
Durante décadas, o ômega-3 carregou a fama de composto “faz-tudo”, capaz de proteger o coração, afiar a memória e até preservar a audição. A lista era longa. Mas boa parte dessas promessas, quando examinadas com rigor científico, não se sustentou, como o uso de suplementos para prevenção de eventos cardiovasculares na população em geral.
Entre as indicações ainda em debate, está a suplementação de ômega-3 em gestantes. Para trazer mais clareza a esse cenário, instituições internacionais se reuniram e criaram uma nova diretriz sobre o tema.
O consenso, finalizado no ano passado e divulgado no American Journal of Obstetrics & Gynecology MFM, foi apresentado ao público brasileiro na última semana, durante o 10º Congresso Internacional de Medicina Obstétrica (Birth), em São Paulo.
O principal motivo para essa recomendação é a associação entre o consumo adequado de ômega-3 e uma menor incidência de parto prematuro, maior duração gestacional e melhor crescimento fetal.
Ainda assim, o tema continua envolto em dúvidas. A Organização Mundial da Saúde (OMS) não recomenda a suplementação com óleo de peixe durante a gravidez.
Embora reconheça que as evidências atuais sugerem que a suplementação com ácidos graxos poli-insaturados está associada a um risco reduzido de parto prematuro e a um aumento modesto no peso ao nascer, destaca que são necessárias mais pesquisas antes que recomendações específicas possam ser feitas.
Já a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) recomenda o aumento na ingestão dessa “gordura boa”para diversas mulheres durante a gestação, mas destaca que não há consenso sobre o uso rotineiro do suplemento em todas as gestantes. “Hoje indicamos para as gestantes que não consomem peixes regulamente”, diz.
“Porém, como a suplementação reduz risco de prematuridade, ela é vista como segura e eficaz quando iniciada antes de 20 semanas de gestação, podendo ser utilizada durante toda a gestação”, completa a porta-voz da associação.
Doses diferentes, orientações conflitantes, evidências espalhadas são alguns dos dilemas que cercam o assunto. Para esclarecer o cenário, um dos autores do documento, o professor Gian Carlo Di Renzo – referência mundial em medicina materno-fetal – conversou com VEJA SAÚDE com exclusividade sobre as novas orientações.
Antes de tudo: o que é o ômega-3?
O ômega-3 é um tipo de gordura poli-insaturada essencial. Ele possui três formas principais: os ácidos EPA (eicosapentaenóico), DHA (docosahexaenóico) e ALA (alfa-linolênico). Os dois primeiros aparecem principalmente em peixes e frutos do mar, como salmão, sardinha, cavala, truta, atum e até ostras. Já o ALA está em fontes vegetais, como nozes, linhaça e óleos de canola e soja.
Essas gorduras participam de várias funções importantes. Como não conseguimos fabricá-las no corpo, precisamos obtê-las pela alimentação ou suplementação. Para gestantes, o principal ator é o DHA.
“A evidência acumulada nos últimos 30 anos, com mais de 70 ensaios clínicos randomizados, mostra que o ômega-3, com a quantidade adequada de DHA, ajuda a prevenir o parto prematuro precoce, antes de 33 semanas. É uma redução de até 40% do risco, o que é muito significativo”, comenta Di Renzo.
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O que dizem as novas diretrizes
Que a suplementação deve ser indicada a todas as gestantes, não somente para as que têm déficits comprovados, até porque identificar essa carência não é simples. O texto também define faixas de ingestão para mulheres em idade fértil e para gestantes.
“A suplementação é mais adequada para mulheres com deficiência, mas isso não é fácil de avaliar. Esse resultado varia de acordo com a dieta de cada região, o tipo de peixe consumido e a influência da alimentação com ultraprocessados”, diz Di Renzo.
Na prática, como grande parte das populações come pouco peixe, o documento amplia a recomendação do consumo do nutriente em cápsulas.
Eis os principais pontos da diretriz:
Antes da gestação
Para a população em geral, incluindo as mulheres em idade fértil, é recomendado o consumo de, pelo menos, 250 mg por dia de DHA + EPA, seja pela alimentação ou por suplementos.
Durante a gestação
A necessidade aumenta: recomenda-se um acréscimo de 100 a 200 mg de DHA por dia em relação ao que já era consumido antes para todas as mulheres grávidas.
Para mulheres com baixa ingestão ou baixos níveis sanguíneos
Gestantes que consomem pouco peixe ou apresentam níveis reduzidos de DHA no sangue têm maior risco de parto prematuro, segundo o consenso.
Para esse grupo, a diretriz sugere 600 a 1000 mg/dia de DHA + EPA (ou apenas DHA), dose que mostrou reduzir bastante esses desfechos em ensaios clínicos randomizados.
Quando começar
A suplementação deve ser iniciada preferencialmente no segundo trimestre, idealmente antes das 20 semanas. A suplementação com altas doses, com o objetivo de reduzir o risco de parto prematuro, deve continuar enquanto houver risco de parto prematuro (ou seja, até aproximadamente 37 semanas de gestação) ou até o parto.
Como identificar quem precisa de mais ômega-3
Não é fácil saber quando alguém possui deficiência de ômega-3 ou não. A triagem pode ser feita por meio de questionário padronizado sobre consumo de pescado e fontes de ômega-3 e dosagem sanguínea de DHA, embora esse exame ainda careça de padronização e valores de corte universais.
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Suplementação ou alimentação?
Os especialistas explicam que obter os nutrientes pela alimentação é sempre melhor. “Devemos tentar melhorar a dieta e incentivar o consumo de peixes pequenos”, diz Eduardo Cordioli , diretor técnico do Hospital e Maternidade Santa Joana (responsável pela organização do congresso Birth no Brasil).
“Mas, se a mulher tem dificuldade de comer peixe ou já apresenta deficiência de ômega-3, é melhor suplementar. E fazemos as duas coisas sempre que possível”, alerta.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda a ingestão de 12 quilos de peixe por pessoa ao ano. “No Brasil, comemos 9. Ou seja, 70% do recomendado”, comenta Cordioli. E, segundo Di Renzo, mesmo comer peixe duas vezes por semana pode não assegurar o aporte necessário, porque tudo depende do tipo de peixe consumido.
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Ainda há outro percalços. Os especialistas lembram que, devido à poluição das águas, alguns peixes – como tubarão (vendido como cação), peixe-espada e cavala – e certos frutos do mar podem conter metilmercúrio, um contaminante neurotóxico para o feto. Por isso, é importante evitá-los e, no caso de outros nadadores, ter certeza da sua procedência.
“O recomendado seria comer cerca de 300 gramas por semana (de duas a três porções), dando preferência a opções com menor risco de contaminação, como salmão, sardinha, tilápia e bagre“, destaca Joeline. “A suplementação acaba sendo uma alternativa mais segura e que reduz o risco de exposição à toxicidade”, explica.
Di Renzo resume: a dieta saudável ajuda muito, mas como mudar a dieta rapidamente na gravidez é difícil, recomendamos suplementação para praticamente todas as gestantes.
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Fonte.:Saúde Abril


