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- Author, Francis Hassard
- Role, BBC Future
Quando a maioria de nós entra no chuveiro, a nossa expectativa é de ficarmos limpos.
Parece razoável. Afinal, a água quente, o vapor e o sabonete deveriam trazer à tona uma nova versão nossa, renovados e cheirosos.
A última coisa que se espera é uma nuvem de bactérias explodindo no nosso rosto. Mas é exatamente o que acontece quando abrimos o chuveiro.
Ao longo da noite, um filme vivo de bactérias se acumula dentro da tubulação. E parte desses micróbios pega carona nas gotículas criadas pelo seu chuveiro.
Ou seja, o primeiro jato que você recebe pela manhã não é composto apenas de água e vapor.
A maioria dessas bactérias é comum e inofensiva. Mas a combinação exata de micróbios depende do material da mangueira utilizada para o chuveirinho e da frequência de uso do seu chuveiro. E é aqui que começam a surgir surpresas.
Depois que você termina de tomar banho, a mangueira permanece quente, úmida e imóvel por horas a fio. Seu formato longo e estreito fornece uma ampla superfície áspera, que será colonizada pelos micróbios.
Depois de estabelecidas, as bactérias se alimentam dos nutrientes dissolvidos na água e das minúsculas quantidades de carbono que vazam da mangueira de plástico. Por isso, se o sistema ficar estagnado por uma noite, as comunidades de micróbios se estabelecerão rapidamente.
As bactérias formam biofilmes, que são viscosas “cidades” microbianas microscópicas que se aderem a quase qualquer superfície úmida, desde os cascos dos navios até a placa bacteriana dos seus dentes. Os fragmentos de biofilme são, então facilmente agitados no chuveiro quando você abre o registro.
Mas de quantas bactérias estamos falando?
A maioria delas é inofensiva, mas existem grupos que incluem as micobactérias — um conjunto diverso, composto de micróbios encontrados em muitos lugares, como o solo, e algumas linhagens patogênicas, como as responsáveis pela tuberculose e pela hanseníase.
Mas pesquisadores que examinaram amostras de mangueiras de chuveiros domésticos no Reino Unido também encontraram DNA de fungos como Exophiala, Fusarium e Malassezia.
Este elenco de personagens microbianos não é estático. Ele muda ao longo do tempo.
Em um estudo que analisou 48 unidades de chuveiros em funcionamento instalados em um laboratório na China, os pesquisadores concluíram que o biofilme que cresce no interior do cano do chuveiro atinge seu pico após cerca de quatro semanas de uso regular.
Ele, então, é reduzido, em grande parte, porque a adesão do biofilme ao cano é fraca, mas voltou a crescer após 22 semanas.
O preocupante é que os pesquisadores detectaram no chuveiro e nas mangueiras a bactéria Legionella pneumophila, que causa a doença dos legionários, em apenas quatro semanas de uso e quando o biofilme ressurgiu após um período de estagnação prolongada.

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Para a maioria das pessoas, o risco de pegar uma infecção no chuveiro é baixo, principalmente se ele for usado com frequência.
“Apenas chuveiros contaminados com Legionella e outros patógenos oportunistas apresentam riscos”, afirma o microbiólogo especializado em água potável Frederik Hammes, do Instituto Federal de Tecnologia e Ciências Aquáticas em Dübendorf, na Suíça.
“Se o chuveiro estiver contaminado especificamente com L. pneumophila, o risco de infecção é relativamente alto, devido à proximidade entre o usuário e o ponto de formação dos aerossóis.”
Mas os dados indicam que o risco é mais alto entre as pessoas clinicamente vulneráveis, segundo Hammes.
É por este motivo que os hospitais adotam rotinas mais rigorosas de desinfecção e substituição de chuveiros. E também pode depender de onde você vive.
Um estudo realizado nos Estados Unidos concluiu que as regiões onde os chuveiros continham mais micobactérias patogênicas também apresentavam índices mais altos de doença pulmonar micobacteriana não tuberculosa (MNT), um tipo de infecção pulmonar crônica.
Os locais mais sujeitos a esta infecção nos Estados Unidos incluem o Havaí, a Flórida, o sul da Califórnia e o meio Atlântico/nordeste, incluindo a região de Nova York. Alguns bolsões superiores do meio-oeste também apresentaram níveis elevados.
O clima local e os resíduos de desinfetante na água definem o microbioma dos chuveiros. Os locais mais quentes, com níveis mais altos de cloro, foram associados ao aumento de certas micobactérias patogênicas.
A composição das bactérias no seu chuveiro também pode depender da fonte da água, antes de tudo.
Casas abastecidas com água clorada tendem a abrigar mais micobactérias que as que usam água de poços ou sistemas sem cloro, como ocorre na Holanda. Isso provavelmente ocorre porque o desinfetante residual favorece os micróbios tolerantes ao cloro.
Felizmente, existem algumas medidas bastante simples que podem ser tomadas para reduzir o risco representado pelos micróbios que se reproduzem no chuveiro.
O material é importante
Em primeiro lugar, é preciso observar que, aparentemente, o material de que é feito o seu chuveiro e a mangueira causa enorme impacto sobre a quantidade e o tipo de bactérias que irão viver nele.
Em um estudo, os pesquisadores criaram dois “simuladores de chuveiros“, que foram testados todos os dias por oito meses.
Um deles tinha uma mangueira feita de PVC-P, uma forma flexível e adaptável de PVC, e a segunda mangueira era feita de PE-Xc, outro tipo de plástico.
Depois de oito meses, as duas mangueiras abrigavam um biofilme pegajoso, mas a mangueira de PVC-P continha 100 vezes mais bactérias. Isso ocorre porque algumas mangueiras alimentam mais biofilmes do que outras.
O PVC-P tende a lançar mais carbono na água que o PE-Xc, especialmente quando é novo. Esse carbono fornece mais alimento para as bactérias e também oferece uma superfície mais mole e áspera, que favorece o crescimento inicial dos biofilmes.
Um simples chuveiro com corpo de metal, feito de aço inoxidável ou latão cromado, e uma mangueira curta com forro de PE-X ou PTFE, também pode dificultar a formação de biofilmes.
Alternativamente, os chuveiros com múltiplas câmaras ou flex podem capturar a água estagnada e acumular metais provenientes da tubulação superior, permitindo o desenvolvimento das comunidades microbianas.
Já as soluções ecológicas, como os chuveiros de baixo fluxo, também podem mudar a exposição da pessoa, alterando o tamanho e a quantidade de aerossóis inspirados.

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O padrão de saída da água é importante, pois os modos de neblina produzem quase cinco vezes mais aerossóis finos do que os padrões em forma de chuva.
Uma alternativa é comprar “chuveiros antimicrobianos”, que contêm filtros ou metais, como prata, que prometem a remoção dos micro-organismos da água do chuveiro. Mas as pesquisas demonstram que a maioria dos produtos existentes no mercado faz pouco para reduzir os níveis de patógenos na água.
Após a formação de biofilme ou depósitos de minerais, o efeito é rapidamente reduzido, segundo Hammes.
“A única solução tecnológica que realmente funciona são os filtros de linha de chuveiro, mas sua manutenção é cara e eles exigem pressão de água considerável”, afirma ele.
Em testes em escala de uso, a professora de engenharia ambiental e microbiologia Sarah-Jane Haig, da Universidade de Pittsburgh, no Estado americano da Pensilvânia, e um colega demonstraram que os chuveiros “antimicrobianos” não reduziram a carga de micróbios em geral, em comparação com os modelos convencionais.
Na verdade, a maioria deles alterava quais micróbios estavam presentes, provavelmente porque os chuveiros reais oferecem muito pouco tempo de contato e, às vezes, pouco agente ativo para realmente desinfetar a água.
Haig também recomenda não usar chuveiros anunciados como “promotores da saúde”, que incluem nutrientes na água ou retiram o cloro, pois eles “podem alterar o microbioma de forma indesejada”.
Hábitos simples que funcionam
A temperatura da água também faz diferença.
A água quente produz o maior fluxo inicial de aerossóis finos inaláveis nos primeiros 1 a 2 minutos depois que o chuveiro é aberto, segundo testes comparativos de diferentes temperaturas e tipos de chuveiro.
Ou seja, a maior chance de exposição a qualquer patógeno presente no seu chuveiro ocorre nos primeiros momentos depois de ligar o registro da água quente.
Mas não se sinta obrigado a começar a tomar banho frio por conta disso. Alternativamente, verifique se você realmente deseja ficar de pé sob o chuveiro quando abrir o registro.
Manter o chuveiro aberto por 60 a 90 segundos, permitindo que a água esquente antes de entrar embaixo do chuveiro, também significa que ele está funcionando de alguma forma naquele momento, eliminando grande parte dos micróbios.
Este procedimento é particularmente aconselhável após um feriado ou qualquer intervalo longo entre um uso do chuveiro e outro.
A Legionella se prolifera sob temperaturas de cerca de 20 a 45 °C, mas é reduzida acima de cerca de 50 °C, particularmente a 60 °C. Para as pessoas que contam com sistemas de aquecimento de água por acumulação, a recomendação é manter a água a 60 °C.
Você pode usar um misturador para ajustar a temperatura do chuveiro em níveis mais confortáveis. E não é aconselhável tomar banho com água acima de 48 °C, para evitar o risco de se escaldar.
Um estudo de pesquisadores da China e da Holanda concluiu que a temperatura de 45 °C é adequada para o controle do crescimento microbiano em uma mangueira de chuveiro utilizada regularmente.
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O número de aerossóis capaz de potencialmente carregar micróbios que podem ser respirados atinge o pico em cerca de dois minutos, nos chuveiros com água quente. Eles também podem se manter por pelo menos cinco minutos depois que o chuveiro é desligado, segundo Hammes.
Um estudo de viabilidade indicou que a desumidificação e ventilação do banheiro após o banho de chuveiro pode ser uma forma eficaz de reduzir os níveis de aerossóis que contêm bactérias no ar. E Haig também encontrou resultados similares.
“Para mim e para minha família… usamos um chuveiro padrão de 6,8 litros por minuto, nada sofisticado. Sempre tomamos banho com o exaustor ligado e entramos depois que a água e o exaustor estiverem funcionando por alguns minutos.”
A frequência com que você usa o seu chuveiro também pode influenciar a quantidade de bactérias. Quanto maior a frequência de uso, menos oportunidades haverá para a estagnação da água nos canos, na mangueira e no chuveiro.
No caso do chuveirinho, os micróbios parecem se proliferar particularmente nas mangueiras que contêm água estagnada, segundo os estudos de Hammes e seus colegas.
E, surpreendentemente, uma nova mangueira nem sempre é a solução. Os biofilmes podem se tornar mais estáveis com o passar do tempo.
A fixação das bactérias em crescimento às paredes de uma mangueira de chuveiro nova tende a ser fraca. Por isso, elas são facilmente retiradas pelo primeiro jato de água, todos os dias.
Estudos realizados por pesquisadores chineses e holandeses concluíram que 62% dos micróbios emitidos quando abrimos o chuveiro vêm de uma mangueira com quatro semanas de idade.
Este número começa a cair até a 40ª semana, quando o biofilme é mais estável e a proporção de micróbios da mangueira na água diminui para 1,5%.
Após esse período, o biofilme, de fato, aumenta, mas se fixa com muito mais firmeza ao interior da mangueira. Por isso, menos bactérias são espirradas com a água durante o uso do chuveiro.
Manutenção regular é a melhor medida
A limpeza regular, fazendo correr água muito quente através do chuveiro, além de remover incrustações ou deixar o chuveiro embebido em suco de limão, pode ajudar a matar os micróbios que vivem ali e controlar o tamanho dos biofilmes.
Se alguém na sua casa for clinicamente vulnerável, considere substituir o chuveiro e a mangueira anualmente, sem depender das caras opções “antimicrobianas”.
A desinfecção secundária das fontes de abastecimento de água também pode ser importante.
Se a simples ideia da existência desses intrusos microscópicos no seu chuveiro o aborrece, talvez seja melhor pensar de forma diferente.
Lembre-se de que o seu chuveiro é mais ecológico do que sujo. Pense nele como uma minúscula comunidade de animados micróbios, esperando para cumprimentar você sempre que abrir o registro.
Você nunca irá se livrar desses micróbios ou, pelo menos, não por muito tempo. Por isso, é melhor aprender a conviver com eles.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL