
A palavra do ano de 2025, segundo o dicionário Oxford, foi rage bait ou, traduzindo, “isca de raiva”. Ela designa a prática de provocar indignação para ganhar engajamento nas redes. Mas, longe dos holofotes das brigas digitais, outro termo avançou na rotina das pessoas e, discretamente, também foi parar no pódio da Oxford: biohacking.
Segundo a universidade, biohack é a ideia de “otimizar” o corpo e a mente, seja para emagrecer, ganhar músculos, viver mais ou simplesmente render melhor em exercícios. Certamente, a palavra ajuda a explicar muitos dos movimentos que marcaram a saúde em 2025.
Entre o impacto das “canetas emagrecedoras” e o boom no uso de hormônios, o ano foi intenso para a área do bem-estar, mas marcado também por novas vacinas, terapias inéditas e debates globais sobre clima e saúde. A seguir, confira uma retrospectiva com 11 fatos que ajudam a contar como a saúde mudou e foi tensionada este ano.
1. O ano das canetas “emagrecedoras”
2025 consolidou de vez a era dos medicamentos análogos de GLP-1 e outros hormônios intestinais para tratamento da obesidade e do diabetes tipo 2. Essa classe inclui fármacos como a semaglutida, princípio ativo do Ozempic e do Wegovy, e revolucionou os métodos para controle da glicose e do peso.
Este ano, as novidades foram além. Estudos apresentados ao longo de 2025, incluindo dados discutidos no Congresso da Associação Europeia para o Estudo do Diabetes (EASD), reforçaram a ideia de que essas drogas contribuem para a redução de risco cardiovascular, incluindo a versão oral diária de semaglutida, comercializada sob o nome Rybelsus.
Outra virada importante foi a chegada da tirzepatida (substância presente no Mounjaro). O medicamento combina uma ação semelhante a de dois hormônios — GLP-1 e GIP — enquanto as gerações anteriores atuavam como apenas em um deles.
Em comparação, estudos mostraram que a tirzepatida apresenta probabilidade de redução de peso até 25% maior que a da semaglutida. O sucesso, porém, também alimentou o lado menos virtuoso do biohack: uso fora da indicação, somente para fins estéticos, versões falsificadas e promessas milagrosas.
Para completar a lista, o ano também foi marcado pelo avanço dos análogos de GLP-1 em pílulas, como o orforglipron. A possibilidade de abandonar as injeções semanais animou pacientes e médicos, sinalizando um tratamento mais acessível.
O futuro promete ainda mais novidades, como a chegada da retatrutida. A nova molécula, ainda em fase de testes, estimula receptores de três hormônios diferentes (GIP, GLP-1 e glucagon) e pode levar a uma redução de até 28,7% do peso corporal.
O remédio ainda está sendo estudado e não está aprovado no Brasil, mas os resultados já indicam que o próximo ano será marcado por avanços surpreendentes.
2. Aumento do uso indevido de hormônios
Aqui, o biohacking pode ter chegado a um lugar perigoso. Dados do Google Trends adquiridos com exclusividade por VEJA SAÚDE mostraram que houve uma escalada de 110% nas buscas por “reposição de testosterona” nos últimos cinco anos. Em outubro 2025, a plataforma também contabilizou o maior interesse no tema já registrado nas últimas duas décadas. Fora das telas, segundo a Anvisa, as vendas de esteroides à base do hormônio cresceram 670% entre 2019 e 2024.
O fenômeno foi impulsionado por discursos que associam testosterona à solução para diversos problemas, como cansaço e baixa libido, além da clássica recomendação para fins estéticos. As indicações, porém, não possuem respaldo científico.
Especialmente entre as mulheres, também avançaram os chamados “chips hormonais” ou “chips da beleza“, vendidos como atalhos para ganhar mais energia e músculos.
Entidades médicas reagiram ao movimento, lembrando que não existe “testosterona baixa” em mulheres e que a reposição desse hormônio possui indicação restrita a um único quadro, chamado hipogonadismo, que pode acometer alguns homens. Fora desse contexto, o uso aumenta riscos cardiovasculares, hepáticos, comportamentais e compromete a fertilidade.
3. A crise do metanol
No fim de setembro de 2025, uma sequência de casos de intoxicação por metanol no estado de São Paulo ligou um alerta nacional. Em poucas semanas, ocorrências também surgiram em outros estados, associadas principalmente ao consumo de bebidas alcoólicas falsificadas.
Ao todo, entre 26 de setembro e 5 de dezembro, o Ministério da Saúde registrou 890 notificações relacionadas à intoxicação por metanol, das quais 73 casos foram confirmados. Até então, o número oficial de mortes chegava a 22, distribuídas entre São Paulo, Paraná, Pernambuco, Bahia e Mato Grosso.
Diante do avanço, o governo federal criou uma Sala de Situação para monitorar o cenário, encerrada em dezembro após queda dos registros.
Outros óbitos ocorridos no período ainda seguem sob investigação. Na última quarta-feira (18), por exemplo, o total de mortes confirmadas no país subiu para 23, após a comprovação da causa de um falecimento em São Bernardo do Campo, no ABC paulista.
4. Avanços na pesquisa da vacina contra o câncer
O ano também foi de boas notícias. Ao longo dos meses, ganharam destaque estudos com vacinas terapêuticas contra o câncer, que buscam treinar o sistema imunológico para reconhecer e atacar tumores.
Pesquisas com nanovacinas avançaram ao usar partículas microscópicas para apresentar ao organismo informações sobre tumores que estão no corpo do paciente, permitindo uma resposta mais direcionada. Apesar dos desafios, os resultados foram considerados promissores.
O ano também trouxe dados animadores sobre uma vacina considerada “universal”, baseada em RNA, que não depende de antígenos específicos de cada câncer. Um estudo publicado na Nature Biomedical Engineering mostrou, em animais, potencial para amplificar o poder da imunoterapia e eliminar tumores resistentes. Os dados ainda são preliminares, mas consolidam o campo como uma das frentes mais relevantes da oncologia atual.
5. A morte de Preta Gil e o alerta sobre câncer colorretal
A cantora Preta Gil faleceu em 2025, após um longo tratamento contra um câncer colorretal. Diagnosticada em janeiro de 2023, aos 48 anos, a artista tornou pública sua trajetória com a doença e ajudou a ampliar o debate sobre esse tipo de câncer.
Com o caso, hospitais especializados relataram aumento na procura por colonoscopias, exame padrão-ouro para prevenção e diagnóstico precoce da doença.
A atenção também se justifica porque, nos últimos anos, houve uma mudança no perfil epidemiológico do câncer colorretal, com crescimento entre adultos com menos de 50 anos. Por exemplo, uma análise publicada em 2025 na revista The Lancet apontou aumento das taxas da doença em jovens de 27 países.
As causas associadas a esse cenário envolvem principalmente mudanças no estilo de vida. A chamada “dieta ocidental”, caracterizada pelo elevado consumo de carnes processadas e alimentos ultraprocessados, ingestão excessiva de bebidas açucaradas e baixa ingestão de fibras, aliada ao sedentarismo e à obesidade, constitui o principal conjunto de fatores de risco.
6. Primeira terapia genética personalizada
Pela primeira vez na história do mundo, uma criança foi tratada com um procedimento totalmente personalizado de edição do DNA. O bebê que recebeu a terapia inédita, conhecido como KJ Muldoon, entrou para a lista das dez personalidades que moldaram a ciência em 2025, segundo a revista Nature.
A criança nasceu com deficiência na enzima CPS1, doença genética rara que impede a eliminação adequada da amônia no organismo e está associada a alta mortalidade nos primeiros meses de vida.
Como os tratamentos disponíveis são limitados e não atuam sobre a causa genética da doença, a equipe optou por desenvolver uma intervenção direcionada especificamente à mutação identificada no paciente.
E funcionou! O procedimento se baseia numa tecnologia recente, que inclusive rendeu um Prêmio Nobel, o Crispr. Após as aplicações, o bebê apresentou melhora clínica e redução da dependência dos medicamentos tradicionais.
7. Novas vacinas contra bronquiolite e gripe
Em 2025, o Ministério da Saúde anunciou a compra de 1,8 milhão de doses da vacina contra o vírus sincicial respiratório (VSR), principal causador da bronquiolite em bebês. Destinada a gestantes no SUS, a vacina passou a integrar o calendário nacional, com meta de cobertura de 80%.Até então, o imunizante estava disponível apenas na rede privada, a custos elevados.
No mesmo ano, a Anvisa autorizou ensaios clínicos em humanos da vacina contra a gripe aviária do Instituto Butantan. O passo é considerado muito importante, especialmente diante do risco de adaptação do vírus para transmissão entre pessoas, cenário que poderia levar a uma nova pandemia.
8. Primeira vacina da dengue 100% brasileira
E por falar em vacinas e em Anvisa, o ano também teve mais um marco histórico no quesito imunização. Após um longo período de testes e análises, a autarquia aprovou o uso no Brasil da vacina contra a dengue desenvolvida pelo Instituto Butantan, o primeiro imunizante do mundo em dose única contra a doença.
A decisão abre caminho para a incorporação da vacina ao Programa Nacional de Imunizações (PNI), com distribuição gratuita pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Ainda em 2025, o Instituto Butantan iniciou a produção antecipada de 1,3 milhão de unidades para fornecimento ao Ministério da Saúde assim que houvesse a aprovação regulatória.
Por ora, as primeiras doses serão aplicadas nos trabalhadores da saúde e devem ser disponibilizadas até o final de janeiro. Além disso, a previsão anunciada em coletiva de imprensa é de que serão entregues de mais 30 milhões de doses ao longo de 2026.
9. COP 30 e o destaque da Saúde
A COP30, realizada em Belém (PA), trouxe um maior protagonismo à saúde humana nas discussões sobre mudanças climáticas. Pela primeira vez, dentro da programação, foi realizado o Dia da Saúde como uma data oficial e permanente.
A ação reuniu governos, especialistas e instituições para debater como eventos extremos, aquecimento global e degradação ambiental afetam diretamente o bem-estar das populações.
Como país anfitrião, o Brasil apresentou o Plano de Ação em Saúde de Belém, focado em vigilância, preparação dos serviços e incentivo à pesquisa. Ainda, instituições como Fiocruz e Einstein Hospital Israelita lançaram iniciativas para integrar dados climáticos e sanitários.
A agenda também ganhou as ruas com a Marcha Global Saúde e Clima que tonificou o argumento de que a crise climática é, também, uma crise de saúde pública.
10. Anvisa aprova primeiro medicamento para Alzheimer em estágio inicial
Em 2025, o Brasil aprovou o donanemabe, primeiro medicamento com potencial de interferir na causa do Alzheimer. Indicado para pessoas com comprometimento cognitivo leve ou demência inicial, o remédio usa um anticorpo monoclonal para reduzir o acúmulo de placas beta-amiloide no cérebro.
Desse modo, ele atua impedindo a destruição dos neurônios que leva ao colapso cognitivo. Estudos mostram que a droga pode retardar a progressão da doença em até 35%. De uso intravenoso mensal, o tratamento exige confirmação diagnóstica por exame de líquor e monitoramento médico devido a possíveis efeitos adversos.
11. Negacionismo em saúde avança nos EUA
A nomeação de Robert F. Kennedy Jr. como secretário da Saúde dos Estados Unidos levou posições negacionistas ao centro do poder no país. Conhecido por críticas às vacinas, ele passou a comandar um orçamento federal de US$ 1,7 trilhão destinado às ações de saúde.
Ao longo do ano, decisões chamaram atenção, como a retirada da recomendação da vacina tetraviral para crianças pequenas e alterações no site do CDC que insinuaram ligações entre vacinas e autismo.
O debate se intensificou após declarações de Donald Trump associando o consumo de paracetamol na gravidez ao autismo, afirmação que também não possui evidências científicas conclusivas. Sejam elas “rage bait” ou não, ao longo do ano, especialistas alertaram para o risco dessas narrativas em um cenário de queda da cobertura vacinal e retorno de doenças evitáveis.
Fonte.:Saúde Abril


