12:06 PM
6 de outubro de 2025

Professor da Unesp é agredido com socos por estudantes

Professor da Unesp é agredido com socos por estudantes

PUBLICIDADE



Ao chegar ao campus da Unesp, em 2 de setembro, o professor Gabriel Cepaluni foi surpreendido por uma manifestação de dezenas de alunos, que o hostilizaram com gritos de “racista”, “fascista” e “assediador”. Segundo o docente, a situação ganhou gravidade quando, ao contestar as provocações, passou a gravar com seu celular e tentou entrar em sala de aula. Nesse momento, afirma ter sido agredido com empurrões e socos no rosto e na cabeça, além de ter a roupa rasgada e ser derrubado no chão.

O professor relata: “Não revidei. Procurei apenas me proteger dos golpes e buscar ajuda. Desde o início tentei dialogar, mas jamais imaginei que enfrentaria violência física dentro da universidade. Eu sabia que se revidasse perderia a razão.”

Ataques revelam ação organizada com motivação ideológica

Docente das disciplinas de Relações Comerciais Internacionais e Análise de Política Externa, Cepaluni afirma que nunca enfrentou desrespeito de alunos em sala de aula e que sempre prezou pela liberdade acadêmica e pelo debate plural.

“O episódio não decorre de atrito individual, mas de uma ação organizada. Críticas acadêmicas sempre foram bem-vindas e fazem parte da universidade. O que ocorreu em 2 de setembro não foi crítica: foi violência e tentativa de silenciamento.”

Durante o tumulto, ele diz que seus óculos de grau e chapéu desapareceram, e que sua mochila, que continha um laptop, foi aberta. Doutor em Ciência Política pela USP, o professor acrescenta que houve omissão da universidade no momento da agressão: “a segurança não chamou a polícia e funcionários não intervieram. Após insistência, consegui que um motorista da universidade me levasse até a delegacia.”

Segundo Cepaluni, já foram reunidos registros em vídeo que comprovam as agressões. Ele afirma ter encaminhado boletim de ocorrência, laudos médicos e pedidos de providências à direção e à reitoria, como o afastamento por acidente de trabalho. Apesar disso, sustenta que não recebeu manifestação institucional clara em sua defesa. Até a publicação desta matéria, a Unesp não havia emitido nota pública de repúdio ao episódio.

Movimento estudantil acusa professor e justifica manifestação

Em postagem no Instagram, a representante do movimento União da Juventude Comunista da Unesp, Gabrielle Nascimento, identificada também como “Delegade do Congresso de Estudantes da UNESP”, afirmou que o ato foi uma manifestação política legítima contra o professor.

Ela acusou Cepaluni de assédio, de sustentar “posições políticas perigosas” e de defender o “elitismo”. Sobre o confronto, alegou que o docente “teria ido para cima, furado a barreira dos estudantes e dado cotoveladas”, o que teria provocado lesões em quatro alunos – sem, contudo, especificar a natureza das supostas lesões.

A reportagem entrou em contato com a União da Juventude Comunista (UJC) e com o Centro Acadêmico de Relações Internacionais (CARI), mas não obteve resposta até a conclusão desta matéria.

O professor afirma que não houve tentativa de diálogo anterior por parte das duas organizações ou de quaisquer estudantes envolvidos. “Não houve diálogo ou tentativa de esclarecimento, nem antes nem durante a manifestação. No próprio dia, quando questionei alguns alunos, muitos disseram não me conhecer ou nunca terem sido meus alunos. Isso mostra que não havia um debate real, mas sim hostilidade organizada.”

Sobre as motivações das agressões, Cepaluni afirma que em suas aulas costumava propor reflexões críticas sobre temas como direitos humanos e liberdades individuais. O professor sugere que a reação foi alimentada por acusações falsas que circularam em redes sociais e grupos fechados.

“A motivação foi política e não acadêmica. Foi um ataque para me calar, não para debater. Cabe às autoridades investigarem para que a verdade seja plenamente esclarecida. Minhas aulas são baseadas em ciência, dados e debate plural. Se isso desagrada, é porque alguns confundem crítica acadêmica com ataque pessoal. Defendo a liberdade de expressão, mas grupos radicais distorcem os fatos e criam um ambiente de intimidação, onde até os mais moderados se calam. Se não houver responsabilização, esse tipo de violência tende a se repetir e se ampliar.”

Universidade anuncia apuração, mas evita nota pública de repúdio

A reportagem procurou a universidade para questionar quais providências seriam tomadas em relação à União da Juventude Comunista da Unesp, que promoveu a manifestação, além de indagar sobre a identificação e eventual punição dos estudantes envolvidos e de que forma a instituição apoia movimentos que recorrem a discursos de incitação ao ódio e à violência.

A universidade respondeu:

“Diante dos acontecimentos de 2 de setembro de 2025 na Faculdade de Ciências Humanas e Sociais (FCHS) da UNESP, câmpus de Franca-SP, a Direção reitera seu compromisso com a defesa dos direitos humanos e combate a toda forma de assédio, discriminação e outras formas de violência no âmbito da Universidade. Informamos que já foram tomadas as providências legais para apuração dos fatos e pessoas envolvidas e outras medidas administrativas pertinentes. Reiteramos a defesa da liberdade acadêmica e também o combate à violência no âmbito da Universidade. A UNESP lançou este ano a campanha ‘UNESP Sem Assédio’, além de contar com a Ouvidoria e iniciativas como guias de enfrentamento a várias formas de violência, o Acolhe UNESP e a Comissão de Acolhimento às Pessoas Vítimas de Violência, que estão no âmbito da Pró-Reitoria de Ações Afirmativas, Diversidade e Equidade.”

Apesar da resposta, até o momento a universidade não publicou em seus canais oficiais nenhuma manifestação pública de repúdio aos ataques. Questionada sobre as providências legais e administrativas já adotadas, a instituição limitou-se a informar que encaminhou o caso para análise da área jurídica.

Clima de intimidação ameaça liberdade acadêmica e o debate de ideias

O que deveria ser um espaço de diálogo, pluralidade de ideias e respeito apresenta sinais de se tornar palco para incitação à violência. Para Cepaluni, o ambiente universitário se transformou em um terreno fértil para intimidação. “Já presenciei falas que ultrapassaram o campo da crítica legítima e entraram na intimidação. Esse clima de tolerância com excessos cria espaço para episódios como o que sofri.”

O professor relata sentir-se “profundamente abalado, sobretudo no aspecto psicológico”. E completa: “Não apenas pela violência, mas também pelo silêncio de muitos colegas e alunos que, talvez por medo, não se manifestaram. A história mostra que a omissão diante de abusos abre caminho para tragédias maiores. Sempre defendi a não agressão e o debate, e sigo acreditando que esse é o caminho correto.”

Ele também alerta que não se trata de caso isolado: “Já houve acusações sem provas contra professores pelo conteúdo de suas aulas. É um padrão preocupante de criminalização do ensino e de perseguição a docentes. Isso fragiliza as humanidades, que dependem do debate livre, crítico e fundamentado em evidências. Se a liberdade de cátedra continuar sendo atacada, todos — professores, estudantes e a sociedade — sairão perdendo.”

Na avaliação do professor, o episódio não é apenas um ataque pessoal, mas um sintoma de algo maior: a transformação da universidade em um ambiente onde o medo substitui o debate e onde grupos organizados testam os limites da violência física para calar vozes dissidentes. O caso da Unesp, ao permanecer sem resposta institucional clara, tende a se tornar precedente perigoso. Mais do que uma questão individual, revela um risco estrutural para a própria ideia de universidade como espaço de liberdade intelectual e de busca pelo conhecimento.



Fonte. Gazeta do Povo

Leia mais

Rolar para cima