Cenas eróticas e explícitas remontam a um tempo em que não existiam filmes, revistas ou sequer energia elétrica. Paralelamente, o consumo desse tipo de material sempre esteve envolto em tabus.
Para tornar as conversas sobre o tema mais naturais e lidar com os efeitos colaterais desse hábito, é premente ouvir o que diz a ciência do comportamento.
Até porque, nos últimos anos, houve um aumento no consumo pornográfico pautado principalmente pelo uso de celulares. E, com a chegada de plataformas de vídeos feitos e postados por pessoas comuns, a pornografia galgou ainda mais audiência (veja o quadro abaixo).
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De olho nas implicações desse fenômeno, inclusive para a saúde mental, o tema foi discutido no último congresso Brain (Cérebro, Comportamento e Emoções), em Fortaleza, no Ceará.
Conversamos com o médico psiquiatra Thiago Henrique Roza, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), um dos especialistas que debateram o assunto no evento.
VEJA SAÚDE: A pornografia não é algo novo, certo? O que podemos dizer sobre o seu histórico?
Thiago Roza: Exatamente, não se trata de um fenômeno inédito do ponto de vista de material sexualmente explícito. Algumas pinturas nas cavernas, de longa data, já mostravam imagens assim, embora não se saiba a intenção do autor. De maneira semelhante, observamos ao longo da história estatuetas com conotações sexuais e uma vasta quantidade de livros sobre o tema.
Como se deu o estabelecimento da pornografia moderna?
Na forma como ela é disponibilizada hoje, é algo muito novo. Entre a década de 1980 e o início dos anos 2000, o consumo acontecia principalmente na forma de revistas e de imagens estáticas. Os vídeos eram simplórios do ponto de vista das tecnologias digitais atuais, e o conteúdo era menos extremo.

O que muda nesse cenário a partir dos anos 2000?
Na primeira década de 2000, observamos o advento das plataformas de streaming que veiculavam conteúdo sexualmente explícito. A partir de então, as pessoas começaram a fazer upload dos próprios vídeos amadores. Como efeito, a disponibilidade e o tipo de conteúdo ofertado explodiram.
As pessoas estão tendo o primeiro contato com esse conteúdo cada vez mais cedo?
É um ponto-chave. A restrição de acesso a sites com conteúdo pornográfico por idade é frágil. A ferramenta usada é basicamente um tipo de consentimento no qual se confirma ter mais de 18 anos. Isso é suficiente para que menores de idade consigam acessar uma quantidade quase infinita de vídeos, incluindo os materiais explícitos mais extremos, que se distanciam da sexualidade como ela é no mundo real.
Muitas pessoas têm essa exposição ainda na infância, que não é a idade adequada. Isso é muito negativo para o neurodesenvolvimento, além do fato de que elas não têm a mínima maturidade para entender o que é a sexualidade e uma interação íntima entre parceiros.
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Quais as consequências do consumo abusivo?
O uso excessivo e problemático de pornografia é associado a disfunções sexuais, como perda de ereção, ejaculação precoce e baixa libido com parceiros reais. Isso sugere que o hábito condiciona o cérebro a responder sexualmente a um tipo de estímulo.
Comportamentos problemáticos em uma relação a dois também são reportados porque a pessoa tenta repetir aquilo que enxerga nos filmes. Além da ansiedade de performance sexual, uma vez que nas telas a relação é mostrada como um verdadeiro show, dura uma hora, é muito intenso.
E a sexualidade para cada pessoa é muito individual. Existem ainda queixas de saúde mental, como sintomas de depressão e de ansiedade.
Como a indústria da pornografia se transformou com as novas plataformas?
De fato, observamos mudanças no perfil da pornografia, como a democratização da produção de conteúdo. Agora, temos influencers da indústria de conteúdo adulto. São vários setores, devido aos interesses fetichistas. É um fenômeno curioso e que deve ser alvo de estudos nos próximos anos.
Existe dependência de pornografia?
Sim. Esse problema envolve o consumo ao longo do tempo, não é só um descontrole de impulsos. Tem um potencial de recompensa envolvido, um prazer associado ao comportamento, de modo que se preenchem critérios do modelo de adição, como acontece com o uso de drogas, por exemplo.
Como controlar o problema?
Existem diversas modalidades de tratamento, e cada caso é um caso. Um paciente tem vulnerabilidades e expressões específicas da psicopatologia. Podem ser úteis duas modalidades de psicoterapia, a de aceitação e compromisso e a cognitivo-comportamental.
Pessoas com dificuldades de autocontrole podem precisar de medicações, como a naltrexona, que diminui a fissura e a compulsividade. O tratamento combinado contempla essas múltiplas vulnerabilidades.
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Fonte.:Saúde Abril