
Crédito, Daniel Schvarcz
- Author, Chris Baraniuk*
- Role, Repórter de tecnologia da BBC News
A primeira coisa que percebo é a falta de um aroma marcante. Não há aquele cheiro forte e familiar de cacau ao abrir esse pacote de doces, a embalagem de biscoitos ou as trufas recheadas com caramelo.
E, ao provar cada um deles como parte do meu compromisso solene de informar o público, não sinto o mesmo estouro de sabor de chocolate que você esperaria de guloseimas com aquele revestimento familiar, ceroso, de tom marrom claro cor-de-chocolate.
A questão é que isso não é chocolate. É feito com sementes de girassol. Ou com favas (também chamadas de feijões-fava ou feijão-de-lima).
A seleção à minha frente é apenas uma amostra das alternativas ao chocolate feitas sem cacau que estão surgindo no mercado varejista europeu neste momento. Seus fabricantes viram uma oportunidade, em parte porque os preços do chocolate verdadeiro estão disparando.
“O aumento médio no preço do chocolate foi de 9% em 2024”, diz Richard Caines, analista de alimentos e bebidas da empresa de pesquisa de mercado Mintel. “Em janeiro passado, subiu 14%.”
Esse é o preço de varejo do chocolate. O preço no atacado do ingrediente principal, o cacau – que é feito de grãos de cacau fermentados, torrados e moídos – aumentou surpreendentes 300% em 2024.
“Venho acompanhando o mercado de chocolate há alguns anos – não me lembro de um caso tão relevante como esse de aumento dos custos”, acrescenta Caines.
Um dos principais motivos para esse aumento é o impacto das mudanças climáticas nas plantações de cacau, especialmente na África Ocidental.
Além disso, alguns agricultores em Gana estão abandonando a produção de cacau em favor da mineração ilegal de ouro, segundo relatos.
Isso resultou em um déficit de cerca de 500 mil toneladas de cacau no mercado global no ano passado.

Crédito, Getty Images
O chocolate verdadeiro pode se tornar um item de “luxo” no futuro, diz Massimo Sabatini, cofundador e CEO da empresa italiana Foreverland, que fabrica um substituto do cacau em pó chamado Choruba.
A empresa abriu sua unidade de produção em março, onde os funcionários processam, em vez de sementes de cacau, vagens de alfarroba.
As árvores de alfarroba produzem vagens pequenas, marrons e com formato de banana que contêm sementes. É possível processar essas vagens para criar um pó semelhante ao cacau. No entanto, essa alternativa ao chocolate tem uma longa história – e não muito feliz.
Um artigo da revista New Yorker afirma que uma geração foi “traumatizada” por doces à base de alfarroba nos anos 1970. O sabor não era tão bom quanto o do chocolate verdadeiro e aparentemente não derretia na boca da mesma forma.
Mas Sabatini insiste que ele e seus colegas criaram um produto que vale a pena. Ele reconhece que a alfarroba “realmente não tem gosto de chocolate”, mas acrescenta que o processo de fermentação e torrefação da Foreverland remove parte do sabor da alfarroba para aproximá-lo mais do cacau.
Sua alternativa de chocolate amargo à base de alfarroba é mais doce e tem sabor mais próximo ao caramelo do que o chocolate amargo verdadeiro, explica.
Isso pode ter benefícios para a saúde. “Podemos reduzir drasticamente o teor de açúcar”, diz Sabatini. A alfarroba também é mais rica em fibras e tem menos gordura do que o cacau.

Crédito, Foreverland
A fabricante alemã Planet A Foods desenvolveu uma alternativa diferente ao chocolate.
Sara Marquart, cofundadora e diretora de tecnologia, diz que seu objetivo não é substituir o chocolate, mas ajudar a preencher a lacuna no mercado causada pela volatilidade da disponibilidade e dos preços do cacau.
Diferentemente da Foreverland, a Planet A Foods escolheu sementes de girassol como ingrediente principal em seu substituto do cacau em pó, chamado ChoViva.
“Processamos sementes de girassol como se fossem grãos de cacau”, explica Marquart. “É um ingrediente altamente abundante, há milhões e milhões de toneladas no mercado.”
O ChoViva já está presente em cerca de 35 produtos no varejo, principalmente na Alemanha e na França – embora também apareça em doces em formato de miniovos vendidos no Reino Unido pela fabricante Aldi. Esses doces são feitos com amendoim e têm uma cobertura semelhante ao chocolate contendo ChoViva.
Ao experimentá-los, o sabor predominante é o amendoim salgado no centro do doce. Mas a textura da cobertura é impressionante. O mesmo vale para os biscoitos cobertos com ChoViva feitos pela empresa.
Notei que a cobertura semelhante ao chocolate é um pouco fina e não tem um sabor tão intenso. Mas, novamente, a textura é praticamente a mesma do chocolate verdadeiro, embora não derreta da mesma forma.
O produto com ChoViva mais parecido com chocolate que experimentei foi a pipoca coberta com o ingrediente – o sabor da pipoca não se sobrepõe ao da cobertura.
No geral, não há nada nesses produtos que incomodaria um consumidor – especialmente um que não saiba que esses produtos não contêm chocolate de verdade.

Crédito, Chris Baraniuk
Uma startup do Reino Unido que também quer competir nesse espaço é a Nukoko. Dois dos fundadores já tinham um negócio de chocolate verdadeiro e se juntaram a um cientista de alimentos para criar a nova empresa.
“Nós vimos de perto os problemas da cadeia de suprimento do chocolate”, diz Ross Newton, cofundador.
Assim como a Foreverland e a Planet A Foods, a Nukoko optou por um ingrediente-chave que pode ser obtido e processado localmente – para reduzir a pegada de carbono e os riscos da cadeia de suprimento. Mas, no caso da Nukoko, a matéria-prima escolhida não é alfarroba nem sementes de girassol, e sim favas.
“Cerca de um milhão de toneladas são colhidas no Reino Unido todos os anos”. diz Newton.
A empresa ainda está em fase inicial, mas ele acrescenta que espera começar a vender sua alternativa ao pó de cacau para empresas alimentícias ainda este ano.
Newton afirma que imitar o sabor do chocolate verdadeiro é muito difícil, mas que, dos 25 compostos de sabor cruciais presentes no chocolate, o produto da sua empresa consegue incluir 24 – embora em algumas concentrações um pouco diferentes.
A empresa me enviou quatro trufas recheadas com caramelo para experimentar. O caramelo domina completamente e as trufas são muito doces. Mas o substituto do chocolate é tão suave e brilhante quanto o esperado, e muito agradável de mastigar.
“Qualquer produto novo que surgir precisa atender às mesmas expectativas de sabor”, diz Caines, observando o quão exigentes são os consumidores em relação aos seus produtos favoritos com chocolate. Fazer com que aceitem alternativas sem cacau não será fácil.
Ele acrescenta que essas alternativas podem ter mais sucesso em produtos de panificação – como as gotas em cookies com pedaços de chocolate: “O chocolate não é exatamente a estrela nesses casos, então pode ser mais aceitável.”
O cupulate

Crédito, AMMA Chocolate
No Brasil, as sementes de cupuaçu vêm sido desenvolvidas como uma alternativa ao cacau para a fabricação de um alimento similar ao chocolate: o cupulate – que não deve ser confundido com bombons feitos de cacau e cupuaçu vendidos em supermercados pelo Brasil afora.
Trata-se de um produto que muitos brasileiros ainda desconhecem, mas que, na opinião de pesquisadores, pode cumprir um papel importante no desenvolvimento da floresta amazônica e contribuir para a economia do país.
Duas marcas de cupulate se destacam hoje no Brasil.
A amazônica De Mendes, que desenvolveu seu cupulate a partir de uma receita tradicional usada por mulheres de uma comunidade agroextrativista do Pará. E a baiana Amma, que foi pioneira e comercializa seu cupulate orgânico há quase uma década.
“Quando você mastiga, sente um perfume muito característico do cupuaçu. E, no sabor, percebe o azedinho, a lembrança da fruta, da polpa da fruta”, diz o macapaense César de Mendes, dono da empresa que leva seu nome.
Mas o cupulate teria o mesmo potencial comercial que o chocolate?
“O chocolate é um produto que tem uma cultura de consumo em massa de cem anos. É um sabor consagrado no mundo todo. Você vai contrastar [o chocolate] com um outro produto, é delicado de fazer uma projeção”, diz o climatologista Carlos Nobre, líder do projeto Amazônia 4.0, que quer instalar minifábricas no coração da floresta para transformar bioinsumos amazônicos em produtos de maior valor agregado.
“Vejo potencial. Mas depende da forma como [o cupulate] vai ser entregue para o mundo.”
Cacau ameaçado?
Caso as alternativas ao chocolate tenham sucesso, há o risco de isso impactar negativamente os produtores de cacau, alerta Tonya Lander, professora de biologia da Universidade de Oxford.
“É algo que deve ser trabalhado em conjunto com os agricultores ou com cooperativas”, diz ela. Os produtores de cacau estão entre os trabalhadores agrícolas mais pobres do mundo.
A Nukoko, a Planet A Foods e a Foreverland afirmam que não têm a intenção de substituir o chocolate, e sim preencher a lacuna deixada pela escassez na produção de cacau.
Lander e seus colegas estudam fatores ambientais que influenciam a produtividade das árvores de cacau.
Polinização insuficiente e temperaturas elevadas afetam negativamente a quantidade de cacau que as árvores produzem, de acordo com estudo publicado em fevereiro.
Somar estratégias como o sombreamento das plantações de cacau pode melhorar as colheitas e, potencialmente, reduzir a volatilidade no fornecimento de cacau.
Essas intervenções, junto com as alternativas ao cacau, podem ajudar a satisfazer os consumidores apaixonados por doces nos próximos anos.
*Com informações da reportagem de Mônica Vasconcelos, da BBC News Brasil em Londres
Fonte.:BBC NEWS BRASIL