A semana começou e terminou perdida nos despachos do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes. Na sexta (18), a Folha anunciava a “instalação” da tornozeleira no ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e a proibição do uso de redes sociais, “diretamente ou por intermédio de terceiros”.
O jornal destacava um aspecto formal do despacho que não parecia banal. “Segundo Moraes escreveu em sua decisão, usando letras maiúsculas, Bolsonaro e seu filho Eduardo vêm cometendo ‘CLAROS e EXPRESSOS ATOS EXECUTÓRIOS e FLAGRANTES CONFISSÕES DA PRÁTICA DOS ATOS CRIMINOSOS’ (…).” Mais adiante vamos retornar a ele.
Na segunda (21), Moraes emitiu outra decisão para esclarecer a primeira. Informava que a proibição das redes incluía, “obviamente, as transmissões, retransmissões ou veiculação de áudios, vídeos ou transcrições de entrevistas em qualquer das plataformas de redes sociais de terceiros”.
O título da Folha era “Moraes proíbe divulgação de entrevistas de Bolsonaro nas redes sociais”. O verbo gerava dúvida: era “proíbe” mesmo ou deveria ser “censura”? O jornal demorou a dar vazão à discussão, que já se desenrolava tanto nas redes quanto nos comentários de leitores no site.
A Folha “publicou notícia de uma censura com a maior naturalidade do mundo, até mesmo apoiando a decisão absurda de calar um líder político que fala por milhões de pessoas”, afirmava o leitor Daniel Nunes. Com ele, Adriane Vaz concordava “plenamente”. “É censura! Inaceitável em um Estado Democrático de Direito. Abre jurisprudência para uma série de absurdos.”
Morgana Brígida, porém, escreveu que “não, isso não é censura. Isso é sobre responsabilidade. Essas pessoas cometem crimes, e ninguém aguenta mais ser refém desse ciclo doentio”. “O que existe é um réu –que pratica obstrução de justiça e vilipendia a corte que o julga– cumprindo medidas cautelares. Nada a ver com censura”, afirmava Mauricio Borborema.
O que teria motivado o esclarecimento do ministro seria uma entrevista que o ex-presidente daria ao site Metrópoles. E que, por temor da defesa em relação ao alcance das proibições, terminou não acontecendo.
Na noite daquela segunda, a Folha entrou na discussão, colhendo a opinião de especialistas. Mas “censura” não aparecia nos destaques. “Veto de Moraes a divulgação de entrevistas de Bolsonaro em redes sociais confunde e gera críticas” era o título. Levaria ainda mais dois dias para que a palavra fosse usada pelo jornal num enunciado: “Ordem de Moraes contra Bolsonaro, sem critério em lei, provoca debate sobre censura”.
Um aspecto levantado por Ivar Hartmann, um dos especialistas ouvidos, era importante e delicado: como a decisão, mesmo sem evidenciar “censura”, poderia ensejar uma espécie de autocensura do réu e dos próprios jornalistas.
Mas, talvez pela disposição para o ridículo mostrada inúmeras vezes por Jair Bolsonaro, o caso parecia ser levado com menos gravidade do que deveria.
Não se tratava de abarcar sem reservas a tese de censura, mas de considerá-la digna do debate. A concorrência se mostrou menos reticente e encarou a discussão de imediato (“Novas decisões de Moraes sobre Bolsonaro podem ser entendidas como censura prévia, apontam juristas” era um dos títulos do Estado de S. Paulo).
Veio, então, a terceira decisão de Alexandre de Moraes, na quinta (24). Nela, o ministro afirmava que não havia proibição a entrevistas e que o ex-presidente havia cometido apenas “irregularidade isolada” ao fazer chacrinha com sua tornozeleira na frente da Câmara dos Deputados uns dias antes, portanto não seria preso.
Mas a Folha levava nove parágrafos para relatar aquela que seria a frase mais polêmica do documento: “Como diversas vezes salientei na presidência do Tribunal Superior Eleitoral, a Justiça é cega mais (sic) não é tola!!!!!”. Ocorre que, para além do erro de português que satisfez detratores do ministro (corrigido num despacho posterior), havia um certo histrionismo vocabular e tipográfico que não deveria ser tomado como detalhe.
Depois, o jornal passou a informar que o ministro “recorreu a letras maiúsculas e exclamações” e reproduzia a decisão também em sua forma original (“A JUSTIÇA É CEGA MAS NÃO É TOLA!!!!!”). Assim como os “gritos” tipográficos de Donald Trump não deveriam ser ignorados, a ênfase dada por Alexandre de Moraes a sua decisão completava o sentido de suas palavras.
Mais do que isso, porém, a discussão sobre as consequências da sucessão de ordens pouco compreensíveis era um imperativo. Ela cresceu no jornal ao longo da semana, mas começou excessivamente tímida. O histórico do que se tornaram os processos do mensalão e da Lava Jato mostra que, nesses casos, transparência e debate nunca são demais.
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.
Fonte.:Folha de S.Paulo