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22 de junho de 2025

STF julga Bolsonaro entre ecos da Lava Jato e freio a ameaças antidemocráticas

STF julga Bolsonaro entre ecos da Lava Jato e freio a ameaças antidemocráticas

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RENATA GALF
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Concentração de poder em um juiz, imparcialidade posta em dúvida, uso de prisões preventivas e delação premiada sob questionamentos.

Apesar das diferenças entre um caso e o outro, esses são alguns dos paralelos que fazem com que ecoe a já finada operação Lava Jato em parte das críticas aos inquéritos que desaguaram na ação da trama golpista e são conduzidos pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal).

Especialistas argumentam que uma parcela da atuação heterodoxa da corte precisa ser analisada a partir da posição do STF como principal anteparo às investidas antidemocráticas do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em meio à inação de outras instituições de controle ao longo de seu governo como da PGR (Procuradoria-Geral da República).

Ainda assim, há medidas que são vistas como erros e excessos pelo tribunal.

Com isso, ainda que de um lado a realização do julgamento de um ex-presidente junto a militares de alta patente por uma tentativa de golpe indique uma corte em certa medida fortalecida, de outro alguns dos métodos utilizados no decorrer das investigações colocam no horizonte a pergunta quanto ao risco de também eventuais condenações envolvendo a trama golpista virem a desmoronar mais adiante.

“Existe, sim, um paralelo relevante entre a Lava Jato e os processos do golpe agora. Ambos desvelaram crimes gravíssimos, juntaram provas, gravações, documentos, falas, reuniões ilícitas, gravemente ilícitas. Mas ambos os processos padecem de vícios. E de vícios graves”, diz Miguel Gualano de Godoy, professor de direito constitucional da UFPR (Universidade Federal do Paraná).

Para ele, apesar de o Supremo ter ajudado a proteger a democracia, há uma série de problemas na forma como ele fez isso.

Ele vê como problemática, por exemplo, a concentração de relatorias em Alexandre de Moraes e a decisão de não considerá-lo impedido para relatar o caso da trama golpista depois de as investigações o apontarem como vítima de um plano de assassinato.

Também para Rubens Glezer, professor da FGV Direito SP, é possível estabelecer uma aproximação entre a atuação da corte nos diferentes inquéritos conduzidos por Moraes e a Lava Jato.

“É inegável que você vai ter vícios processuais no inquérito das fake news, no inquérito das milícias digitais, na condução [desses casos], na falta de transparência que o tribunal tem”, diz ele.

Glezer vê como um erro que a corte não ceda minimamente a pleitos das defesas, como o de levar o julgamento ao plenário ao invés da Primeira Turma, assim como entende que o STF deveria tomar medidas para mitigar as acusações de parcialidade.

No caso da questão de impedimento, no entanto, Glezer pondera que há um risco em se validar o entendimento de que ameaças à corte e aos ministros possam dar base para afastá-los dos processos. “É muito sensível esse caso porque o presidente atacou o tribunal e atacou o tribunal como um todo”, diz.

Desde que se tornou relator do inquérito das fake news (por determinação de Dias Toffoli) e dos atos antidemocráticos de 2020 (por sorteio), Moraes acumulou uma série de outras relatorias sem que houvesse sorteio entre os ministros, mas por “prevenção”, quando se entende que há algum tipo de relação entre os processos.

Especialistas, no entanto, têm apontado que a prática vem sendo utilizada de modo extremamente amplo pelo Supremo. Além disso, muitas dessas ramificações não foram abertas a pedido do Ministério Público.

Entre os aspectos explorados pela defesa de Bolsonaro está a atuação proativa do ministro no decorrer das investigações.

Ela alega ainda que teria havido pesca probatória, falta de acompanhamento da PGR em parte da investigação, além de centrar fogo especialmente na delação de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. Até aqui, no entanto, esses questionamentos vêm sendo todos negados pela corte.

Preso em maio de 2023 no âmbito das investigações sobre falsificação de cartão de vacina, Mauro Cid seguiu detido até setembro daquele ano, tendo sido solto depois de firmar um acordo de delação premiada -sucessão de fatos que à época suscitou comparações com o ex-juiz Sergio Moro.

Arquivos encontrados nos dispositivos de Cid, como um plano de golpe, conversas com outros militares sobre as medidas em estudo no final de 2022, além de seus depoimentos são algumas das provas que integram a denúncia.

Parte das informações que municiaram a investigação sobre as vacinas, por sua vez, tiveram origem em uma quebra de sigilo ordenada por Moraes em meio a uma outra investigação contra Bolsonaro iniciada em 2021.

Ao mesmo tempo em que questiona uma série de atos processuais de Moraes que culminaram na prisão de Cid, a defesa de Bolsonaro contesta ainda a validade de sua delação. Argumentam que não haveria voluntariedade por parte do tenente-coronel e que ele teria descumprido o acordo. Também questiona a participação de Moraes na colheita de provas.

Godoy (UFPR) avalia que hoje não existe um cenário de anulação na corte, porque o Supremo tem refutado tais objeções, ainda que, segundo ele, com argumentos muito frágeis. “Mas nada garante que, com a mudança da composição do Supremo, esses processos não possam eventualmente ser anulados lá na frente.”

Segundo Glezer, a conjuntura política importará mais que a jurídica nesse quesito. Ele aponta que se, de um certo ângulo, o tribunal está mais forte do que nunca ao julgar o ex-presidente e militares, em paralelo um outro processo pode estar acontecendo: o de corrosão de sua autoridade.

“Se em algum momento a gente nunca pensou que uma ordem do STF pudesse ser desobedecida, o fato é que existe uma certa apreensão, você tem que ficar checando. O quanto que ele consegue esticar a corda agora?”

Para ele há um paradoxo na medida em que, ao mesmo tempo em que a corte age para coibir os ataques às instituições, ela dá também ainda mais munição para as investidas contra o próprio tribunal e para que sua atuação seja deslegitimada.

Fabiana Luci, professora da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) que analisou a forma como a atuação do Supremo foi noticiada pela imprensa durante o governo Bolsonaro até o 8 de Janeiro, considera que o saldo para a imagem da corte teria sido negativo, com potencial impacto em sua legitimidade.

Segundo ela, enquanto as decisões envolvendo a gestão da pandemia teriam sido acompanhadas por uma visão mais positiva da atuação da corte, no casos ligados a atos antidemocráticos e de relação entre Poderes, a abordagem teria sido mais crítica, no sentido de que a corte estaria concentrando poderes em excesso.
Concentração de relatorias com Moraes

Ao longo dos últimos anos a relatoria de uma série de investigações que miram o bolsonarismo foram sendo atribuídas a Moraes sem que houvesse sorteio entre demais ministros da corte.

Nesses casos, a relatoria foi definida por “prevenção”, o que no jargão jurídico ocorre, por exemplo, quando um juiz já tiver antecedido aos outros na prática de algum ato relacionado ao processo ou por conexão probatória.

Inquérito das milícias digitais (Inq. 4.874)
Investigação em cujo guarda-chuva foram incluídos desde a investigação do cartão de vacina, das joias sauditas e da trama golpista, foi instaurada em 2021 por Moraes em um drible à PGR, que tinha pedido o arquivamento do inquérito referente aos atos antidemocráticos de abril de 2020. O ministro arquivou a investigação como solicitado pelo órgão, mas abriu em sequência a nova investigação. E usou o caso arquivado, do qual tinha se tornado relator por sorteio, para justificar a relatoria do novo.

Vazamento de dados sigilosos da PF (Inq. 4.878)
Com base no inquérito das fake news, do qual se tornou relator por determinação do então presidente do STF, Dias Toffoli, Moraes se tornou relator por prevenção do inquérito aberto de ofício, em 2021, após pedido do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). A nova investigação mirava o ex-presidente por suposto vazamento de dados sigilosos de uma investigação sobre um ataque hacker contra o TSE em 2018. A partir de dados obtidos em quebras de sigilo de Mauro Cid nesse processo foram obtidos elementos que se desdobraram em outras investigações como a d o cartão de vacina

Cartões de vacina (Petição 10.405)
Já a investigação envolvendo a suspeita sobre os cartões de vacinação teve a relatoria distribuída a Moraes usando como fundamento o inquérito das milícias digitais

Trama golpista sob gestão Bolsonaro (Petição 12.100)
Já a relatoria da petição da trama golpista, em que Bolsonaro foi denunciado, teve a prevenção justificada pela investigação sobre suposta falsificação de cartões de vacina -foi nessa apuração que Mauro Cid foi preso



Fonte. Noticias ao minuto

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