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29 de outubro de 2025

STF contribuiu para o caos na segurança pública do Rio de Janeiro

STF contribuiu para o caos na segurança pública do Rio de Janeiro

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O dia caótico que o Rio de Janeiro viveu nesta terça-feira (28), com mais de 100 mortes decorrentes de confrontos armados intensos entre policiais e criminosos ligados ao narcotráfico, é reflexo de uma série de decisões equivocadas do poder público, que começaram há décadas, mas se intensificaram nos últimos anos a partir de determinações do Supremo Tribunal Federal (STF).

A política de não intervenção nas favelas, adotada pelo ex-governador do estado Leonel Brizola na década de 80, impediu a realização de operações policiais nesses locais, o que aumentou o abismo entre o Estado e as comunidades e permitiu que o Comando Vermelho – e, posteriormente, outras facções – assumisse o controle.

Mas a partir de 2020, uma política semelhante – desta vez vinda não do governo estadual, responsável pela gestão da segurança pública, mas do Judiciário – beneficiou as facções de formas sem precedentes, criando ambientes severamente mais hostis à entrada das forças de segurança.

Por meio da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, conhecida como “ADPF das Favelas”, o STF impôs uma série de restrições ao ingresso das forças policiais nas comunidades do Rio de Janeiro entre junho de 2020 e abril deste ano – reeditando, na prática, a política de Brizola.

O relator da “ADPF das Favelas” foi Edson Fachin. Segundo especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, as restrições impostas pelo ministro à atuação das polícias dentro das comunidades permitiram que lideranças do narcotráfico fortalecessem e ampliassem suas posições, principalmente por meio da instalação de milhares de barricadas para impedir o avanço de viaturas.

Os grupos criminosos também aumentaram seus arsenais de guerra e até mesmo passaram a abrigar traficantes de outros estados, que viam os morros fluminenses como refúgios seguros para continuar comandando o crime em seus estados de origem.

O fortalecimento do crime organizado, em proporções jamais vistas, nos anos em que as restrições vigoraram contribuiu para um fluxo migratório negativo inédito na história do estado. O Rio de Janeiro registrou, pela primeira vez desde o início da série histórica em 1991, mais moradores saindo do que entrando no estado. Dados do Censo Demográfico divulgados em junho pelo IBGE revelaram um saldo migratório negativo de -165.360 pessoas entre 2017 e 2022.

Polícias do Rio de Janeiro atribuem cenário de guerra à interferência do STF

Uma publicação nas redes sociais feita na noite desta terça-feira (28), compartilhada pelos perfis oficiais da Polícia Civil do Rio de Janeiro (PCRJ); da Coordenadoria de Recursos Especiais (CORE), que também integra a Polícia Civil; e do Comando de Operações Especiais (COE) da Polícia Militar do estado, lamentou o assassinato dos quatro policiais durante os confrontos e, sem citar diretamente o STF, atribuiu à Corte a responsabilidade pelo cenário de guerra.

“Hoje o Estado mostrou força. Mostrou que entra onde quiser, a hora que quiser, e enfrenta o crime com superioridade de inteligência, técnica e armamento. Mas a coragem tem um preço: policiais tombaram no cumprimento do dever. Homens que saíram de casa para proteger vidas e voltam em silêncio. Heróis, vítimas da covardia do crime e da omissão de quem deveria fortalecer o Estado”, diz o texto.

Essa tragédia tem causa: anos de restrições às operações policiais. Anos em que o Estado foi amarrado enquanto o crime se armava, enquanto decisões distantes da realidade deram espaço para facções se tornarem exércitos de terroristas”, afirma a publicação, que já soma quase 7 milhões de visualizações.

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Fachin se esquivou de responsabilidade por efeitos negativos da ADPF 635

Desde o início das restrições, Fachin sempre negou de forma veemente que as interferências do Supremo na política de segurança do Rio de Janeiro tivessem gerado efeitos negativos.

Em fevereiro de 2022, durante sessão da Corte sobre a ADPF 635, o ministro chegou a interromper uma fala do colega Nunes Marques quando este apresentava impactos negativos das restrições. Fachin classificou as falas do colega como “ilações”.

“Me causa muita preocupação as notícias que chegam até nós, ministros desta Corte, do que eventualmente pode ter ocorrido neste período em que as operações foram obstadas”, dizia Nunes Marques, quando Fachin o interrompeu: “Perdoe pela interrupção, mas é preciso ter muita cautela para fazer ilações”, bradou o ministro.

No julgamento definitivo da “ADPF das Favelas”, que iniciou em janeiro deste ano, o ministro relator votou para manter indefinidamente todas as restrições às forças de segurança do estado. Outros membros do STF reagiram à decisão, e a sessão foi suspensa. Dois meses depois, o julgamento da ação foi concluído, com Fachin sendo contrariado e a maioria das restrições derrubada pelo colegiado.

Ao longo do processo, Fachin chegou a propor até mesmo a quebra de sigilo de todos os protocolos da atuação policial no estado, sendo seguido por Rosa Weber, Luis Roberto Barroso e Cármen Lúcia. Os demais ministros, no entanto, vetaram essa medida argumentando que poderia comprometer a própria eficácia da ação das forças de segurança e colocar em risco os agentes.

ADPF 635 gerou recorde de letalidade em confrontos

Após as restrições impostas pelo STF, os confrontos entre policiais e criminosos se tornaram mais violentos e alcançaram números recordes de letalidade. Dos dez confrontos com maior letalidade na história do estado, sete ocorreram a partir de 2020, com o início da “ADPF das Favelas”.

Isso se deve ao fortalecimento das facções, que resultou em um grau de resistência muito mais severo ao defenderem seus territórios das forças policiais e de facções rivais.

“O tráfico se fortaleceu porque quando não há ações da polícia, o resultado é o incremento no número de armas em poder das facções e a ampliação dos seus territórios. Eles se aproveitaram da inércia do Estado para agir. Essa decisão do STF vai contra tudo aquilo que se estuda e se pratica com relação à segurança pública”, disse Rogério Greco, especialista em segurança pública e crime organizado e pós-doutor em Direito, à Gazeta do Povo em reportagem de 2023.

Impactos das restrições impostas pelo STF durará anos, diz procurador

Para Marcelo Rocha Monteiro, procurador de Justiça do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), ao longo dos cinco anos em que vigoraram os efeitos da ADPF 635, o Supremo “assumiu a função de Secretaria de Segurança do Rio, estabelecendo quando e onde a polícia deveria realizar operações de repressão ao crime nas mais de 1.400 comunidades dominadas por tráfico e milícia”.

“Agora [desde o julgamento, concluído em abril], o Supremo lembrou que há separação de poderes. Mas os moradores do Rio, sobretudo os mais humildes, passarão anos pagando o preço desse equívoco – vítimas do aumento da criminalidade gerado pela catastrófica ADPF 635”, declara.

Segundo Monteiro, somente a principal facção do Rio de Janeiro, o Comando Vermelho, expandiu seu território em 25% durante a vigência das restrições. Já as operações policiais foram reduzidas em 60%.

Moraes dá 24h para PGR se manifestar sobre abuso de direitos humanos no Rio de Janeiro

Ainda nesta terça-feira, enquanto os confrontos ocorriam, o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), vinculado ao governo federal, apresentou ao STF pedido para que o governo do Rio de Janeiro apresente uma série de informações sobre a operação nos complexos do Alemão e da Penha.

O CNDH também solicitou “medidas complementares e urgentes de monitoramento e fiscalização quanto ao cumprimento das determinações estabelecidas no acórdão da ADPF 635 em especial diante de mais um episódio de letalidade policial ocorrido no estado do Rio de Janeiro”.

O ministro Alexandre de Moraes direcionou a solicitação à Procuradoria-Geral da República (PGR), que deve se manifestar sobre a petição e “eventuais diligências complementares”. O pedido tramita na ADPF 635, que mesmo com o julgamento concluído, segue aberta.





Fonte. Gazeta do Povo

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