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- Author, Myles Burke
- Role, BBC Culture*
Há 43 anos a BBC noticiava a morte de Roberto Calvi, um banqueiro italiano cujo corpo foi encontrado em circunstâncias estranhas no centro de Londres. Seu banco tinha ligações com o Vaticano, com um grupo maçônico e com a máfia, e seu assassinato deixou muitas perguntas sem respostas.
Roberto Calvi era presidente do prestigiado Banco Ambrosiano, o maior banco privado da Itália. Seu vínculo com a Igreja Católica era tão estreito que ele ficou conhecido como “o banqueiro de Deus”.
Mas, no dia 18 de junho de 1982, Calvi, 62 anos, foi encontrado morto, enforcado embaixo da ponte de Blackfriars, no centro de Londres.
“Calvi estava no centro de uma rede incrivelmente complexa de fraudes e intrigas internacionais”, informou Hugh Scully, da BBC.
‘Envolvia o sistema bancário italiano, a máfia, a maçonaria e, acima de tudo, o Vaticano.”
Circunstâncias estranhas

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Calvi estava desaparecido havia nove dias quando foi encontrado enforcado em um andaime instalado embaixo de uma ponte sobre o rio Tâmisa, em Londres.
As circunstâncias estranhas de sua morte deixaram a polícia britânica desconfiada.
Seus bolsos estavam cheios de tijolos, e ele carregava cerca de US$ 14 mil (R$ 77 mil na conversão atual) em dinheiro, em diferentes moedas.
Além disso, portava um passaporte falso com o nome de Gian Roberto Calvini.
Apesar disso, o laudo forense inicial, de julho de 1982, não encontrou sinais em seu corpo que sugeriam um crime. A conclusão oficial foi de que o banqueiro tinha tirado a própria vida.
Mas, já naquele momento, existia a suspeita de que algo muito mais sombrio estava por trás de sua morte.
“A última viagem de Calvi não foi a de um homem que pensava em se matar”, afirmou Scully. “Na verdade, ele montou um plano bem elaborado para sair da Itália em segredo.”
O banqueiro tirou o bigode para não ser reconhecido e disfarçou sua rota de saída da Itália, passando primeiro por outros países e contratando um avião particular para levá-lo a Londres.
“Ele tinha um contrato de aluguel por um mês em um apartamento em Chelsea, um passaporte falso e uma passagem aérea”, disse Scully.
Dentro do passaporte havia um visto válido para o Brasil e a passagem era só de ida para o Rio de Janeiro.
Por que alguém planejaria ir para tão longe para terminar enforcado embaixo da ponte de Blackfriars?

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A morte de Calvi não foi a única no Banco Ambrosiano. Um dia antes de encontrarem seu corpo, sua secretária pessoal, Teresa Corrocher, aparentemente se jogou do quarto andar da sede do banco, em Milão.
Ela deixou um bilhete condenando seu chefe, dizendo que ele deveria ser “castigado duas vezes pelo dano causado ao banco e a todos os seus funcionários.”
Calvi e seu banco operavam em um mundo sombrio, em que finanças, crime organizado, política e religião se sobrepunham.
Fundado em 1896, o Banco Ambrosiano tinha uma longa relação com a Igreja Católica, e o Instituto para as Obras de Religião (IOR), mais conhecido como o banco do Vaticano, tinha se tornado seu principal acionista.
O IOR administra as contas bancárias do papa e do clero, além dos investimentos financeiros da igreja. Como o Vaticano é um Estado soberano, os reguladores italianos não têm controle nem supervisão sobre o IOR.

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“O Vaticano está completamente livre de controles cambiais e outras regulamentações governamentais; o segredo é tudo”, disse Scully.
O Vaticano não tinha que prestar contas a ninguém das suas operações financeiras, e enormes somas de dinheiro podiam ser enviadas a qualquer parte do mundo sem que ninguém soubesse, exceto os diretamente envolvidos.
Como chefe do Banco Ambrosiano, Calvi construiu laços estreitos com seu homólogo no IOR, o arcebispo Paul Marcinkus.
Esse sacerdote americano, por sua vez, tinha conexões financeiras e sócios que levantavam muitas suspeitas.
“O mais conhecido era Michele Sindona, um banqueiro com conexões com a máfia, condenado a 25 anos de prisão por fraude nos EUA”, disse Scully.
Sindona, conhecido nos círculos bancários como “o tubarão”, seria posteriormente transferido para uma prisão na Itália, onde morreria em 1986, após beber café contaminado com cianeto.

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Sindona teve Calvi como mentor em sua carreira bancária desde o final dos anos 60, e ambos pertenciam a uma obscura loja maçônica chamada Propaganda Dois (P2).
O grupo estava vinculado a organizações de extrema direita e era dirigido pelo multimilionário e famoso fascista italiano Licio Gelli. Entre seus membros estavam figuras de destaque do âmbito militar, político, empresarial e do jornalismo.
Um jornalista italiano, o conde Paolo Filo della Torre, disse à BBC em 1982 que, embora a P2 fosse teoricamente uma loja maçônica, “na prática era algo muito associado à máfia e a todo o tipo de negócios sujos”.
Em março de 1981, a polícia italiana invadiu os escritórios de Gelli e descobriu uma lista com centenas de supostos membros da P2, incluindo políticos, oficiais militares, e o magnata da mídia e futuro primeiro-ministro Silvio Berlusconi.
A revelação provou um escândalo político. O primeiro-ministro italiano, Arnaldo Forlani, e todo o seu gabinete renunciaram, um chefe da polícia se matou com um tiro, e um ex-ministro foi transferido em caráter de urgência para o hospital após sofrer com uma overdose.
As operações policiais conseguiram achar documentos comprometedores que implicavam Calvi em práticas fraudulentas e operações ilegais em alto mar.
Em maio de 1981, o banqueiro foi preso e declarado culpado por violações monetárias. Foi condenado a quatro anos de prisão, mas foi libertado sob fiança enquanto aguardava um recurso.
Calvi aproveitou a oportunidade para sair do país com uma maleta cheia de documentos sobre as atividades ilícitas do Banco Ambrosiano. Poucos dias depois de sua chegada a Londres, seu banco quebrou, deixando enormes dívidas para trás.
Dinheiro desaparecido

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“Antes de Roberto Calvi desaparecer, os investigadores descobriram que faltavam US$ 1,5 bilhão do seu banco”, disse Scully.
“Acredita-se que esse dinheiro foi enviado ao exterior através do Banco do Vaticano, que evita os controles cambiais italianos. Parte desse dinheiro foi enviado a países sul-americanos com baixos juros, conforme determinação da Igreja Católica. O restante foi investido em empresas de fachada em Luxemburgo e na América do Sul, regressando à Europa para comprar ações de Calvi no Banco Ambrosiano.”
Marcinkus também foi procurado para ser interrogado, mas recebeu imunidade por ser funcionário do Vaticano e sempre declarou inocência em relação a qualquer irregularidade.
O Vaticano nunca admitiu responsabilidade legal pelo colapso do Banco Ambrosiano, mas, em 1984, disse que tinha uma responsabilidade moral pelo fracasso e fez uma contribuição voluntária de US$ 406 milhões (mais de R$ 2 bilhões na conversão atual) aos credores do banco.
Os investigadores acreditavam que as empresas de fachada criadas por Calvi tinham sido utilizadas para movimentar dinheiro tanto para apoiar atividades políticas secretas em outros países quanto para lavar dinheiro para clientes, como a máfia.
“As investigações policiais sobre os negócios de Calvi ameaçavam muitas pessoas poderosas na Itália e alguns acreditam que isso se tornou um motivo para o seu assassinato”, afirmou Scully.

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Filo della Torre, que conhecia Calvi, disse à BBC, em 1982, que o banqueiro tinha sido assassinado e que o fato de seu corpo ter sido abandonado sob a ponte de Blackfriars tinha um simbolismo maçônico.
Ele afirmou que os membros do P2 vestiam túnicas pretas em suas reuniões e se referiam a si mesmos como frati neri, que significa “freis negros”.
A família de Calvi também se negou a aceitar a conclusão de suicídio, que foi revogada em 1983 quando uma segunda investigação emitiu um veredito inconclusivo sobre a morte.
Mas sua família, incluindo sua viúva, Clara Calvi, manteve a pressão sobre a polícia e contratou investigadores particulares e especialistas forenses para investigar a morte do banqueiro.
Depois que o corpo de Calvi foi exumado, em 1998, novas provas foram obtidas contra a hipótese de suicídio.
As análises forenses demonstraram que as lesões no pescoço não eram compatíveis com uma morte por enforcamento e que as mãos de Calvi nunca tocaram os tijolos encontrados em seus bolsos. Em outubro de 2002, os juízes italianos concluíram que o banqueiro havia sido assassinado.
A polícia italiana abriu uma investigação e, em outubro de 2005, cinco pessoas foram acusadas em Roma pelo assassinato de Calvi.
O promotor Luca Tescaroli argumentou que o banqueiro foi assassinado por roubar o dinheiro da máfia para benefício próprio, e que Calvi planejava chantagear figuras influentes, incluindo políticos.
Em junho de 2007, depois de um julgamento que durou 20 meses, o banqueiro Flavio Carboni, sua ex-namorada Manuela Kleinszig, o empresário Ernesto Diotallevi, o guarda-costas e motorista de Calvi, Silvano Vitor, e o tesoureiro da Cosa Nostra, Pippo Calo — que cumpria duas penas de prisão perpétua por crimes da máfia — foram absolvidos de qualquer envolvimento na morte de Calvi.
Até hoje ainda se especula sobre quem ordenou e executou o assassinato do banqueiro italiano. Ninguém nunca foi condenado.
*Essa é uma adaptação em inglês de uma história publicada originalmente pela BBC Culture. Para ler em inglês, clique aqui..
Fonte.:BBC NEWS BRASIL