12:52 PM
31 de outubro de 2025

RJ: disputa territorial ajudam a explicar violência – 31/10/2025 – Cotidiano

RJ: disputa territorial ajudam a explicar violência – 31/10/2025 – Cotidiano

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A disputa territorial entre diferentes grupos criminosos no Rio de Janeiro ajuda a explicar porque o estado costuma registrar ações violentas e confrontos entre essas facções e a polícia, de acordo com especialistas ouvidos pela reportagem.

A operação Contenção, realizada na terça (28) contra o Comando Vermelho, se tornou a ação policial mais letal da história brasileira, com mais de 120 mortos. Fatores como a política local, as particularidades do ecossistema criminal e a corrupção no estado podem explicar as diferenças entre as cenas vistas na capital fluminense e as ações em São Paulo, segundo quem analisa o tema.

O Rio tem no Comando Vermelho um dos principais grupos criminosos em atividade, seguido por milícias e o TCP (Terceiro Comando Puro), além da ADA (Amigos dos Amigos).

O conjunto das áreas sob domínio de grupos armados chega a 20% do Grande Rio, segundo mapa desenvolvido pelo Instituto Fogo Cruzado e o Geni (Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos), da UFF (Universidade Federal Fluminense). Essa configuração pode favorecer a evidência dos conflitos, diferentemente do que ocorre em São Paulo, onde há um monopólio aparente do PCC (Primeiro Comando da Capital).

O Comando Vermelho, facção mais antiga no Rio, também teria mais histórico de enfrentamento com a polícia. “O CV tem uma lógica mais belicista e mais belicosa, é a facção que historicamente mais entra em confronto com a PM. Isso tem mudado, mas o TCP não é uma facção tanto de enfrentamento”, diz o coordenador de pesquisa da Rede de Observatórios da Segurança do CESeC (Centro de Estudos de Segurança e Cidadania), Jonas Pacheco.

Apesar disso, ele afirma que existem outras formas para o poder público enfrentar a facção.

Diretora-executiva do Instituto Fogo Cruzado, Cecília Olliveira, diz que esse modelo de enfrentamento pelo confronto é usada há décadas no Rio, mas nunca impediu o crescimento das áreas dominadas. “O que observamos é a expansão das disputas violentas pelo controle urbano, que mobiliza mercados ilegais de drogas, armas, serviços e domínio territorial com cobrança de taxas. Essa dinâmica envolve também corrupção de instituições públicas, é claro.”

Após as operações, geralmente as reorganizações de força aumentam a tensão e violência, diz Pacheco, do CeSec, “em uma tentativa de tomada de território por outras facções.” Isso ocorreu, ele diz, após a morte de Wellington da Silva Braga, o Ecko, em 2021, e uma disputa pelo espólio do miliciano, responsável pela expansão deste tipo de grupo criminoso pelo estado, especialmente na Baixada Fluminense.

“Sob o governador Cláudio Castro ocorreram três grandes chacinas em área do Comando Vermelho, uma com 28 mortos no Jacarezinho, em 2021, outra com 24 mortos em 2022 e agora essa de 121 mortos na terça. Ainda assim, em 2022 e 2023, o CV assumiu o posto de grupo armado que controla mais localidades na região metropolitana”, diz Cecilia.

A ampliação do poder bélico de grupos como o Comando Vermelho é uma realidade que exige mais articulação do Estado, diz ela. “Do que adianta apreender quase cem fuzis quando a gente sabe que apenas com um CAC o Comando Vermelho gastava R$1,6 milhão por mês?”

Para a professora do mestrado em segurança pública da UFF (Universidade Federal Fluminense) Jacqueline Muniz, a própria organização dos grupos políticos no Rio de Janeiro e em São Paulo ao longo da história recente ajudam a explicar como funcionam as facções.

“No Rio você tem vários grupos políticos que disputam territórios, campos de influência eleitoreira, currais eleitorais, desde o Estado Novo para cá. Quem organizou o tráfico de drogas no Rio pagou pedágio para o jogo do bicho, os de território e consorciados com atores estatais desde a década de 1940.”

O estado guarda uma particularidade de ter muitas disputas internas, que se refletem nos territórios, segundo a professora, diferentemente de São Paulo. “Aqui [no Rio] há várias facções porque existem várias facções políticas. Em São Paulo, você tem uma facção política e uma facção criminosa.”

Como a política paulista tem grupos políticos que mantêm uma coesão interna há décadas, o crime também se organizou dessa maneira, diz Muniz. “Em São Paulo você tem unidade de propósitos, em termos políticos eleitoreiros e tem unidade no crime. Diz-se que São Paulo é a locomotiva do país, o mundo do empreendedorismo, das entradas e bandeiras. Da mesma maneira pensa o PCC. Eles se acham capitalistas abrindo território.”

Apesar disso, os pesquisadores afirmam que São Paulo também tem registro de operações violentas, como as operações Escudo e Verão, que deixaram mais de 80 mortos na Baixada Santista.

“São Paulo experimentou também operações desastrosas em termos de troca de tiro e enfrentamento. É uma mudança dos últimos anos”, diz Pacheco.

Mais do que a preocupação com segurança, a mobilização de governadores após a operação, segundo os especialistas, mostra que o saldo político é a prioridade para estes atores, especialmente com o ano eleitoral à vista.

“A polícia de São Paulo entra e sai de qualquer lugar e a polícia do Rio entra e sai de qualquer lugar há 40 anos. Já entrou mil vezes no Alemão, já saiu. A presença do Estado é negociada”, diz Muniz. “Faz-se a guerra para vender a paz da propina, a paz do arrego.”



Fonte.:Folha de S.Paulo

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