
Crédito, Natalie Logan
- Author, Chris Baraniuk
- Role, Serviço Mundial da BBC
Os detalhes do rosto de Martin Scorsese o encantaram. Cada poro da pele. Cada fio de cabelo minúsculo.
O criador de hologramas Martin Richardson havia feito seis imagens em 3D do renomado diretor de cinema. E uma delas, com seu detalhamento aparentemente infinito, o surpreendeu.
À medida que Richardson observava a profundidade dos traços de Scorsese, sua impressão era que o diretor estava de volta na sala com ele.
Depois de passar horas estudando o holograma, Richardson observou que ele havia capturado até mesmo uma minúscula nuvem de poeira que flutuava no ar entre Scorsese e o observador.
Era uma ilusão perfeita, composta de luz — um segundo capturado para a eternidade.
“É um meio viciante”, declarou Richardson. Ele produz hologramas há décadas, aperfeiçoando gradualmente diversos métodos.
Periodicamente, ele retira um dos seus favoritos dos arquivos para observá-lo mais uma vez. “Eles me dão arrepios na espinha”, ele conta.
Os hologramas são especiais. Mas, para compreendê-los, é importante reconhecer o que eles não são.
A fantástica projeção da princesa Leia em Guerra nas Estrelas (1977), na famosa cena em que ela pede ajuda, não é um holograma.
Nem o truque de palco conhecido como fantasma de Pepper (Pepper’s ghost, em inglês), que permite, por exemplo, que imagens translúcidas de astros do pop se apresentem ao público.
Ondas em colisão
Os hologramas são imagens em 3D produzidas pela gravação de algo conhecido como padrão de interferência, a confusa complexidade que surge quando duas frentes de ondas se encontram.
Você mesmo pode criar interferências batendo na superfície da água em uma bandeja em dois pontos opostos e observando a colisão das minúsculas ondas. Mas os padrões de interferência gerados pela reflexão da luz de um objeto 3D são muito mais complexos.
Surpreendentemente, quando capturamos um padrão de interferência de luz em uma placa ou filme fotográfico, por exemplo, e lançamos uma nova luz sobre ele, podemos recriar a frente de onda de luz original refletida pelo objeto (ou pelo diretor cinematográfico), capturada quando gravamos seu holograma.
É como uma fotografia que reflete a luz em 3D.

As pessoas usam a holografia para criar obras de arte fantásticas, estudar minúsculas falhas em materiais de construção e até para produzir óculos de realidade aumentada.
A história dos hologramas é de extraordinária criatividade — mas também, segundo alguns, de promessas não cumpridas.
Luz coerente de lasers
Nos anos 1940, o físico húngaro-britânico Dennis Gabor (1900-1979) procurava uma forma de criar imagens detalhadas de objetos muito pequenos.
Ele ficou fascinado, por exemplo, pela microscopia eletrônica, uma técnica vencedora do Prêmio Nobel que usava feixes de elétrons em vez da luz. Com eles, os cientistas produziram imagens, por exemplo, de pelos microscópicos do corpo dos insetos.
Gabor queria desenvolver a tecnologia e o método que ele criou é baseado no princípio essencial da holografia: é possível reconstruir uma frente de ondas (ou seja, a total complexidade das ondas de elétrons ou luz refletidas por um objeto).
Gabor comprovou, na época, que isso era possível, mas o desenvolvimento foi limitado pela necessidade de fontes de ondas coerentes, que viajem com todos os seus altos e baixos alinhados.
Os feixes de elétrons, nos anos 1940, eram coerentes, mas os emissores de luzes coerentes — os lasers — só surgiriam na década de 1960.
Dois pesquisadores da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, desenvolveram o conceito de holografia de Gabor a largas passadas, utilizando lasers para produzir os primeiros hologramas que eu e você podemos reconhecer como tais, incluindo uma famosa imagem em 3D de um trem de brinquedo.
Eles foram o engenheiro elétrico Emmett Leith e o físico e inventor Juris Upatnieks.

Crédito, Museu Nacional de História Americana do Instituto Smithsoniano
Outros pesquisadores também contribuíram para a holografia naquela mesma época, mas Gabor ganhou sozinho o Prêmio Nobel de Física de 1971 pelo seu trabalho neste campo. E os hologramas continuaram surpreendendo e admirando as pessoas.
A artista canadense Natalie Logan relembra uma das suas primeiras aulas de holografia na universidade.
O professor tinha alguns hologramas, elaborados usando diversas técnicas, todas decorrentes da ideia original de Gabor. Eles variavam em profundidade e detalhamento.
Um deles apresentava um soldado de brinquedo. Era tão encantador que Logan pensou que o professor estivesse fazendo uma brincadeira, mostrando à classe um objeto 3D real para ver se eles identificariam a diferença.
“Quando percebi que era uma chapa de vidro plana, fiquei realmente surpresa”, relembra Logan. Ela viria a produzir seus próprios hologramas posteriormente.
Sua série de trabalhos Trapped Light (“Luz capturada”, em tradução livre) apresenta hologramas coloridos com formas estranhas e etéreas.
“Vejo um holograma como um recipiente”, explica ela. “Você está repetindo o que a luz fez naquele momento.”
Ordem no caos
Fazer um holograma não é fácil.
“Oh, meu Deus, quantas horas invisto neles”, exclama Claudette Abrams, outra artista holográfica canadense.
Existem diversos métodos, mas, para produzir um holograma a laser, digamos, de um dinossauro de brinquedo, o criador pode usar filme holográfico, laser, um aparelho para ampliar e outro para dividir os feixes.
Com dois feixes expandidos, o criador do holograma faz um deles brilhar sobre o dinossauro, enquanto o outro ultrapassa o brinquedo e permanece puro. Mas os feixes se encontram novamente no filme de gravação, criando interferência.
O padrão de interferência resultante, capturado pelo filme, é como uma gravação perfeita dos altos e baixos de luz que vêm do objeto. Mas, para o olho humano, aquilo pareceria puro caos.
Se você lançar uma luz laser nova sobre uma reprodução do padrão adequadamente produzido, seus detalhes ou ondulações gerarão a difração da luz, fazendo com que ela se desvie em muitas direções.
Com isso, ela irá reproduzir fielmente a frente de ondas que veio do dinossauro durante a gravação. Por quê?
Porque você gravou não só a intensidade da luz, mas também a sua fase, ou como o dinossauro afetou a coerência da luz — especificamente, como essas ondas de luz permaneceram ou saíram de sincronia quando atingiram o brinquedo em diversas direções. Este é o segredo da holografia.
Abrams ficou interessada em hologramas, como forma de lidar com noções de realidade e observar “como existem muitas realidades virtuais”, explica ela.
Ela se divertia produzindo hologramas de animais, congelando suas expressões no tempo, para uma série que explorava como os seres humanos marginalizam ou monetizam os animais.
“Tínhamos aves voando por toda parte”, relembra ela. “Elas faziam cocô em alguns instrumentos ópticos. Ficava bagunçado.”
Solução para armazenagem de dados?
No século 20, engenheiros aproveitaram a tecnologia para produzir gravações holográficas de materiais.
Se você quisesse descobrir se uma viga de metal em uma construção havia se deformado ou vergado ao longo do tempo, por exemplo, poderia fazer um holograma dela, esperar um pouco e fazer, em seguida, um novo holograma.
Bastaria sobrepor as duas imagens para revelar a menor alteração de formato que houvesse, ou o surgimento de rachaduras ou defeitos.
É possível aplicar a mesma técnica a tudo, desde facetas dentárias até as pás de turbinas de motores a jato.
Mas, agora, existem muitas alternativas “mais simples”, segundo o professor emérito da Universidade de Glasgow, no Reino Unido, Sean Johnston. Ele é o autor do livro Holographic Visions: A History of New Science (“Visões holográficas: uma história da nova ciência”, em tradução livre).
Ou seja, a chamada interferometria holográfica, em grande parte, está ultrapassada.

Crédito, Getty Images/BBC
Outra aplicação da holografia também enfrentou os seus tropeços.
Como os hologramas registram muito mais informações que a fotografia, pesquisadores vêm testando a técnica há muito tempo para armazenagem avançada de dados.
Mas Masud Mansuripur, da Universidade do Arizona, nos Estados Unidos, conta a história da InPhase, uma empresa que pretendia comercializar a armazenagem de dados holográficos em discos sofisticados, mas faliu em 2010.
“A tecnologia era fantástica, mas não havia forma de competir no mercado”, relembra Mansuripur. Ele explica que, mais ou menos na mesma época, surgiram os grandes drives em estado sólido, que eram muito mais baratos.
A armazenagem de dados holográficos talvez ainda encontre uso na substituição da armazenagem em fitas magnéticas, que ainda são empregadas para aplicações que envolvem arquivos de dados muito grandes.
Imagem perfeita
As questões sobre a utilidade da holografia datam ainda da época de Gabor. “Ela foi superestimada e supervalorizada desde o início”, afirma Johnston.
Os primeiros e impressionantes hologramas a laser, como os produzidos por Leith e Upatnieks, foram seguidos pela transmissão de arco-íris ou hologramas estampados.
Estes são o tipo de holograma que você encontra no seu cartão de crédito. Eles permanecem úteis como elementos de segurança, pois é difícil copiar um holograma e os incríveis detalhes que ele contém.

Crédito, Getty Images/BBC
Mas é claro que este não é um uso particularmente espetacular da tecnologia.
Ainda assim, as pesquisas voltadas aos princípios da holografia continuam. Os óculos de realidade aumentada, por exemplo, usam elementos ópticos holográficos (HOEs, na sigla em inglês).
Estes elementos criam imagens vívidas em 3D no campo de visão de uma pessoa, por meio da difração de luz, similar a um holograma. Esta tecnologia vem ajudando a tornar os aparelhos de realidade aumentada menores e mais surpreendentes.
“Você pode sobrepor uma imagem ao mundo real”, destaca Mansuripur.
Pode ser questão de opinião definir se a holografia conseguiu ou não atender às expectativas. Martin Richardson, por exemplo, contesta o conceito de Johnston.
Mas, de qualquer forma, sempre haverá hologramas surpreendentemente detalhados que as pessoas que tiveram a sorte de observá-los nunca irão esquecer.
Johnston, por exemplo, tem um favorito: Lucy com Chapéu de Lata, um retrato holográfico de uma mulher usando grandes brincos brilhantes e um estranho chapéu pontiagudo.
Hologramas como este são janelas que nos permitem observar o objeto real, segundo Johnston. E, quando são muito bons, são “o que há de mais próximo da imagem mais perfeita já produzida”.
Esta reportagem foi criada em coprodução entre a instituição Nobel Prize Outreach e a BBC.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL