
Crédito, AGU
- Author, Luiz Fernando Toledo
- Role, Da BBC News Brasil em Londres
Cabe ao presidente Luiz Inácio da Silva (PT) indicar um nome para suceder Barroso — mas não há data para definição desse indicado.
O novo integrante da Corte deve ser brasileiro nato, ter mais de 35 anos e menos de 75, além “de notável saber jurídico” e “reputação ilibada”.
Após a indicação, o nome tem que de ser aprovado na Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) do Senado e depois pelo plenário do Casa, onde precisará da maioria absoluta dos votos.
Outros cotados à cadeira no Supremo no momento são o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas, e o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Analistas e pessoas ligadas ao governo têm dito que Messias seria o candidato com maior proximidade ao presidente Lula.
“Óbvio que Messias é com quem Lula tem mais convivência”, disse recentemente em entrevista ao jornal O Globo o líder do governo no Senado, Jacques Wagner (PT-BA).
Além de já ter ocupado diferentes cargos em governos petistas, como o de subchefe para assuntos jurídicos da Presidência no governo de Dilma Rousseff, sua produção acadêmica recente também defende uma versão da história em consonância com a esquerda.
Messias defendeu no ano passado, em sua tese de doutorado em Desenvolvimento, Sociedade e Cooperação Internacional, pela Universidade de Brasília (UnB), a ideia de que o Brasil passou por um período de “ultraliberalismo” do ex-presidente Jair Bolsonaro e avalia que há, agora, “possibilidades de reconstrução ensejadas” com a volta de Lula ao poder.
Também repercutiu críticas à própria Corte sobre o partido, embora reconheça a importância da instituição.
Afirmou que “multiplicaram-se críticas da esquerda sobre o conservadorismo e autoritarismo do Judiciário e do STF, que estariam atuando de maneira partidarizada em detrimento dos interesses do Partido dos Trabalhadores e dos próprios trabalhadores e movimentos sociais.” (veja abaixo mais detalhes).
Há ainda críticas explícitas ao que chama de monopólio das empresas que operam as redes sociais.
A leitura do trabalho pode dar pistas de como Messias poderia se posicionar em assuntos de interesse da Corte, caso venha a ocupar a vaga de Barroso.

Crédito, Agência Brasil
O que escreveu Jorge Messias sobre Lula, Bolsonaro, PT e o STF
Messias apresentou no ano passado sua tese de doutorado na UnB. O trabalho é centrado no papel da instituição por ele dirigida, a Advocacia-Geral da União (AGU). O título do trabalho é “O Centro do Governo e a AGU: estratégias de desenvolvimento do Brasil na sociedade de risco global.”
Evangélico, ele começa o trabalho com um agradecimento religioso: “Em primeiro lugar, expresso minha mais profunda gratidão a Deus, cuja presença constante em minha vida me concede a força e a coragem necessárias para enfrentar os desafios diários, culminando na conclusão deste projeto”.
Messias diz que a tese tenta responder à pergunta de como o núcleo do governo e a Advocacia-Geral da União “podem contribuir para a implementação de uma estratégia de desenvolvimento moderna, centrada não apenas na convergência econômica, mas também no enfrentamento e adaptação aos riscos globais”.
No trabalho, o conceito de “risco global” se refere a ameaças compartilhadas por todos os países, como mudanças climáticas, pandemias, crises financeiras, guerras e desigualdade tecnológica. Citando autores como o sociólogo Ulrich Beck, Messias defende a necessidade de um Estado forte, capaz de responder a esses desafios.
Em uma passagem autobiográfica, ele afirma que o período entre 2003 e 2016, durante os governos de Lula e Dilma Rousseff, “foi um tempo de planos generosos”, mas cuja “fantasia logo seria desfeita”. Messias escreve que “a necessidade de refletir sobre a dolorosa derrota daquele projeto político” o motivou a retornar à academia.
Nos capítulos voltados ao Brasil recente, a tese traz críticas aos governos pós-PT, especialmente ao “ultraliberalismo” e à “desestruturação institucional” dos anos seguintes, bem como à condução do governo Bolsonaro em relação à pandemia do coronavírus, quando foi “possível verificar, de maneira clara, os custos trazidos pelo negacionismo ambiental e sanitário.”
Ele faz também um diagnóstico das ações do terceiro mandato de Lula, apresentadas como esforços para “superar a armadilha da estagnação econômica e lidar com os riscos globais, até então ignorados pelo governo anterior.”
O papel do STF
“Entre 2012 e 2018, multiplicaram-se críticas da esquerda sobre o conservadorismo e autoritarismo do judiciário e do STF, que estariam atuando de maneira partidarizada em detrimento dos interesses do Partido dos Trabalhadores e dos próprios trabalhadores e movimentos sociais”, escreve Messias em um trecho sobre a Corte para a qual é cotado a ocupar um cargo agora.
“A própria prisão do ex-presidente Lula, bem como a negação do registro de sua candidatura em 2018 reforçaram as censuras.”
Messias avalia, no entanto, que, “na verdade”, a autoridade do STF estava sendo “solapada por movimentos sociais autoritários e por instâncias inferiores do Judiciário que, em última instância, buscavam reverter a própria ordem constitucional de 1988”.
Ele diz que a corte “logrou estancar os abusos da Lava Jato, reverter decisões injustas de instâncias inferiores e fazer frente às ameaças golpistas que ganharam ímpeto renovado com a chegada de Bolsonaro à Presidência.”
Messias prevê uma continuidade do protagonismo do Judiciário no país e diz que dada a polarização ideológica e o processo de judicialização, “é provável que as medidas mais importantes deverão ter sua legalidade/constitucionalidade questionadas perante o Judiciário, seja no STF ou em instâncias inferiores”.
Críticas às big techs e redes sociais
Quando avalia o que chama de riscos globais, Messias dedica um trecho sobre “riscos digitais” e cita a relação da sociedade com plataformas como Twitter (atual X), Google e Tiktok. Para ele, “a internet diminuiu também o custo da desinformação, o que facilitou o emprego sistemático da mentira como arma política”.
O autor diz que o engajamento nas redes se dá pelos afetos e pelo viés de confirmação, o que reforçou — ou até gerou — a polarização política.
“Google, Facebook, Instagram são monopólios que não só impedem a competição econômica, como empregam seus vastos recursos para financiar estratégias políticas a fim de manter suas posições privilegiadas”, escreveu ele.
Ele cita algumas iniciativas de regulamentação pelo mundo “para combater a concentração econômica do setor e o vale-tudo na internet.”
“Se não há acordo para responsabilizar as plataformas pela desinformação difundida, os Estados Unidos caminham rapidamente para fazer da internet mais um campo da competição estratégica com a China.”
O ‘ultraliberalismo’ de 2016 a 2022
Ao falar da história recente do país, Messias categorizou o período entre 2016 e 2022 como “ultraliberalismo”.
Ele avalia que o neoliberalismo ganhou densidade eleitoral “talvez pela primeira vez” e que governos “lograram desregular o mercado de trabalho, reformar de maneira profunda a previdência social (o que ele chamou de “reforma draconiana”), enfraquecer os sindicatos”, dentre outros.
Messias diz que o Estado brasileiro chegou a 2022 “com baixa capacidade fiscal, política e institucional para intervir na economia, seja para regular ou fomentar atividades mais promissoras, seja para transformá-la diretamente.”
Para ele, o período foi marcado por colocar a acumulação primitiva como eixo estruturador da economia do país.
“Atividades agropecuárias e mineradoras passaram a operar, com ainda mais intensidade, na lógica colonial, com a aceleração e/ou intensificação das taxas de desmatamento, do uso de agrotóxicos, da violação de direitos das populações tradicionais, de grandes acidentes ambientais e de desrespeito no encaminhamento de reparações.”
O trabalho usa, então, um diagnóstico feito pela equipe de transição, coordenado pelo vice-presidente Geraldo Alckmin, que trata do que chama de “desmonte do Estado brasileiro e das políticas públicas durante os quatro anos do governo Bolsonaro.”
Para o autor, “não há dúvidas de que a proposta do governo Lula traz mudanças significativas em relação à ação estatal que vinha sendo implementada desde 2016, e sobretudo a partir de 2019.”

Crédito, Reuters
Indicado ao STF pode defender interesses do governo na Corte?
Dentre os requisitos para ocupar uma cadeira no STF está que candidatos devem ter “notável saber jurídico e reputação ilibada”.
Mas o que se enquadra como notável saber jurídico — e como esses possíveis candidatos se encaixam na definição?
Embora tenham vínculos com a academia, os nomes agora cotados por Lula para o Supremo “não chegam à candidatura por sua trajetória acadêmica, como ocorreu, por exemplo, com o ministro Luís Roberto Barroso”, afirma Álvaro Palma de Jorge, professor fundador da FGV Direito Rio.
Segundo ele, o “notável saber jurídico” exigido para o cargo não deve ser confundido com títulos acadêmicos e nem tem sido adotado como critério decisivo nas nomeações.
“O conceito de notável saber jurídico é analisado de forma discricionária pelo presidente e pelo Senado. Ambos precisam fazer esse julgamento, e não há regra objetiva. Há ministros que são doutores e outros que não são. Vinculação acadêmica e publicações não são critérios definitivos para se reconhecer o saber jurídico.”
Jorge avalia que os atuais cotados “passam facilmente no teste” em razão das funções que exercem.
O professor discorda da ideia de que as indicações visam favorecer o governo na Corte.
“O nome precisa da indicação do presidente, mas também da aprovação do Senado. Isso já impõe um constrangimento à escolha. Um nome que não tenha adesão do Senado nem adianta indicar, porque não será aprovado.”
Ele lembra o episódio em que o ex-presidente Jair Bolsonaro cogitou nomear o filho, Eduardo Bolsonaro, para a embaixada do Brasil em Washington — cargo que também dependia da aprovação do Senado.
“O nome não foi nem levado adiante porque o presidente recebeu, de imediato, o feedback institucional de que não seria aprovado.”
Para o professor, o mesmo princípio vale para o Supremo:
“Não é qualquer escolha que é palatável. O critério usado pelo presidente precisa ter adesão do Senado, sob risco de a indicação não prosperar.”
Jorge reconhece que a proximidade pessoal do indicado tem sido apontada como um critério de Lula: “Tem sido muito comentada essa história da proximidade. O presidente Lula teve uma experiência pessoal. Foi preso, apresentou seguidos recursos, entre eles um habeas corpus que acabou no Supremo. E ministros de quem se esperava proximidade simplesmente aplicaram a jurisprudência da Corte contra os interesses do presidente.”
Ele pondera que essa busca por afinidade é natural.
“Naturalmente o presidente tenta indicar alguém que tem uma visão de mundo mais próxima à dele”, diz.
E conclui que a independência tende a prevalecer depois da nomeação:
“Há muitos exemplos de ministros do Supremo que tomam decisões contrárias aos interesses do presidente que os indicou. E é bom que isso aconteça. Ministro do Supremo não é empregado do presidente da República; recebe um conjunto de prerrogativas justamente para poder julgar de forma independente. No momento da campanha, seja qual for o critério, o candidato segue um script.”
“Mas depois que senta na cadeira, enfrenta outros constrangimentos institucionais e passa a conviver com seus pares.”
Fonte.:BBC NEWS BRASIL