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31 de julho de 2025

STF pode gerar 750 mil ações com mudança no Marco Civil da Internet

STF pode gerar 750 mil ações com mudança no Marco Civil da Internet

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O Supremo Tribunal Federal (STF) deve retomar nesta semana um julgamento que promete balançar as estruturas da internet no Brasil e reconfigurar o papel das plataformas digitais. Em pauta, o artigo 19 do Marco Civil da Internet – legislação que, desde 2014, vem sendo considerada uma referência para o equilíbrio entre liberdade de expressão e responsabilização no ambiente digital.

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Atualmente, o Marco Civil condiciona a responsabilização das plataformas à existência de uma ordem judicial que determine a remoção do conteúdo ilícito. Mas a Corte discute a adoção de um modelo de responsabilidade objetiva, no qual as empresas seriam responsabilizadas independentemente de notificação prévia. Essa mudança tem potencial para transformar o cenário jurídico e social.

Segundo o estudo “O Preço da Moderação, elaborado pelo think tank Reglab – uma entidade com ligações com big techs – a adoção da responsabilidade objetiva poderá inundar o Judiciário com até 754 mil novas ações entre 2025 e 2029, com um custo estimado em R$ 777 milhões. O estudo analisa quatro cenários possíveis, cruzando o grau de responsabilização a ser fixado pelo STF e a velocidade de propagação dos efeitos da decisão. Mesmo no cenário mais moderado, com modulações, o impacto seria expressivo: 584 mil processos e R$ 604 milhões em custos no mesmo período.

“O impacto projetado é conservador”, afirma Pedro Ramos, diretor do Reglab ao JotaInfo. Ele destaca que o cálculo foi feito com base em ações simples, como atraso de voo ou cobrança indevida, enquanto ações envolvendo ofensas ou disputas complexas na internet tendem a demandar mais tempo, perícia técnica e custos judiciais elevados.

O Reglab, apesar de se apresentar como um centro independente de pesquisa, tem ligações com grandes empresas de tecnologia (big techs), o que levanta questionamentos sobre os interesses por trás da projeção. Afinal, o modelo atual – que depende de decisão judicial para responsabilização – é visto como mais favorável a essas empresas, por reduzir sua exposição a riscos financeiros e jurídicos.

No entanto, a adoção da responsabilidade objetiva, além de potencialmente elevar o número de processos, pode abrir espaço para uma indústria da indenização e incentivar a judicialização em massa. “Hoje existe uma indústria profissional de indenização. Podemos ter atores se organizando para fomentar ações em massa sobre o tema. O viés é para cima: certamente haverá incentivo à judicialização”, alerta Ramos.

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STF: entre a liberdade de expressão e o aumento da litigância

O julgamento no STF, que trata dos Temas 987 e 533, começou em novembro de 2024 e já conta com votos de Dias Toffoli, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso. A expectativa é de que a Corte defina se o Brasil manterá a atual lógica de responsabilidade subjetiva ou se avançará para um regime mais rigoroso, que pode impactar a liberdade de expressão e sobrecarregar o Judiciário.

Embora os votos tenham abordado aspectos sobre moderação de conteúdo, especialistas alertam que o ponto central do julgamento é a responsabilização jurídica das plataformas. “Parece haver uma confusão entre moderação e responsabilidade. O julgamento é sobre quem paga a conta, mas as discussões têm focado mais no que será moderado do que no como”, resume Ramos.

Regulação internacional e caminhos possíveis

A responsabilidade subjetiva adotada pelo Marco Civil brasileiro se alinha a legislações modernas, como o Digital Services Act da União Europeia, que evitam o modelo de responsabilização automática. Segundo Ramos, nenhuma das principais democracias adota a responsabilidade objetiva, com exceção de regimes como China e Irã.

O estudo do Reglab sugere alternativas para mitigar os efeitos colaterais, caso o STF opte por flexibilizar o artigo 19:

  • Definir hipóteses objetivas e limitadas para o modelo de notice and takedown, evitando remoções abusivas e insegurança jurídica;
  • Exigir tentativas prévias de solução extrajudicial, como notificações formais ou mediação, antes de permitir ações judiciais;
  • Proibir o reconhecimento automático de dano moral presumido, que poderia inflar custos e estimular litígios oportunistas;
  • Reforçar obrigações sistêmicas de transparência e diligência para as plataformas, especialmente em contextos democráticos sensíveis, como eleições.

Com o julgamento em fase decisiva, o Brasil está diante de um dilema: manter o equilíbrio do Marco Civil da Internet ou adotar uma abordagem que pode favorecer a litigância e gerar custos bilionários para o Judiciário – e para a própria sociedade.



Fonte. Gazeta do Povo

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