
Nunca se ouviu falar tanto sobre o incentivo ao consumo de proteína. A cultura fitness e a ânsia pelo emagrecimento parecem impulsionar essa nova tendência, como se a ingestão exagerada de proteína fosse um atalho para alcançar o corpo que se pretende. Porém, não há comprovação científica a respeito dos benefícios advindos desse uso além do recomendado.
A Organização Mundial da Saúde preconiza 0,8 gramas de proteína multiplicada pelo peso da pessoa. Dessa forma, quem pesa 68 quilos deveria ingerir 54,4 gramas ao dia.
Mas muitos profissionais da saúde propagam mais: o médico canadense-americano Peter Attia, autor e pesquisador conhecido por sua atuação na medicina da longevidade, por exemplo, defende cerca de 2,2 gramas de proteína por quilo de peso corporal, o que levaria uma pessoa de 68 quilos a consumir 149,6 gramas diariamente: quase o triplo do indicado pela OMS.
O que diz a ciência sobre o consumo elevado de proteína?
O cardiologista norte americano Eric Topol, um dos dez pesquisadores mais citados na área médica no mundo, é autor da análise crítica Nossa preocupação com a ingestão de proteína (Our Preoccupation With Protein Intake).
Ele refuta a ideia de ultrapassar os índices indicados para ingestão proteica por dois motivos: além de não existir garantia sobre ganhos físicos ainda há aumento de risco cardiovascular derivado do super consumo.
Em seu trabalho, Topol – que foi conferencista do 41º Congresso da SOCESP – Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo – afirma ter investigado inúmeros estudos buscando subsídios para justificar as vantagens da alta ingestão de proteínas. Em vão. Segundo ele, ao contrário, a alimentação ou suplementação proteica não constrói ou fortalece músculos.
Topol cita pesquisas e estudos randomizados que avalizam a falta de resultados clinicamente significativos na massa magra ou na massa muscular durante a manutenção, ganho ou perda de peso.
Vale mencionar uma das maiores autoridades sobre o tema músculo esquelético com foco nos efeitos da nutrição e do exercício na proteína muscular e composição corporal: o pesquisador e professor da McMaster University (Canadá) Stuart Phillips. Ele afirma não haver constatação de benefícios no ganho de massa muscular com ingestão de proteína superiores a 1,6 grama/dia.
Por isso, para quem deseja hipertrofia muscular, entre 1,2 e 1,6 grama de proteína/dia é suficiente desde que haja associação com treino de força a fim de estimular a síntese muscular.
Risco ao coração
Em contrapartida, se não há comprovação científica para embasar o consumo dobrado ou triplicado da macromolécula, há como se provar que o excesso está associado a evidências epidemiológicas de danos cardiovasculares.
De acordo com as investigações de Topol, o aminoácido essencial leucina, encontrado em produtos de origem animal como carne, ovos e laticínios – cardápio base dos adeptos dessa dieta –, quando consumido em doses elevadas, contribui para a formação de placas de gordura e colesterol na parede das artérias, provocando a aterosclerose.
Esse processo dificulta o fluxo sanguíneo e exacerba o risco de infartos e acidentes vasculares cerebrais (AVC). Além disso, dependendo da procedência das proteínas e da quantidade, o corpo será abastecido com gorduras saturadas, aumentando os níveis de colesterol LDL (“ruim”) e a chance de desenvolver diabetes: ambos gatilhos para doenças cardiovasculares e mortalidade.
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Portanto, à luz da ciência, estamos diante de um desperdício perigoso. Dentro dos parâmetros recomendados, os aminoácidos ingeridos não são desperdiçados: são usados em síntese de enzimas, hormônios, transportadores, neurotransmissores, participam da regulação de glicose no fígado e servem como substrato na produção de energia (especialmente em jejum ou exercício).
Mas, diferentemente dos carboidratos e da gordura, não há como armazenar proteínas. Quando não utilizadas nesses processos, é expelida: o nitrogênio contido nos aminoácidos que constituem a proteína é removido para formar amônia, convertido em ureia e excretado na urina.
O que observar ao escolher suplementos proteicos?
Ao buscar fontes para manter uma dieta proteica, as pessoas estão sujeitas a cair em uma armadilha: comprar industrializados olhando apenas os rótulos e não atentando às especificações nutricionais. O produto pode conter açúcares adicionados, sódio ou aditivos que “pesam” mais do que o benefício proteico.
A não clareza no rótulo sobre a origem, como a menção genérica a “blends”, é um exemplo. A presença de aditivos como o carboidrato maltodextrina ou amido barateiam o custo e diluem o teor de proteína. A ausência de laudo de pureza ou selos de certificação também são indícios de um suplemento de baixa qualidade.
A proteína extraída do soro do leite, conhecida como whey, é considerada “padrão ouro” em absorção rápida e contém leucina. A leucina é a proteína necessária na ativação dos músculos. Precisamos 3,0 gramas/dia para promover esta ativação. Algumas fontes suplementares de proteínas têm todos os aminoácidos essenciais em proporção adequada (alto valor biológico) e outras são limitadas e agregam elementos prejudiciais.
Contudo, para o consumo cientificamente proposto de proteínas os alimentos ainda são mais confiáveis e acessíveis. Carnes, peixes, ovos e laticínios (leite, queijo, iogurte), alimentos de origem vegetal (feijão, lentilha, grão de bico, soja, espinafre, couve), oleaginosas (nozes, amêndoas, amendoim), sementes e cereais criam refeições balanceadas.
Essas refeições fornecem nutrientes essenciais de forma natural e completa, proporcionando melhor absorção e saciedade na comparação com suplementos isolados.
Equilíbrio nutricional é essencial
É essencial compreender que não é apenas de proteína que se constrói músculo. O equilíbrio entre macronutrientes (carboidratos, proteínas e gorduras) e micronutrientes (vitaminas e minerais) é determinante para a saúde, o desempenho físico e a longevidade. O excesso proteico pode, inclusive, se transformar em vilão, trazendo mais riscos do que benefícios.
Antes de investir em modismos, é preciso buscar informações de fontes seguras e profissionais qualificados para saber o que realmente irá contribuir e o que não compensa, seja pela falta de resultados, seja por malefícios à saúde.
*Diandro Mota é cardiologista pós-graduado em Nutrição, Metabolismo e Fisiologia do Exercício pela Universidade de São Paulo (Ribeirão Preto) e assessor científico para Tecnologia e Inovação da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp). Valéria Machado é coordenadora geral do Departamento de Nutrição da Socesp e mestre e doutora em Ciências Aplicadas à Cardiologia.
Fonte.:Saúde Abril


