
Crédito, Gavin Kent/Mirrorpix
- Author, Nada Tawfik
- Role, Correspondente para América do Norte
- Reporting from New York City
Enquanto a coroação da rainha Elizabeth 2ª era transmitida em salas de estar ao redor do mundo, um menino de seis anos de idade assistia atentamente a uma televisão preto e branco em sua casa, em Nova York.
Sua mãe, de origem escocesa, estava fascinada diante da tela, sem sair do lugar o dia inteiro, naquele 2 de junho de 1953.
Aquele garoto era Donald Trump.
Anos depois, já como empresário do setor imobiliário, Trump relatou, em seu livro Donald Trump – A Arte da Negociação, o impacto que o amor de sua mãe pela família real britânica teve sobre ele.
Trump disse ter herdado “o senso de espetáculo” da mãe, a quem descreveu como “fascinada pela pompa e cerimônia, pela própria ideia de realeza e glamour”.
Essa profunda apreciação pela pompa e cerimônia — e seu próprio “senso de espetáculo” — estão em plena exibição durante sua segunda visita de Estado ao Reino Unido nesta semana, na qual Trump retornou ao Castelo de Windsor.
Donald Trump e a primeira-dama americana, Melania, chegaram ao Castelo de Windsor na quarta-feira (17/09), onde foram recebidos por William e Kate, príncipe e princesa de Gales, respectivamente.
O convite do rei Charles 3º foi entregue pessoalmente pelo primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, no Salão Oval da Casa Branca, em fevereiro, em um gesto visto como um apelo direto ao amor de Trump pela ostentação. O momento também tinha sua razão de ser: o governo britânico buscava concessões comerciais cruciais em meio ao aumento de tarifas.

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A visita de Trump ao Reino Unido é histórica por si só — ele é o único presidente a ser convidado para duas visitas de Estado, a primeira em 2019.
Em 2018, durante uma visita de trabalho ao Reino Unido, Trump conheceu a rainha Elizabeth 2ª no Castelo de Windsor, e disse que sua mãe, Mary Anne MacLeod Trump, estava sempre presente em seus pensamentos.
Fiona Hill, ex-assessora de segurança nacional de Trump, observou em seu livro que o presidente americano frequentemente mencionava a admiração da mãe pela família real britânica. Segundo Hill, conhecer a rainha Elizabeth 2ª durante o primeiro mandato era uma obsessão dele, pois representava “o sinal máximo do que ele, Trump, havia conseguido na vida”.

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Pouco depois desse encontro, Trump disse ao jornalista britânico Piers Morgan: “Eu estava chegando e perguntei [à primeira-dama Melania Trump]: ‘Você consegue imaginar minha mãe vendo essa cena?’ Castelo de Windsor.”
O fascínio de Trump pela realeza britânica também ficou evidente no início de sua carreira, segundo pessoas que o cercavam na época.
Wes Blackman, planejador urbano que trabalhou com Trump por dez anos na década de 1990 e ajudou a transformar o complexo de luxo de Mar-a-Lago em Palm Beach, na Flórida, em um clube privado, lembra do empresário tentando “despertar” interesse no clube ao mencionar o nome da princesa Diana como possível associada.
Na época, Trump era visto como um outsider, e o jornal The Palm Beach Daily News citou socialites que estavam céticas quanto ao suposto interesse real no projeto de Trump.
“Parece uma manobra de Trump para ganhar membros”, disse a condessa Helene Praschma, citada pelo jornal. Outros afirmaram que Trump poderia ter oferecido ao casal real o título de membro honorário para obter o glamour que eles representam.
Uma fonte familiarizada com as iniciativas de marketing na época disse à BBC que Trump ofereceu ao príncipe Charles uma adesão gratuita de um ano a Mar-a-Lago. O príncipe respondeu com uma carta recusando educadamente a oferta, sugerindo, em vez disso, uma doação de caridade para causas ambientais dele. Segundo a fonte, Trump achou a carta “ótima”.
Blackman também lembra da carta e de como Trump ficou obcecado por ela.
“Sempre foi muito importante para Donald Trump ser visto como alguém bem-sucedido e parte da história”, disse. “Ele vive disso.”

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Na década de 1980, quando Trump tentava se firmar como novo empreendedor imobiliário em Nova York, os tabloides noticiaram que o príncipe Charles e a princesa Diana estariam interessados em comprar um apartamento de US$ 5 milhões (aproximadamente R$ 27,5 milhões) na Trump Tower. Segundo diversas fontes, o boato provavelmente foi iniciado pelo próprio Trump.
Mais tarde, a agência de notícias Associated Press divulgou um desmentido do Palácio de Buckingham, afirmando que “não havia verdade” na reportagem original.
Dickie Arbiter, porta-voz da rainha Elizabeth 2ª, disse que Trump não estava no radar da realeza naquela época.
“As pessoas fazem isso desde o início, buscando publicidade por meio da realeza. Fazem comentários estapafúrdios e, a menos que sejam difamatórios, a realeza não reage. Nunca explica, nunca reclama — esse é o mantra deles”, afirmou.
O incidente foi abordado pelo próprio Trump em seu livro Donald Trump – A Arte da Negociação, mas com uma narrativa ligeiramente diferente. Trump escreveu que recebeu uma ligação de um repórter perguntando se era verdade que o príncipe Charles havia comprado um apartamento na Trump Tower.
Ele destacou que era a semana do casamento do casal real, que considerava “o casal mais celebrado do mundo”. Trump alegou ter se recusado a confirmar ou negar o boato, mas afirmou que a reportagem ajudou a promover a Trump Tower.
Mais de duas décadas depois, Trump teria convidado o príncipe Charles para seu casamento com Melania Knauss, realizado em seu novo salão de baile de 1.800 m² em Mar-a-Lago, inspirado em outra família real. Ao planejar o espaço, Trump se baseou no Salão dos Espelhos de Luís 14, em Versalhes.
Kristen Meinzer, podcaster que também cobre a realeza britânica, afirma que Trump passou décadas tentando se moldar segundo a realeza e criar uma aura ao seu redor, como se fosse da nobreza.
“Quando ele comprou Mar-a-Lago (em 1985), basicamente adotou o brasão dos antigos donos”, disse Meinzer. “Ele se apresenta como se fosse da aristocracia, como se fosse da realeza, e tem feito isso durante toda a carreira.”

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Aos olhos de Trump, o trono britânico tem um status global que ele almeja, afirmam alguns observadores.
“Eles [a família real britânica] são uma espécie de ápice da alta sociedade da qual ele sempre quis fazer parte, então estar com eles é obter aceitação e legitimidade”, diz o cientista político Peter Harris, que escreveu sobre relações transatlânticas.
“Além disso, ele quer a mídia sensacionalista… são os dois mundos em uma família”, acrescenta Harris, professor associado da Universidade Estadual do Colorado.
Trump pode ir até lá sabendo que receberá adulação, terá ótimas oportunidades para fotos, apertará a mão do rei e ninguém dirá nada de negativo na presença deles, observa Harris.
Um membro da realeza, em especial, despertou o interesse de Trump.
Em seu segundo livro, The Art of the Comeback (“A Arte do Retorno”, em tradução livre), ele escreveu que seu único “arrependimento no quesito mulheres” era nunca ter tido a oportunidade de cortejar Lady Diana Spencer. Segundo Trump, ela “iluminava o ambiente” e era “uma dama dos sonhos”.
No entanto, de acordo com a ex-apresentadora da BBC Selina Scott, Trump teria tentado namorar a princesa Diana após seu divórcio do príncipe Charles, em 1996, considerando-a “a esposa troféu definitiva”. Scott escreveu no jornal The Sunday Times que Diana dizia que Trump lhe causava “arrepios” e estava cada vez mais incomodada com a constante entrega de rosas e orquídeas ao seu apartamento.
Pouco depois da morte da princesa, em entrevista de 1997 ao radialista Howard Stern, Trump afirmou que poderia ter dormido com Diana. Em 2016, entretanto, negou qualquer interesse romântico e a descreveu apenas como “adorável”.

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Os comentários de Trump sobre outras mulheres da família real têm sido mais críticos.
Em 2012, ele culpou Kate Middleton, hoje princesa de Gales, pelas fotos topless tiradas por paparazzi enquanto ela tomava sol de férias na França.
Trump também classificou Meghan, duquesa de Sussex, como “terrível” e “desagradável”, enquanto ela o descreveu como “divisivo” e “misógino” durante a campanha presidencial americana de 2016.
Nada disso afetará a visita de Estado, diz Arbiter — a realeza está acostumada a receber todo tipo de líder, e comentários passados não vão intimidá-los.
“O rei fará Trump se sentir bem-vindo, e Trump será como massinha de modelagem em suas mãos, porque gosta de toda a ideia de uma visita de Estado e da parte cerimonial.”
Quanto a Trump, ele assistiu, quando jovem, à mãe reverenciando a realeza — e agora, 70 anos depois, é ele quem divide os holofotes com eles.
Reportagem adicional de Pratiksha Ghildial.

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Fonte.:BBC NEWS BRASIL