Você está na cadeira do dentista todo tranquilo. Afinal, mantém seu ritual de limpeza religiosamente, com fio dental e escova sempre à mão, nem sente nenhum incômodo. E eis que o profissional lhe diz que há um problema ali. Seus dentes estão com trincas e uma coloração típicas da arcada de um idoso. Só que você nem passou dos 40 anos! Que mistério é esse?
A condição tem nome e sobrenome, mas só começou a ganhar a atenção, inclusive dos dentistas, nos últimos anos. É a síndrome do envelhecimento precoce bucal, um diagnóstico que está sendo cada vez mais feito nos consultórios e causa espanto por não ter necessariamente a ver com a falta de higiene diária — a exemplo da cárie.
“É um problema que está literalmente na boca do povo, mas ainda não é tão falado como deveria”, diz o cirurgião-dentista Luiz Rodolfo May dos Santos, que atua no Sesc de São Paulo e mantém um trabalho de divulgador científico no blog Dicas Odonto e no podcast PodSondar.
Nesta matéria, você lerá sobre:
- O que é a síndrome do envelhecimento precoce bucal?
- Como a saúde mental afeta a saúde da sua boca?
- Como é feito o diagnóstico?
- Refluxo e má alimentação envelhecem os dentes
- Cuidado na hora de treinar!
- Os principais inimigos dos seus dentes
- Como tratar a síndrome do envelhecimento precoce bucal?
- Complicações do envelhecimento precoce
- Como prevenir o problema?
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+ Leia também: Qual a relação entre a cor do dente e a saúde bucal?
O que é a síndrome do envelhecimento precoce bucal?
A tal síndrome está enquadrada em um grupo de lesões dentais chamadas não cariosas e é muito mais influenciada pelos hábitos, inclusive alimentares, do que pela limpeza bucal.
O desafio é que essa situação pode dar as caras mesmo entre pessoas que mantêm uma rotina considerada impecável, comendo direito e frequentando a academia. Na verdade, como se fosse uma pegadinha, algumas atividades físicas (e suplementos tomados entre as sessões) podem aumentar a propensão a essa dor de cabeça — ou melhor, de dente!
A síndrome é também um sinal dos tempos. “Nossos avós são de uma época em que a maioria tinha de usar dentaduras, nossos pais conviviam com as obturações e talvez a nossa geração e a de nossos filhos sejam as primeiras a não sofrer com a cárie”, repara Santos.
Não é que ela tenha deixado de existir, mas, com a maior conscientização sobre a importância da escovação, a fluoretação da água e o acesso aos dentistas, a prevalência da chateação felizmente caiu.
Acontece que, se isso parecia um caminho aberto para chegar ao final da vida com a dentição intacta, nos últimos anos o cenário tem se modificado — especialmente desde a pandemia, quando situações como o estresse, a ansiedade e problemas do sono dispararam.
E uma mente atribulada significa uma boca atribulada. Mas o que uma coisa tem a ver com a outra?

Como a saúde mental afeta a saúde da sua boca?
Tanto a tensão diária como o uso de medicamentos para transtornos mentais como ansiolíticos alteram a produção e a qualidade da saliva que banha e protege os dentes.
“O estresse, por si só, favorece inflamações pelo corpo, inclusive na boca, e ainda contribui para o bruxismo e o costume de apertar os dentes”, explica a cirurgiã-dentista Sheila Cortelli, da Sociedade Brasileira de Periodontia e Implantodontia (Sobrapi).
Ou seja, há uma série de fatores que abalam a integridade bucal. “Eu não sei se esses jovens vão chegar a uma velhice com a dentição preservada”, preocupa-se a pesquisadora, que também é editora da revista científica Brazilian Journal of Periodontology.
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Como é feito o diagnóstico?
O problema, que não está associado só ao estado emocional, ganhou ares tão urgentes que, pela primeira vez, o Ministério da Saúde elaborou um manual dedicado a detalhar aos profissionais da área as características da síndrome do envelhecimento precoce bucal e a esclarecer o conceito aos pacientes, que, crentes de que estão fazendo tudo do jeito certo, ficam com inúmeras dúvidas sobre a condição.
Para fechar o diagnóstico, aliás, o dentista tem de montar um quebra-cabeça do estilo de vida de quem está sentado na cadeira com a boca aberta.
“Temos de aplicar um questionário completo: entender se a pessoa faz academia, os tipos de exercício, os hábitos alimentares, a ingestão de líquidos ao longo do dia…”, enumera a cirurgiã-dentista Claudia Gobor, diretora da Associação Brasileira de Odontologia no Paraná (ABO-PR).
O envelhecimento precoce da boca está diretamente associado a situações que desgastam e fragilizam os dentes muito mais rapidamente do que isso deveria acontecer. E não são apenas os distúrbios psíquicos que estão mais prevalentes hoje e metendo o bedelho nessa história.

Refluxo e má alimentação envelhecem os dentes
“O refluxo gastroesofágico é também um fator importante, ligado ao estresse e às vezes subdiagnosticado”, ilustra Rodrigo Beltrão, professor do curso de especialização em implantodontia da Sociedade Brasileira dos Cirurgiões-Dentistas (Sobracid).
Nesse caso, os ácidos do estômago que podem chegar até a boca tendem a acelerar o desgaste dental. Na realidade, fora o refluxo, outras situações podem deixar o pH bucal mais ácido e acelerar o envelhecimento dos dentes.
O consumo de alimentos e bebidas com essas características é uma delas. Além de refrigerantes e sucos artificiais, até mesmo produtos que fazem parte de uma rotina supostamente saudável podem conspirar contra os dentes.
É o caso de whey protein, isotônicos e os famosos shots de imunidade à base de frutas cítricas.
Soa um tanto paradoxal mesmo: algumas atitudes recomendadas em prol do bem-estar podem, inadvertidamente, respingar negativamente nos dentes. E isso só reforça a necessidade de tomar certos cuidados e manter as idas ao dentista.
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Cuidado na hora de treinar!
Um dos hábitos sempre defendidos que chegam a ter efeitos colaterais na boca é a atividade física. “Pessoas que fazem exercícios intensos ou com muito peso tendem a travar muito a mandíbula durante o esforço, o que acarreta trincas dentais às vezes invisíveis a olho nu”, expõe Gobor.
E isso para não falar dos esportes de contato, que levam a fraturas dentais bem mais óbvias. Essa tensão física sobre os dentes, aliás, aparece como um dos aspectos mais críticos da síndrome do envelhecimento bucal — inclusive fora das quadras e das academias.
O “apertamento” dental é uma das principais causas de desgaste crônico da arcada. E ele pode ocorrer durante o sono, como no bruxismo, mas também durante as aulas e o trabalho.
É o chamado bruxismo de vigília, que se manifesta quando estamos acordados e traz tantos danos como o tipo noturno — em ambas as situações, placas protetoras podem resguardar os dentes.
Os principais inimigos dos seus dentes
Só não se engane: embora a síndrome também acometa quem mantém hábitos saudáveis, ela não poupa aqueles que já se entregam a costumes contraindicados.
Pelo contrário, o álcool e o cigarro, incluindo os vapes que se popularizaram entre os jovens, só acrescentam um novo mal à sua extensa lista de problemas.
A lista dos fatores de risco para a síndrome do envelhecimento precoce bucal pode soar um tanto desanimadora, especialmente se você já se engaja em uma vida mais equilibrada.
Mas a ótima notícia é que, sim, existem medidas para frear ou ao menos mitigar esse fenômeno que, digamos, altera a idade biológica dos dentes. E esse é um trabalho que depende inclusive de uma parceria entre o paciente e seu dentista.

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Como tratar a síndrome do envelhecimento precoce bucal?
“É importante reconhecer a existência da síndrome, saber os sinais dela e atacá-la mais cedo”, afirma Santos. Trata-se, principalmente, de adequar os cuidados que você toma hoje a esse novo conceito. Como é algo que vai além da limpeza, é fundamental que se investiguem, em primeiro lugar, os motivos do desgaste dental.
Às vezes, o erro reside na própria escovação: ela é indispensável, mas tem de ser feita sem mão pesada e com uma escova de cerdas macias, que agridem menos a dentição. De preferência, vale também esperar de 20 a 30 minutos após uma refeição para fazer essa faxina. Assim você evita a dispersão do conteúdo ácido da alimentação e dá tempo de a própria saliva começar a neutralizar o pH da boca.
Algumas pistas indicam que o envelhecimento bucal está dando as caras antes do esperado. “Sob o esmalte claro dos dentes, fica a dentina, que é mais amarelada.
Quem desgasta os dentes, inclusive na escovação, pode deixar a dentina mais exposta, com a cor de um dente envelhecido”, descreve a cirurgiã-dentista Denise Tibério, presidente da Câmara Técnica de Odontogeriatria do Conselho Regional de Odontologia de São Paulo (Crosp).
Também não é o caso de deixar de fazer exercícios em nome dos dentes. Pelo contrário.
“O exercício ajuda a aliviar o estresse, que é um dos fatores por trás dessas lesões dentais”, ressalta Tibério. “Para prevenir o desgaste relacionado à atividade física, é possível usar uma placa ou um mordedor, que protegem a dentição do apertamento”, recomenda a especialista.

Complicações do envelhecimento precoce
Aliás, os danos cumulativos à arcada dentária que culminam na tal da síndrome também podem abrir brechas para problemas mais conhecidos — e não apenas as cáries. “Toda essa alteração na cavidade bucal aumenta o risco das doenças periodontais”, avisa Cortelli.
Ao deixarem os dentes e seus arredores mais frágeis e expostos à placa bacteriana, os micro-organismos podem despertar um processo inflamatório que ataca a gengiva e, depois, os tecidos da vizinhança, uma encrenca chamada periodontite e que pode levar a uma boca desfalcada.
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Como prevenir o problema?
Para garantir que os dentes tenham vida longa, portanto, não dá para abrir mão da higiene rigorosa, assim como das consultas regulares ao dentista — no mínimo, uma vez ao ano.
“Até porque, sozinho em casa, sem procurar ajuda profissional, é muito difícil reverter esse quadro de envelhecimento precoce bucal”, afirma Cortelli.
Contar com uma orientação especializada faz toda a diferença inclusive porque a abordagem precisa ser individualizada, levando em consideração a rotina de cada paciente.
“Se a pessoa faz uso de um remédio para ansiedade que altera a salivação, por exemplo, pode ser necessário conversar com o psiquiatra se não há uma medicação alternativa sem esse efeito colateral”, exemplifica Santos.
Se as trincas têm relação com o exercício, talvez seja o caso de discutir com seu personal uma mudança no regime de treinos, que não deixem a mandíbula tão travada. Ou, em outros casos, procurar um médico para tratar o refluxo.
Como a síndrome tem origens variadas, preveni-la ou minimizar seus impactos também costuma exigir um plano de ação que vai além da cadeira do dentista. Por isso, não há tempo a perder.
Para ostentar um sorriso longevo, é preciso revisar a rotina e checar, com o apoio dos entendidos, o que pode ser mudado ou ajustado — do remédio ao treino! Afinal, ninguém quer ficar velho antes da hora. Muito menos os dentes.
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Fonte.:Saúde Abril


