O complexo de prédios modernos no abastado bairro do Morumbi, em São Paulo, é a faceta mais conhecida do Einstein Hospital Israelita. Mas é só uma delas.
Hoje a entidade sem fins lucrativos, que acaba de completar 70 anos, administra hospitais públicos em quatro estados, tem uma atuação maior no SUS do que na rede privada e uma faculdade de cursos de saúde. Também já acelerou 160 startups, desenvolve as próprias terapias celulares e mantém um instituto de pesquisa que é um dos que mais publicam artigos científicos no país.
A operação complexa e bem gerida fez com que o hospital fosse eleito neste ano o melhor da América Latina em um ranking tradicional da revista Newsweek, dos Estados Unidos. E, mais recentemente, o melhor centro especializado em sete áreas médicas, pela mesma publicação.
A seguir, Sidney Klajner, que divide a presidência do Einstein com a rotina de consultório — ele é cirurgião do aparelho digestivo e coloproctologista, além de colunista de VEJA SAÚDE —, compartilha alguns dos segredos da instituição e sua visão sobre inovação médica.
Vocês foram considerados o melhor hospital da América Latina. O que têm de especial?
O Einstein busca ser excelente em tudo o que faz, e opera no esquema one-stop-shop: ou seja, não deve faltar nada do diagnóstico ao tratamento, com práticas baseadas em evidências científicas.
Mas talvez o que nos remeta a essa classificação não seja só a boa prática assistencial, mas o que está por trás dela e pouca gente enxerga, que é a implementação de barreiras que garantam a segurança do paciente e do profissional e um investimento sólido ao longo de anos em qualidade, o que pode ser calculado pelos próprios desfechos dos pacientes.
O Einstein completa 70 anos. Quais são os principais legados da instituição para o país?
O Einstein nasceu de um grupo de médicos visionários que, em 1955, tinha um propósito muito claro já em seu discurso inaugural: ser uma organização com um atendimento técnico de excelência, com geração de conhecimento, mas principalmente com responsabilidade social.
Termos que naquela época já eram inovadores. Falavam que seria um hospital para ricos e pobres, para pretos e brancos. E o legado até agora faz jus a esse propósito.
Por quê?
Hoje não somos só um hospital voltado a uma parcela da população. Executamos inúmeras iniciativas para levar essa excelência no cuidado a mais gente, com medicina de precisão, genômica, alta complexidade e tecnologia, impactando o setor público, em busca da equidade em saúde.
Temos uma essência que pode ser descrita como o propósito de entregar vidas mais saudáveis a um número cada vez maior de pessoas através de uma gota de Einstein. Creio que esse é nosso principal legado: hoje temos uma presença no setor público que é muito maior do que a nossa atuação na rede privada.
Mas a realidade do Einstein ainda é vista como distante da maioria dos brasileiros. Na prática, como se escala o que acontece no hospital para fora da instituição?
Tudo o que é pensado como uma solução de saúde aqui já vem com a pergunta: como levar isso ao público menos favorecido? Isso ocorre por meio das parcerias público-privadas e por meio do Proadi [Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde], no qual conseguimos trabalhar em projetos que atingem o SUS, com impacto altíssimo.
Hoje, em relação ao hospital privado, temos o dobro de leitos, consultas e partos no SUS.
Onde vocês atuam no SUS?
Administramos hospitais municipais em São Paulo, como o M’Boi Mirim e o Vila Santa Catarina, que hoje oferece quase exclusivamente atendimento oncológico, com uma média de 300 novos casos de câncer atendidos por mês.
Essas pessoas recebem tratamento de vanguarda, com protocolos iguais aos do Einstein do Morumbi, incluindo a cirurgia robótica. As mesmas equipes que atuam no privado atuam no público, com protocolos seguidos de modo muito rígido.
Além disso, este ano iniciaremos a operação do Hospital de Cuiabá, que será o primeiro de alta complexidade em Mato Grosso, e também assumimos a gestão do Hospital de Urgências de Goiás. Mais recentemente, o Hospital Ortopédico da Bahia, que em um ano realizou 12 mil atendimentos e 7 mil cirurgias, algumas que nunca haviam sido realizadas no estado.
[Ao todo, são nove hospitais geridos pelo Einstein na Bahia, em Goiás, Mato Grosso e São Paulo, e dezenas de postos de atendimento da prefeitura da capital paulista.]
Então um hospital de ponta tem responsabilidade na redução das desigualdades do país?
Ele deve colocar esse papel para si ou não. Você pode continuar fazendo medicina de ponta sem olhar para o lado. Ou pode fazer parte de uma mudança positiva em todo o sistema.
Se levamos tecnologias e recursos para o sistema público, estamos melhorando a saúde da população como um todo, que é nosso objetivo principal como instituição. É diferente de outras organizações, cujo papel na saúde suplementar é remunerar o investidor, o acionista. Somos uma entidade filantrópica, então nosso resultado financeiro é o que nos permite executar nosso propósito.
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O Einstein também é referência no uso de tecnologias. Como imbuir esse espírito em outras instituições de saúde?
É preciso trazer uma cultura de inovação para a organização. Senão as soluções que serão pensadas podem não trazer resultado nenhum.
Essa cultura envolve capacitação, treinamento e espalhamento, para que os profissionais criem as próprias soluções, e não pode ser punitiva, porque nem tudo vai dar certo.
Criamos há anos um modelo de relacionamento com o corpo clínico para estimular o envolvimento dos médicos nessas mudanças. Aqui, o médico tem um ambiente para desenvolver a ideia dele até que vire uma solução nova e um modelo de negócio.
Por exemplo, uma médica do Einstein desenvolveu um dispositivo para operar a espinha bífida [uma malformação fetal] dentro do útero, e hoje essa profissional é referência mundial no assunto.
Mas o que realmente faz diferença quando se fala em inovação?
Inovação não é um produto de prateleira. Você não compra uma inteligência artificial que vai resolver os seus problemas, é algo que deve nascer dentro da instituição, com a vivência dos profissionais que conhecem seus gargalos.
No Einstein, temos um escritório de melhoria de processos, que desenvolve tecnologias para resolver questões importantes como fila de internação, exames, monitoramento… Então não é uma bala de prata, mas sim uma série de condições que tornam o ambiente mais favorável.
O que mais é preciso?
É interessante falar de capacitação em digitalização dos profissionais de saúde e de custo-efetividade. A tecnologia não deve ser um atrativo de imagem. Na verdade, a inovação tem que fazer sentido e tem que ser uma ferramenta para exercer algum propósito.
Se eu não consigo chegar à população ribeirinha da Amazônia na época de seca, tenho a telemedicina, que pode levar um especialista até lá. Ou a tecnologia pode ainda otimizar a gestão de leitos e o monitoramento, como já fazemos no hospital.

Pode dar alguns exemplos de como o Einstein usa essas novas tecnologias no dia a dia?
Hoje se fala muito da inteligência artificial, mas aqui nós chamamos de inteligência ampliada, porque ela não nos substitui, e sim amplia a nossa capacidade. Podemos predizer, por meio de algoritmos, a demanda por leitos de acordo com a sazonalidade das doenças e, assim, preparar o sistema para aumentos repentinos de demanda, como fizemos na pandemia.
E essas iniciativas acabam virando referências para outros hospitais, como nosso centro de monitoramento assistencial. Trata-se de uma central que detecta o risco de um evento adverso em indivíduos internados antes que ele ocorra, como alterações sutis em sinais vitais ou queixas que não foram resolvidas.
Por exemplo: se um paciente reclamou de dor e não foi atendido, isso aumenta o risco de uma complicação. Com a inteligência aumentada, conseguimos acompanhar 150 indicadores como esse, que são dinâmicos, mudam conforme a necessidade.
Outro caso é um algoritmo em vigor desde 2018, que prediz a chance de o paciente ser internado com base nos dados da triagem do pronto-socorro. A gente já sabe logo de cara, com 90% de certeza, se ele ficará no hospital ou não, o que agiliza seu atendimento e otimiza a experiência do usuário.
Quais são os cuidados a tomar ao incorporar tantas tecnologias no atendimento?
Para que a inovação em saúde dê certo e você não coloque o paciente em risco, você precisa de uma estrutura que é praticamente pétrea nas questões ligadas a qualidade e segurança.
É preciso garantir que haja evidências científicas de eficácia, que as pessoas que irão operar a tecnologia estão capacitadas e que aquilo faz sentido dentro do propósito da instituição. Das coisas mais simples, como se o chão vai suportar o peso de um robô na sala de cirurgia, ao pleno manejo da tecnologia em si.
Há alguns pontos sensíveis em relação ao uso da IA na saúde, como o risco de vieses raciais e sociais e um excesso de dependência dos médicos. O que pensa sobre essas críticas?
Posso demovê-las uma a uma. A intenção não é que a IA dê o diagnóstico no lugar do médico. Mas, se ela separar o que é totalmente normal de algo suspeito, já traz uma melhoria de produtividade para o profissional, que não precisa focar sua atenção num exame normal, mas sim no que já tem uma alteração.
Hoje, a IA está ajudando a capacitar profissionais e permitindo que eles atuem de forma segura, com conhecimentos que eles não obrigatoriamente têm que ter. Com isso, a operação fica mais enxuta e mais barata.
Algumas das soluções já aplicadas na prática, como softwares que preenchem automaticamente o prontuário eletrônico ao escutar a consulta, nos dão mais tempo olhando no olho e escutando o paciente, entendendo suas queixas. Há inúmeras vantagens no uso da IA como uma ferramenta para chegar a soluções que, sem ela, você não conseguiria entregar.
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E qual será o limite para seu uso no consultório?
Numa consulta médica, a tecnologia pode ajudar a chegar a um diagnóstico mais rápido ou assertivo, mas ela nunca terá a sensibilidade que o médico detém para entender o que os dados significam no contexto daquela pessoa.
Isso depende de experiência, mas, certamente, se eu tenho uma inteligência ampliada comigo, consigo ser um médico melhor, porque não me faltarão informação ou suporte para pensar.
Então os bons médicos ficarão ainda melhores e os maus médicos ainda piores?
Com certeza. E eu já me sinto melhor quando uso ferramentas como a que preenche o prontuário do paciente enquanto eu o atendo, ou quando pergunto algo para um assistente virtual que me dá uma resposta mais rápida e completa, pois consegue analisar em segundos anos e anos de dados de seu histórico de saúde.
O que você destacaria como as principais dores da saúde no Brasil de hoje?
Primeiro, a formação de profissionais de saúde. Há um número gigante de faculdades de medicina, por exemplo, que não têm campo de treino adequado aos estudantes. Não temos o mínimo de vagas de residência médica que cubram o número de profissionais formados.
E os médicos mais bem formados, especialmente na medicina de alta complexidade, buscam os grandes centros. Então há uma discrepância na distribuição desses profissionais e uma fatia muito grande da população que não tem acesso ao atendimento.
No Brasil, onde a principal causa de morte é a doença cardiovascular, faltam cardiologistas no Norte e no Nordeste. E tem outra questão: remuneramos hospitais e outros elos do sistema por eventos de doença.
O que isso quer dizer?
Que, quanto mais gente doente, melhor eu sou remunerado. Isso gera um estímulo perverso para usar mais o sistema, enquanto eu deveria ser pago para evitar esses eventos e promover saúde.
Mas o atual incentivo faz com que uma série de condutas que não agregam valor ao paciente seja prescrita, como exames e procedimentos desnecessários.
E o paciente, está consciente de sua responsabilidade diante de sua própria saúde?
Há ainda a falta de engajamento da população no autocuidado. Precisamos disseminar mais informação para que as pessoas entendam o que de fato é saúde e não caiam tanto em fake news.
O senhor disse que o Einstein procura liderar a conversa sobre a resiliência dos sistemas de saúde frente às mudanças climáticas. O que a instituição tem feito nesse sentido?
Estamos chamando a atenção para o próprio impacto que os hospitais têm no aquecimento global: nossa pegada de carbono, uso de plásticos, contaminação por microplásticos, consumo de energia e geração de resíduos.
Além disso, as populações mais vulneráveis no Brasil são as que menos contribuem para o aquecimento global, e o sistema de saúde não está preparado para lidar com os eventos extremos. Já vimos as enchentes no Rio Grande do Sul, as secas na Amazônia, os deslizamentos no litoral norte de São Paulo.
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E o que o Einstein pode fazer para lidar com esses problemas?
Nosso objetivo é levar uma vida mais saudável a todos. E é nosso papel estudar isso, falar de mudanças climáticas e de como a gente vai mitigar esses efeitos.
Também estamos usando a tecnologia para mapear alterações de saúde relacionadas ao aquecimento global nas populações mais vulneráveis e, assim, obter um panorama mais amplo sobre a situação.
O senhor acredita que essa pauta já virou uma prioridade para o setor de saúde?
Eu acho que ainda não, apesar de já haver um início de preocupação por parte do Ministério da Saúde. Mas claramente deve ser prioridade, porque, nesses eventos relacionados às mudanças climáticas, já vimos a disseminação de doenças infecciosas, a quantidade de pessoas que tiveram tratamentos interrompidos e outros impactos nos sistemas.
Há ainda o caso das queimadas e o da dengue, cujo avanço também é uma manifestação do aquecimento global, dos períodos de umidade do ar baixa… Enfim, penso que muito pode ser feito.
E se, por exemplo, emitíssemos alertas como os de tempestade da defesa civil, mas pedindo para portadores de enfisema e bronquite se cuidarem em dias mais secos e poluídos? Certamente reduziríamos os casos de pneumonia. São várias possibilidades.
Falando ainda sobre crises globais, como o presidente de uma instituição de origem judaica enxerga a questão Israel-Palestina?
Boa pergunta. O conflito de lá é de uma análise extremamente difícil do ponto de vista geopolítico, que inclui questões não religiosas. Dito isso, querer melhorar o mundo é algo que está na essência do judaísmo, o que Israel faz de diversas maneiras, e a preocupação humanitária com esse conflito existe dos dois lados.
A sociedade israelense vive uma polarização, com pessoas insatisfeitas com o governo e uma busca pela paz cada vez mais premente. Nós somos representados pela Federação Israelita do Estado de São Paulo, mas eu pessoalmente não me posiciono pró ou contra. Vejo que nosso papel está relacionado à saúde, e, sob princípios judaicos, atendemos a todos.
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Fonte.:Saúde Abril


