apenas por ser engenhosa, mas porque serve como um alerta sobre o risco de interpretar mal as mensagens e a importância da humildade.
Mas, para sermos justos, Creso não foi o único que errou ao interpretar as profecias do Oráculo de Delfos, pois elas costumavam ser enigmáticas e muitas vezes ambíguas.
Mesmo assim, todos aqueles que podiam recorriam à Pitonisa para obter orientação divina de Apolo em temas que iam desde assuntos de Estado até questões pessoais.
Havia outros deuses e oráculos disponíveis, portanto, se você quisesse saber o que poderia acontecer no futuro para reduzir o risco de fracasso ou calamidade, você os consultava.
Essa ânsia de tentar prever quais eram suas chances não desapareceu quando, no século 4 d.C., Roma recém-convertida ao cristianismo desacreditou a autoridade do oráculo de Delfos.
Os antigos romanos tinham seus métodos de prever o futuro, incluindo um criado pela deusa Fortuna: os dados.

Crédito, Getty Images
Desde imperadores, que arriscavam suas vidas e as de seus soldados, até plebeus, que apostavam seus bens em tavernas, os romanos acreditavam que o aleatório (do latim alea, que significa “dado”) era regido pelo destino e pela graça dos deuses.
Assim, “eles podiam lançar os dados e consultar uma obra de referência que dizia o que a pontuação dos dados significava para suas chances”, diz a especialista em estudos clássicos Mary Beard.
“O jogo não era apenas um passatempo; era também uma forma pela qual os romanos enfrentavam o risco, os perigos e a incerteza”, destaca a especialista na série da BBC “At Your Own Peril.”
No entanto, textos antigos mostram que eles não compreendiam bem o conceito de probabilidade e suas regras matemáticas.
“Nossa palavra ‘probabilidade’ vem do latim probabilĭtas, mas muito de vez em quando isso significava ‘provável’. Com muito mais frequência, indicava ‘aprovação'”, explica Beard.
É surpreendente que o surgimento de algum tipo de teoria da probabilidade e, portanto, alguma forma de medir o risco, tenha demorado tanto.
Foi preciso esperar até meados do século 18 para cruzar esse limiar imaginário — e descobrir, ou talvez inventar, uma.
Um conceito estranho
O motivo pelo qual os antigos não se aprofundaram na ciência da probabilidade é um mistério, especialmente quando se considera o quanto a matemática deles era sofisticada e imaginativa.
“Até certo ponto, eles tinham um conjunto aproximado de regras sobre o assunto, mas não teorizavam”, diz Beard.
“Acho que é em parte porque eles tinham uma compreensão diferente da ciência e do conhecimento cultural.”
“Nós concebemos a probabilidade como estatística e matemática”, acrescenta. “O interesse dos antigos era saber até que ponto o fenômeno estava relacionado ao divino, até que ponto era obra de Deus e até que ponto podia ser prevista.”

Crédito, Getty Images
Foram necessários inúmeros passos matemáticos, muitos séculos e diversas transformações sociais, culturais e políticas até que o salto final em direção à probabilidade pudesse ser dado.
E não é por acaso que seu surgimento tenha ocorrido durante o Renascimento e o Iluminismo.
“As pessoas têm discutido muito sobre por que demorou tanto, se teria a ver com métodos computacionais, e se as pessoas pensavam que o acaso estava apenas nas mãos dos deuses. Mas exigiu uma mudança revolucionária no pensamento”, observa David Spiegelhalter, professor de estatística na Universidade de Cambridge, no Reino Unido.
“A ideia de probabilidade teve que ser inventada, pois é um conceito muito estranho. Não pode ser medido diretamente como se pode medir o tempo, o peso ou a distância”, ele acrescenta.
Tampouco foi por acaso que a descoberta da probabilidade tenha ocorrido nas mesas de jogo.
A inspiração veio de um jogador notavelmente filosófico, o ensaísta e matemático amador francês Antoine Gombaud, conhecido como Chevalier de Méré (o cavaleiro de Méré).
Um problema pontual
Em 1654, Gombaud refletia sobre o que é conhecido como o problema dos pontos ou o problema do jogo interrompido.
Ele havia aparecido pela primeira vez, até onde sabemos, 60 anos antes, no tratado Summa de Arithmetica, Geometrica, Proportioni et Proportionalita, do frade franciscano e matemático Luca Pacioli.
A questão era: se você estivesse apostando em um jogo que seria ganho quando um jogador acumulasse um determinado número de pontos, mas o jogo fosse interrompido antes disso acontecer, como a aposta deveria ser dividida?

Crédito, Science Photo Library
Imagine que você e um amigo estão apostando cara ou coroa com uma moeda: o primeiro a acertar seis vezes, ganha.
Mas vocês têm que suspender o jogo quando seu amigo estiver a 3 pontos de ganhar, e você a 2.
“Havia um sentimento de que, de alguma forma, a aposta deveria ser dividida para que a pessoa com maior probabilidade de ganhar, recebesse mais”, conta Spiegelhalter.
“O desafio era essencialmente determinar como dividir a aposta.”
Gombaud recorreu a uma das mentes mais brilhantes da história: o matemático, físico, filósofo e teólogo francês Blaise Pascal.
Pascal havia começado a jogar jogos de azar quando seus médicos o aconselharam a evitar esforço mental em prol da sua saúde, mas ele não resistiu à tentação.
Intrigado, ele percebeu que a solução teria que refletir as chances de vitória de cada jogador, considerando o placar no momento em que o jogo foi interrompido.
Isso significava inventar um novo método de análise, então ele envolveu outra das mentes mais brilhantes da história, o matemático francês Pierre de Fermat.
Em uma lendária troca de cartas que durou várias semanas, eles lançaram as bases para a teoria da probabilidade moderna.
Você e seu amigo
Se você ficou curioso para saber como seria dividido o prêmio da aposta no jogo suspenso com seu amigo, não se preocupe.
Pascal descobriu uma maneira simples de calcular essa divisão. O segredo está no que hoje é conhecido como triângulo de Pascal.

Crédito, Getty Images
O triângulo é construído a partir de 1 e, em seguida, os números são colocados abaixo dele em uma forma triangular, sendo que cada número no triângulo é a soma dos dois números imediatamente acima dele.
Por exemplo: o 4 que você vê na quinta linha é a soma de 1 + 3 acima dele, e assim por diante.
No caso do jogo interrompido, em você estava a 2 pontos da vitória, e seu amigo a 3, você soma o 2 e o 3 para obter 5.
Isso indica que você deve usar a quinta linha do triângulo.
Em seguida, você soma os três primeiros números (1 + 4 + 6 = 11) e os dois últimos (4 + 1 = 5), e a aposta é dividida de acordo com essa proporção.
Assim, você vai receber 11/16 da aposta, e seu amigo, 5/16.
A aposta de Pascal
Com a solução do problema de pontos, ocorreu uma revolução no pensamento humano.
Descobrimos que, observando eventos passados, podíamos começar a prever resultados futuros.
O risco podia ser calculado.
Podíamos escolher o caminho a seguir, pois o destino já não estava apenas nas mãos dos deuses.
Ironicamente, Pascal era profundamente religioso e, após uma experiência mística, renunciou à matemática.

Crédito, Getty Images
Em uma carta a Fermat em 1660, ele escreveu: “Considero o mais belo ofício do mundo; mas nada mais do que um ofício […]. Entrei nesse negócio por uma razão singular; uma vez satisfeita, talvez nunca mais volte a pensar nela.”
Ele morreu dois anos depois, mas, em uma reviravolta curiosa, em uma obra publicada postumamente intitulada Pensées (“Pensamentos”), ele deixou uma das apostas mais famosas de todos os tempos.
No que é conhecido como Aposta de Pascal, a alma eterna estava em jogo.
A questão é que, no âmbito da fé, o ser humano se vê obrigado a apostar porque não têm a capacidade de saber se Deus existe ou não.
“A razão não pode decidir nada neste caso”, escreveu.
Portanto, não resta outra alternativa a não ser analisar as consequências práticas de cada probabilidade.
Se alguém escolhe não acreditar que Deus existe e acaba estando certo, não ganha nem perde nada; mas se estiver errado, não vai para o céu.
Em outras palavras, quem escolhe acreditar que existe, “se ganhar, ganha tudo; se perder, não perde nada”.
Por isso, ele aconselhou: “Aposte que existe sem hesitar”.
Melhor que o oráculo de Delfos?
As conquistas de Pascal e Fermat abriram caminho para o desenvolvimento da teoria da probabilidade, que demonstrou como eventos futuros poderiam ser previstos com um certo grau de precisão.

Crédito, Getty Images
O conhecimento foi se acumulando até que se percebeu que a probabilidade e a estatística poderiam convergir para formar uma ciência bem definida e solidamente fundamentada, com aplicações e possibilidades aparentemente ilimitadas.
Hoje, ela permeia quase tudo, desde decisões políticas, o mercado de ações e diagnósticos médicos, até o funcionamento de sinais de trânsito, esportes e compras online.
No entanto, o que a teoria da probabilidade produz são modelos e previsões, não reflexos da realidade.
Embora seja uma ferramenta matemática poderosa, não é uma ciência exata, pois lida com a incerteza e a probabilidade de eventos, não com a certeza absoluta.
O que ela nos oferece, após analisar fenômenos aleatórios, é um leque de futuros possíveis e a possibilidade de que se realizem.
Tudo com base no conhecimento.
Seria interessante saber que resposta o rei Creso, da Lídia, receberia hoje em relação às suas chances de vitória contra Ciro 2° da Pérsia.
O poderoso governante da Lídia conseguia reunir forças impressionantes, supostamente mais de 100 mil homens, em comparação com os 50 mil dos persas; sua cavalaria era a melhor do mundo na época; e ele era aliado dos espartanos.
Portanto, é possível que um especialista moderno desse a ele mais (talvez muito mais) do que 50% de chance de vitória.
O que é certo é que ele dificilmente receberia uma resposta tão precisa quanto a do oráculo de Delfos.
Não importa o que acontecesse, sempre estaria 100% correta.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL