Em um paredão de rocha calcária que se ergue a pouco mais de 100 metros de altura, a água se precipita pelas fendas, captando a luz do sol e se transformando em múltiplos reflexos que formam pequenos arcos-íris. No cume de uma das quedas, dois casais de arara-azul, de plumagem intensa, cruzam o céu, flanando de um lado ao outro do cânion, como se o tempo se suspendesse ali.
O som do grasnar das aves se mistura à batida da queda d ‘água, criando uma versão harmoniosa para uma sinfonia de paisagem. Nesse teatro da natureza, cores, cheiros e toadas se intensificam. Água brota pelo caminho. Pássaros e insetos de diferentes espécies rompem o silêncio da mata.
Conhecido como Cânion Encantado, o espaço fica no coração do cerrado brasileiro, em pleno estado do Tocantins, mais precisamente na zona rural da cidade de Almas, uma das mais antigas do estado, cuja origem remonta ao ano de 1734.
Ali, o convite é caminhar, subir em pedras, tomar banho de cachoeira ou simplesmente observar de perto o que a natureza revela em sua plenitude.
O nome, Tocantins, carrega consigo uma conexão íntima com esse território. Na língua originária tupi, significa “Bico de Tucano”. Criado por meio de uma emenda constitucional em 1988, o estado mais recente do Brasil ainda preserva riquezas em áreas, até então, pouco exploradas.
Suas águas esverdeadas, que refletem como pedras preciosas, e a vegetação que mescla o bioma do cerrado e elementos da amazônia são apenas um vislumbre do que a região tem a oferecer.
Destino que consolidou Tocantins na rota do ecoturismo brasileiro, o Jalapão é um cenário onde serras imponentes, dunas douradas, cachoeiras cristalinas e fervedouros de águas borbulhantes se entrelaçam, formando uma paisagem única, que exige longos deslocamentos para ser avistada.
Os aventureiros que desejam explorar essa região geralmente começam sua jornada na capital, Palmas, de onde seguem rumo a Ponte Alta, cidade com pouco mais de 7.000 habitantes, que se tornou um ponto de apoio estratégico para as agências de turismo.
A partir dali, os viajantes se dividem entre o Jalapão e as Serras Gerais, os dois principais oásis do estado. Para os mais privilegiados, entretanto, há a oportunidade de vivenciar ambos os lugares, em uma experiência completa.
Com cenários moldados pela força do universo, as Serras Gerais abrigam algumas das cachoeiras mais impressionantes da região. Cânions profundos, grutas adornadas por rochas multicoloridas, rios e riachos que serpenteiam por diferentes áreas criam um ambiente propício para a travessia do lado sudeste do estado.
No trajeto em direção às Serras Gerais, uma das primeiras paradas é a Lagoa do Japonês. Suas águas cristalinas, com uma gruta submersa, encantam e atraem cada vez mais visitantes. Fica em uma fazenda, que está em processo de expansão, com planos para abrigar hotel ou pousada, na cidade vizinha de Pindorama do Tocantins.
(Todas as cidades que possuíam a terminação “do Norte”, devido às vastas dimensões do antigo estado de Goiás, passaram a adotar o sufixo “do Tocantins” após a criação do novo estado.)
O sol começa a se pôr enquanto, dentro de um caminhão panorâmico, acompanhamos seus últimos raios de luz banharem as formações rochosas de tons dourados. É jogo rápido, mas fascinante.
Logo, a noite se instala, e o grupo finalmente chega ao acampamento —o safari camp, como é chamado—, espaço que se encaixa perfeitamente no conceito em voga de “glamping“, algo que transita entre o espírito aventureiro do camping e o conforto relaxante das boas paragens.
Viver e explorar os desafios ao ar livre, sim, é bem-vindo, mas sem abrir mão de certos “luxos”: o banho quente, por exemplo, depois de um mergulho na piscina com borda infinita no alto da serra sob um céu estrelado que parece não ter fim.
As barracas que servirão de morada durante a estadia são confortáveis, semelhantes às usadas em lodges africanos. Cada uma conta com uma parte em alvenaria dedicada ao banheiro, com vaso sanitário, pia e chuveiro quente e frio.
No “quarto”, o ventilador garante a circulação do ar, reforçada pela ventania que passa pelas aberturas da tenda. Tudo ali é feito de forma a vedar a entrada de seres nativos indesejáveis, como escorpião, aranha ou cobra, para garantir a segurança dos forasteiros.
É, portanto, indispensável estar atento e sempre fechar a barraca, seja na hora de entrar, seja na hora de sair.
No interior, tomadas e carregadores USB estão disponíveis. No entanto, ninguém precisa de TV, tampouco de wi-fi, quando se tem pela frente dias preenchidos por andanças no meio do cerrado.
Com o passar do tempo, todo o mundo conseguiu interagir, de boa, sem a interferência desumana do celular. Para saber o que estava acontecendo no mundo, dito, civilizado, dava-se uma espiada em alguns pontos de parada que tinham internet via satélite.
Uma das pioneiras no segmento de atividades turísticas no Tocantins, a Korubo, com sede em São Paulo e 25 anos de experiência no estado, é responsável pela instalação de glampings em áreas protegidas e remotas.
A viagem até essas localidades exige paciência, com alguns deslocamentos demorados, feitos em terrenos acidentados, típicos dos safáris da região, tudo com horário programado, mas sempre sem pressa de chegar.
Em um topo de uma das Serras Gerais, a empresa oferece trilhas que levam a cachoeiras e cavernas, permitindo aos visitantes explorar o ambiente de forma imersiva, com caminhadas não tão extensas.
Todas as três refeições, servidas no restaurante ao lado da área social, são preparadas por mão de obra da vizinhança que utiliza alimentos naturais, muitos deles nativos do cerrado.
Elas estão inclusas nos pacotes, que combinam a emoção da aventura com o conforto do glamping, a partir de R$ 3.980, por cabeça, incluindo também todos os passeios e as entradas em áreas naturais privativas.
Na Cidade de Pedra, o trajeto é de 2,5 km, percorridos de forma tranquila, já que a trilha serpenteia pelo ambiente até encarar uma subidinha que leva ao encontro das impressionantes formações rochosas de arenito.
Esculpidas pela ação do tempo, essas rochas evocam imagens de edificações de tamanhos variados. Espalhadas por uma área de 15 km², elas criam um cenário para a contemplação, convidando quem chega a mergulhar na beleza da vida selvagem.
O fim da jornada é recompensado com um mergulho revitalizante na piscina que se forma a partir das três quedas da cachoeira dos Pelados. Com tonalidades esverdeadas, suas águas cristalinas oferecem o alívio perfeito após a caminhada, completando a experiência.
A propósito, o nome da cachoeira faz referência a um episódio da série “Largados e Pelados“, filmado ali, tornando a área ainda mais curiosa e terreno fértil para anedotas contadas pelos guias locais.
No Vale dos Pássaros, duas trilhas opostas conduzem os turistas a duas cachoeiras: a do Urubu Rei e a da Cortina, ambas geladinhas.
O atalho que leva à primeira queda, homenagem ao imponente pássaro —tristemente não avistado naquela tarde—, oferece acesso tanto pela parte superior quanto inferior.
Sua queda de 52 metros se despenha sobre um paredão de arenito alaranjado, coberto por folhagens densas e bromélias, algumas delas, inclusive, floridas. Ao seu pé, uma piscina natural se forma.
Com seus 46 metros aproximadamente de queda livre, a cachoeira da Cortina impressiona pela força com que se lança. Devido à sua localização, a água se espalha pela ação do vento, criando um efeito visual que lembra uma cortina esvoaçante. Sua reputação reflete, portanto, “a imagem de um manto d’água que emoldura a paisagem”, nas palavras do guia Ronan Rodrigues.
Função semelhante, ou seja, o de colocar um moldura no horizonte, exercem os Arcos do Sol, também chamados de Morros Testemunho. Formados ao longo de milhares de anos pela erosão e pela ação dos ventos, num processo geológico contínuo, os arcos nas rochas apresentam furos com mais de 6 metros de diâmetro.
Durante certos momentos do dia, sobretudo nos meses de abril a setembro, as cavidades permitem que a luz solar, de tons de fogo e ouro, penetre, vazando de um lado para o outro.
No final da tarde, com o céu ainda tinindo de azul, o panorama se enriquece ainda mais com as revoadas de papagaios, periquitos, pássaros-pretos e, se tiver sorte, araras, que fazem dos Arcos do Sol seu lar temporário.
Para quem assiste, é tanta explosão de vida que os olhos não dão conta de acompanhar.
Fonte.:Folha de S.Paulo