6:33 AM
31 de julho de 2025

Reconhecimento francês da Palestina já produz efeitos e expõe impasses diplomáticos

Reconhecimento francês da Palestina já produz efeitos e expõe impasses diplomáticos

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PARIS, FRANÇA (FOLHAPRESS) – Três dos maiores especialistas franceses em Oriente Médio, entrevistados pela reportagem, enxergam um impacto imediato da decisão de Emmanuel Macron de reconhecer o Estado palestino. Os três -o ex-chanceler Hubert Védrine; o professor Henry Laurens, do Collège de France; e o historiador Justin Vaïsse, diretor do Fórum de Paris sobre a Paz- consideram inevitável a solução de dois Estados, ainda que muito distante.

Na última quinta-feira (24), o presidente da França anunciou que o reconhecimento ocorrerá em setembro, durante a Assembleia-Geral das Nações Unidas, em Nova York. Já o primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, anunciou nesta terça (29) que deve fazer o mesmo caso a guerra Israel-Hamas não tenha um fim até lá.

Para Henry Laurens, a decisão francesa certamente influenciou Londres, mas Starmer também tem razões de política interna. “À esquerda dos trabalhistas [o partido de Starmer] a hostilidade é crescente. [Jeremy] Corbyn acaba de formar um novo partido, e Starmer pode estar correndo grande perigo nas eleições”, acrescenta. Corbyn deixou a liderança trabalhista em 2020, em parte devido à pecha de antissemita por sua postura pró-Palestina.

O anúncio de Macron foi criticado por Binyamin Netanyahu. O primeiro-ministro israelense acusou o presidente francês de presentear o Hamas. A diplomacia de Tel Aviv fez comentário semelhante sobre o anúncio de Starmer. Os especialistas discordam categoricamente.

“Estão contando uma grande mentira. O Hamas não quer a recriação de uma Autoridade Palestina capaz. Na verdade, é uma ameaça para eles”, diz Védrine, ministro no gabinete de Lionel Jospin (1997-2002).

“Se isso ajuda alguém, ajuda a Autoridade Palestina”, afirma Vaïsse.

Em carta anunciando sua decisão, endereçada de próprio punho ao “caro Mahmoud Abbas”, presidente da Autoridade Palestina, Macron defende um cessar-fogo em Gaza, o desarmamento do Hamas, a libertação dos reféns ainda em poder do grupo e “a consolidação da Autoridade Palestina no conjunto dos territórios palestinos”.

Para os três especialistas, a decisão de Macron é um retorno à tradição da diplomacia francesa no Oriente Médio. “Já em 1967, o general [Charles] de Gaulle [então presidente] havia estabelecido as condições de um acordo: a evacuação por Israel dos territórios ocupados, em troca do reconhecimento pelos países árabes”, explica Laurens.

Para Védrine, “é muito mais que uma tradição”. Ele acompanhava François Mitterrand como jovem assessor em 1982, quando o então presidente francês foi o primeiro a falar de um Estado palestino no Knesset, o Parlamento de Israel. Essa posição, agora retomada por Macron, tinha “desaparecido quase por completo” na última década, segundo o ex-ministro, devido ao temor de associação com o antissemitismo.

A França, lembra Vaïsse, pode ser o primeiro membro do G7, fórum de países desenvolvidos, a reconhecer a Palestina -isto se o Reino Unido não o fizer antes, como Starmer deu a entender que faria. O Fórum de Paris sobre a Paz, que Vaïsse dirige, realizou em junho, na capital francesa, uma cúpula com 300 representantes das sociedades civis francesa e palestina. Eles entregaram uma carta ao chanceler francês, Jean-Noël Barrot, com um apelo em favor da solução de dois Estados.

Para Vaïsse, existe “uma maioria silenciosa dos dois lados”, israelense e palestino, em favor da paz. O professor Laurens não é tão otimista. “Há uma radicalização extremamente forte da opinião pública israelense, embora haja gente admirável, como o [jornal] Haaretz ou a B’Tselem”, diz, referindo-se ao jornal israelense de oposição e a uma entidade que documenta relatos de violações de direitos humanos por Israel -e que, na segunda-feira (28), acusou Tel Aviv de genocídio.

A França organizou, junto com a Arábia Saudita, uma conferência internacional em Nova York para discutir a solução de dois Estados. Para os especialistas ouvidos pela reportagem, os sauditas podem desempenhar um papel relevante na solução do conflito. “É o país que mais defende a causa palestina” no mundo árabe, explica Vaïsse.

Védrine propõe uma solução “completamente nova”: combinar a abordagem de Macron, reconhecendo a Palestina, com os Acordos de Abraão, processo de normalização gradual das relações entre Israel e os países árabes, interrompido pela guerra em Gaza. O presidente dos EUA, Donald Trump, estuda a retomada desse processo.

Netanyahu contava com os acordos para isolar os palestinos. As imagens de crianças morrendo de fome em Gaza, porém, afirma Laurens, revoltaram a opinião pública árabe em geral, e a saudita em particular.

Védrine conclui: “Se Trump quiser relançar os acordos, precisa da Arábia Saudita. A grande pergunta é: os sauditas ousarão pedir a Trump que se dê um papel aos palestinos?”

Para Laurens, a solução pode levar décadas, ou até séculos. Ele faz uma analogia com processos históricos envolvendo outros povos, como irlandeses, armênios ou os povos nativos americanos. “Cada vez mais vivemos passados dolorosos no presente. Não vão fazer os palestinos desaparecer completamente, eles continuarão existindo.”

O Brasil também pode desempenhar um papel, ainda que simbólico, segundo os entrevistados pela Folha. O Itamaraty prega a ampliação e fortalecimento do Conselho de Segurança da ONU e anunciou na semana passada a adesão ao processo da África do Sul contra Israel junto à Corte Internacional de Justiça.

“É um dos grandes países do mundo, é importante que diga coisas”, afirma Védrine. Por considerar o conflito Palestina-Israel o único a ter “uma dimensão global”, Laurens considera legítima a atuação dos países do chamado “Sul Global”. Justin Vaïsse é mais cético sobre o papel do Brasil, por ser visto como estando muito de um dos lados do conflito.

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Folhapress | 18:23 – 29/07/2025



Fonte. :. Noticias ao minuto

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