A cantora e jornalista Gisele Alves Guedes de Moraes, de 38 anos, moradora de Planaltina (DF), foi condenada a 14 anos de prisão em regime fechado por participação nos atos do dia 8 de janeiro de 2023. A decisão foi tomada em julgamento virtual pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), que terminou neste sábado (14).
O voto vencedor foi o do ministro Alexandre de Moraes, que condenou a cantora pelos crimes de tentativa de golpe de Estado, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano qualificado, deterioração de patrimônio tombado e associação criminosa armada. O entendimento de Moraes foi seguido pelos ministros Flávio Dino e Cármen Lúcia. Os votos vencidos foram de Cristiano Zanin, que propôs a redução da pena para 11 anos, e de Luiz Fux, que sugeriu pena de quatro anos.
Gisele é mãe de sete filhos — cinco deles menores de idade, incluindo uma bebê de um ano — e responde ao processo em liberdade até agora. Ela nunca havia sido presa nem fez uso de tornozeleira eletrônica. Durante o julgamento no STF, Moraes a incluiu no grupo de réus acusados de executar materialmente os atos considerados golpistas, mesmo sem apresentar provas de participação da cantora no vandalismo ou em qualquer um dos crimes imputados. A pena de 14 anos, indicada pelo STF, é maior que as aplicadas a homicidas e traficantes.
O caso gerou atenção pelo perfil da ré e por sua condição familiar e de saúde. Gisele sofre de enfisema pulmonar, doença crônica e degenerativa, o que, segundo seus advogados, inviabilizaria o cumprimento da pena em ambiente prisional. Diante disso, a defesa solicitou que, caso a condenação seja mantida, seja concedida prisão domiciliar, com base nos artigos 318, incisos IV e V, do Código de Processo Penal.
Acusação e defesa
Segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), Gisele teria participado ativamente dos atos antidemocráticos que resultaram na depredação dos prédios dos Três Poderes. O voto do relator indica que ela filmou as movimentações na Praça dos Três Poderes e teria incitado a multidão contra o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A acusação a coloca no grupo dos executores materiais, mesmo sem a comprovação de participação direta na invasão de edifícios públicos.
A defesa contesta essa caracterização. Segundo o advogado Hélio Júnior, que atua no caso ao lado de Tanieli Telles, Ana Carolina Sibut e Luiz Felipe Cunha, a presença de Gisele no acampamento em frente ao QG do Exército se deu por motivos exclusivamente profissionais. “Ela atuava como ambulante, vendendo camisetas, água e utensílios de camping. Temos extratos bancários e comprovantes de transferências que sustentam essa versão”, afirma o defensor.
Em depoimento, Gisele contou que esteve no local entre novembro e meados de dezembro de 2022, após receber convite de um amigo músico, e que encerrou sua atividade dias antes do episódio do 8 de janeiro. Naquela data, relata, teria ido apenas se despedir de conhecidos e, ao acompanhar a movimentação até a Esplanada, registrou vídeos, mas se retirou quando o clima se tornou hostil.
Contexto familiar e impacto social
Além da condição de saúde, pesa na análise do caso o fato de Gisele ser mãe de sete filhos, cinco deles são crianças ou adolescentes. Ela afirma que estava amamentando a filha recém-nascida quando recebeu a intimação da Polícia Federal, em março de 2024, o que a abalou profundamente.
No laudo médico apresentado à Corte, consta a gravidade do quadro de saúde. Para os advogados, a manutenção de uma pena em regime fechado violaria princípios constitucionais como o da dignidade da pessoa humana e da proporcionalidade. A defesa também sustenta que a condenação se baseia em suposições, sem a devida individualização da conduta (utilizando a tese do crime “multitudinário”) — um dos fundamentos jurídicos centrais que vêm sendo discutidos nas ações relacionadas ao 8 de janeiro.
Próximos passos
Caso os próximos recursos da defesa sejam negados, Gisele deverá cumprir a pena em presídio de seu estado. No entanto, os advogados avaliam entrar com habeas corpus com pedido de liminar, tanto no STF quanto no Superior Tribunal de Justiça, buscando evitar a execução imediata da pena.
“O caso da Gisele é um símbolo do desafio entre punir com rigor atos atentatórios à democracia e preservar direitos fundamentais de cidadãos comuns, especialmente quando há dúvidas razoáveis sobre a extensão da culpa”, afirma o advogado.
Fonte. Gazeta do Povo