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- Author, Swaminathan Natarajan
- Role, BBC World Service
O líder espiritual tibetano, Dalai Lama, que completa 90 anos neste domingo (6/7), confirmou que terá um sucessor após sua morte.
Ele acrescentou que somente o Gaden Phodrang Trust — fundação que ele criou — tem autoridade para reconhecer sua futura reencarnação.
O 14º Dalai Lama fez o tão esperado anúncio em Dharamshala, no norte da Índia, onde vive exilado do domínio chinês.
A declaração foi feita após temores de que a China poderia tentar impor seu próprio candidato.
Em resposta, Pequim disse que a reencarnação do Dalai Lama deve ser encontrada dentro da China com a aprovação do governo central.
A China comunista anexou o Tibete em 1951, e considera o Dalai Lama um separatista.
Quem é o Dalai Lama?
Acredita-se que o Dalai Lama seja uma manifestação do santo padroeiro do Tibete, conhecido como Avalokiteshvara ou Chenrezig.
Assim como os hindus e jainistas, os budistas acreditam que todos vão reencarnar após a morte. Na tradição tibetana, as pessoas com maior realização espiritual poderiam decidir quando e onde vão reencarnar.
O atual Dalai Lama nasceu em 6 de julho de 1935 em uma família pobre de agricultores no nordeste do Tibete. Aos dois anos, ele foi reconhecido como a reencarnação do 13º Dalai Lama.
“Os tibetanos acreditam que a mesma alma do Dalai Lama reencarna repetidas vezes”, explica Thupten Jinpa.
Jinpa é um ex-monge que alcançou a mais alta qualificação teológica no budismo tibetano — e tem sido o tradutor oficial do Dalai Lama desde 1985.
Ele afirma que, de acordo com as crenças tradicionais, todos os Dalai Lamas são a continuidade de uma única pessoa; mas o titular não parece levar isso ao pé da letra.
“Ouvi Sua Santidade dizer em algumas ocasiões que não acredita necessariamente que todos os 14 sejam a mesma pessoa”, conta Jinpa à BBC. “Mas todos dentro dessa linhagem vão ter uma conexão especial [com] a linhagem dos Dalai Lamas.”
O budismo tem mais de 2,5 mil anos, mas a instituição do Dalai Lama é mais recente.
“Embora o primeiro Dalai Lama tenha sido [retrospectivamente] reconhecido em uma pessoa chamada Gedun Drup, nascida em 1391, a ideia da reencarnação de um mestre budista que herda a propriedade e os discípulos do seu antecessor é mais antiga do que isso”, diz Martin A Mills, diretor do Centro Escocês de Pesquisa do Himalaia da Universidade de Aberdeen, na Escócia.
“Isso remonta a pelo menos 300 anos antes”, acrescenta.
Como o Dalai Lama é escolhido?

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“O processo de seleção do Dalai Lama é muito rigoroso, complicado e elaborado”, explica Jinpa.
Pode levar anos para identificar este indivíduo — quatro anos no caso da 14ª reencarnação.
Monges que ocupam uma alta posição começam a procurar um menino que tenha nascido na mesma época da morte do Dalai Lama anterior, guiados em sua busca por uma série de pistas em potencial.
Um dos monges pode receber sugestões sobre a identidade do menino em um sonho. A direção da fumaça da pira funerária do Dalai Lama anterior também é considerada uma indicação do local onde a reencarnação pode ocorrer.
Quando a localização do menino é determinada, a criança é presenteada com vários itens. Se identificar com sucesso os pertences do Dalai Lama anterior, os monges consideram isso uma boa indicação da reencarnação.
Quando os principais monges estiverem satisfeitos, o menino será selecionado e submetido a anos de treinamento religioso e estudos teológicos.
Apenas dois Dalai Lamas nasceram fora do Tibete: um na Mongólia, e o outro no nordeste da Índia.
Controle chinês

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Em 1950, a China enviou milhares de tropas para impor sua reivindicação sobre o Tibete. Em 1959, após uma revolta fracassada contra a dominação chinesa, o Dalai Lama fugiu, e estabeleceu um governo no exílio na Índia.
Embora tenha renunciado ao cargo de chefe do governo tibetano no exílio, ele ainda é visto como uma figura chave de resistência ao domínio de Pequim.
O Dalai Lama já disse anteriormente que vai reencarnar fora do Tibete — o que é visto como uma resposta concreta à situação dentro do território controlado pela China.
A China considera o Dalai Lama um exilado político que se envolve em “atividades separatistas contra a China sob o manto da religião”.
Em 2007, Pequim introduziu uma ordem chamada “Medidas sobre a gestão da reencarnação de budas vivos no budismo tibetano”, que parecia ter como objetivo controlar a seleção do próximo Dalai Lama.
Grupos de direitos humanos há muito tempo manifestam receio em relação à suposta interferência chinesa nos assuntos tibetanos.
“As autoridades chinesas precisam acabar imediatamente com a interferência política nas práticas religiosas tibetanas, e deixar de usar a sucessão religiosa como uma ferramenta de controle e coerção”, afirmou Sarah Brooks, diretora da Anistia Internacional para a China, em comunicado.
Pressão no Tibete

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Tibetanos comuns podem ser presos por conversar com jornalistas estrangeiros ou até mesmo por exibir uma imagem do Dalai Lama.
Por meio de um ativista tibetano baseado na Índia, a BBC conseguiu falar com dois monges que vivem no Tibete e um seguidor budista.
Eles contaram que as autoridades estão tomando medidas para impedir qualquer celebração do aniversário do Dalai Lama.
“Meu vilarejo teve duas reuniões em que insultaram o Dalai Lama e fizeram uma séria advertência a todos os presentes, ameaçando com consequências terríveis”, diz um homem de meia-idade da região de Amdo, no Tibete, que pediu para não ser identificado.
Ele também acredita que houve um aumento no número de policiais e militares chineses às vésperas do aniversário.
“Sentimos que havia mais soldados dentro e ao redor do monastério”, explica.
Para ele, a censura chinesa significa que algumas pessoas — especialmente as mais jovens — não se sentem mais próximas do Dalai Lama.
“Muitos jovens não conheceram ele. Ironicamente, eles ouvem seu nome apenas nos documentos de propaganda do governo [chinês].”
“Muitos monastérios estão sob vigilância chinesa contínua, mas alguns ainda optam por usar as vestes chamativas e seguir a vida religiosa.”
‘Menos monges novatos’
“Me tornei monge muito cedo, de acordo com a vontade dos meus pais”, diz Tsering, de 46 anos, cujo nome foi alterado.
Ele é de Chengdu, na província chinesa de Sichuan, e se tornou monge quando tinha apenas sete anos.
Novas restrições impostas pela China obrigam as pessoas a esperar até 18 anos para se tornarem monges. Como resultado, o número de monges nos mosteiros diminuiu.
“Há cada vez menos noviços no mosteiro”, ele observa. “Este ano, apenas três novos monges apareceram no meu monastério e, como antes, também há cada vez menos crianças de outros vilarejos e cidades vindo ao monastério para estudar e louvar.”
Tsering afirma que os benefícios econômicos do domínio chinês vieram às custas da destruição cultural.
“Quando eu era criança, era difícil me alimentar. Havia momentos em que era preciso comer comida ruim no monastério”, diz ele. “Mais tarde, a vida se tornou mais fácil, os meios de transporte mudaram drasticamente, e a educação em geral se desenvolveu.”
Mas ele acrescenta: “Muitas vezes, parece que [o uso] da língua tibetana está piorando”.
Outro monge da região de Amdo completa: “Vejo muitas mudanças, mas é difícil chamar isso de desenvolvimento”.
“Pelo meu entendimento, a língua e a escrita tibetanas se mantiveram apenas por causa da prática budista.”
O próximo Dalai Lama

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O 14º Dalai Lama afirmou que a instituição de seu cargo, com 600 anos de existência, precisa ser preservada.
Para evitar a interferência da China na escolha de seus sucessores, ele já disse aos seus seguidores para rejeitarem uma indicação chinesa no futuro.
“As pessoas vão ser educadas porque não querem perder suas vidas, mas não vão reconhecer o Dalai Lama designado pelo governo chinês”, diz Jinpa.
“A China pode controlar fisicamente as pessoas, mas não pode conquistar os corações e as mentes dos tibetanos”, acrescenta.
Pequim continua tentando promover a ideia de que libertou “servos e escravos”, e colocou o Tibete em uma trajetória de modernização a partir de uma teocracia atrasada.
Mas os seguidores do Dalai Lama vão continuar a trabalhar para garantir que a liderança do budismo tibetano permaneça independente do controle chinês.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL