Pop-ups pelo mundo, uma linha de condimentos para cozinhar em casa e, mais recentemente, um serviço de assinatura de café especial. O Noma, eleito por cinco vezes o melhor restaurante do mundo, ampliou sua atuação para além da cozinha.
“Estamos prontos para uma nova fase, em que o restaurante se transforma em uma marca maior, abrangendo outros conceitos”, diz à Folha o chef René Redzepi, que em 2023 anunciou o fechamento da casa, uma das mais influentes da atualidade no meio —que, por ora, segue funcionando.
A expansão a que se refere já havia começado em 2017, com a ideia de levar o restaurante, localizado na zona industrial de Refshaleøen, capital dinamarquesa, a outras paragens, como México, e mais recentemente, Japão, em pop-ups que acontecem por temporadas —com lugares que se esgotam rapidamente.
Em 2022, ampliou a atuação para uma marca batizada de Noma Projects, com uma dezena de produtos à venda para todo o mundo (ainda sem entregas para o Brasil), que vão de molhos picantes de milho com yuzu a um vinagre envelhecido de abóbora.
Há dois meses, o restaurante lançou um modelo de assinatura mensal de cafés, em que 700 consumidores recebem pacotes de cafés escolhidos pelo Noma —a um custo de cerca de R$ 400, com duas embalagens de 250 g, mais portes.
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O projeto, batizado de Noma Kaffe, tem a barista de origem brasileira Carolyne Lane como curadora e quer levar a experiência do restaurante para a casa dos clientes. “Sempre operamos com as portas fechadas: para jantar no Noma, é preciso reserva. O café permite abrir essa porta”, diz ela.
E, claro, diversificar as fontes de receita, algo que se tornou mais urgente e crescente desde a pandemia da Covid-19, quando restaurantes precisaram buscar saídas criativas para lidar com o fechamento forçado.
Em um mercado desafiador e com margens de lucro cada vez menores, também, projetos como a do Noma Kaffe têm sido fundamentais para garantir longevidade e maior sustentabilidade financeira para os restaurantes, em um movimento que tem se espalhado pelo mundo.
São iniciativas como a do El Bulli, que transformou o espaço do premiado restaurante comandado por Ferran Adrià em Roses, na Catalunha, em um museu aberto a visitas (a R$ 175), ou a do também espanhol El Celler de Can Roca, que usou sua marca recentemente para criar o Roca Awards, um prêmio de literatura gastronômica internacional.
“Os restaurantes precisam ser criativos. Está cada vez mais difícil depender apenas de abrir cinco dias por semana”, afirma Redzepi, que neste final de semana retoma na capital dinamarquesa seu Mad Symposium, um dos mais importantes eventos de gastronomia do mundo, após um hiato de sete anos.
No Brasil, o Tuju, restaurante comandado pelo chef Ivan Ralston e a diretora de pesquisa Katherina Cordás, criou uma série de cursos e workshops fomentar o conhecimento na área.
De aulas que abordam a fome e as contradições da alimentação brasileira (ministrada pela historiadora Adriana Salay) a workshops sobre manipulação correta de peixes, as formações são organizadas pelo Tuju Pesquisa, o centro de criatividade do restaurante, e são abertas mediante inscrição e pagamento de uma taxa (que subsidia os custos).
“Os restaurantes, especialmente aqueles que alcançam certa projeção, têm a responsabilidade de compartilhar conhecimento —primeiro com sua própria equipe, mas também com a sociedade como um todo”, afirma Cordás.
Não é apenas uma questão de ampliar receitas, mas também de construir reputação.
“Em tempos em que chefs se transformaram em celebridades apresentando programas e fazendo propagandas de produtos, os restaurantes parecem seguir caminhos semelhantes”, diz Nidal Barake, da consultoria Gluttonomy, em Miami, que trabalha justamente em ajudar a criar marcas gastronômicas.
Barake cita, por exemplo, o chef David Chang, do grupo Momofuku, que já fechou grande parte dos seus restaurantes nos Estados Unidos e está focado hoje em desenvolver produtos alimentares. “Eles começaram com um nicho mais sofisticado, mais específico, mas hoje os produtos da Momofuku já estão disponíveis em várias redes de supermercados”, explica.
Antes mesmo de inaugurar o projeto À Brasileira (previsto para fevereiro do ano que vem), a chef Janaína Torres, do Bar da Dona Onça, já vislumbra um novo formato para o restaurante que quer conceber. A localização física, em São Paulo, não será um obstáculo para levá-lo a outras cidades do Brasil.
“Quero criar encontros e experiências em que as pessoas possam se divertir. E, com isso, possamos fazer o que mais sabemos: servir comida. E tem que ser uma nova fonte de renda”, diz ela.
A proposta é percorrer diferentes regiões do país, criando espaços para reproduzir receitas e interpretações de técnicas locais, sempre em parceria com produtores e ingredientes de cada lugar. A ideia, explica a chef, é mostrar um Brasil popular e ainda desconhecido para muitos.
“Através da comida, quero falar de geografia, história, meio ambiente, desenvolvimento criativo e econômico —e oferecer uma comida acessível a quem não pode nos visitar”, explica. “Não quero deixar de ser um restaurante, mas acredito que ele precisa ser livre”, conclui.
Fonte.:Folha de São Paulo