
Crédito, Arquivo pessoal
- Author, Alessandra Corrêa
- Role, De Washington para a BBC News Brasil
Passado quase um mês da entrada em vigor do tarifaço de Donald Trump sobre produtos importados do Brasil, os empresários brasileiros correm contra o relógio para tentar reverter as taxações.
Na cesta de estratégias do empresariado estão a contratação do diplomata Roberto Azevêdo. Conhecido por sua habilidade nas negociações comerciais, Azevêdo sentou-se à mesa com Trump, durante o primeiro mandato do republicano, quando esteve à frente da Organização Mundial do Comércio (OMC) (2013-2020).
Na mesma esteira, contrataram o escritório de lobby Browstein Hyatt, chefiado por Brian Ballard, advogado próximo de Trump.
Liderado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), um grupo de empresários brasileiros estiveram em Washington nesta semana para realizar encontros com representantes do governo, do Congresso e do setor empresarial, na tentativa de destravar as negociações.
Ainda assim, a comitiva deixou a capital americana sem conseguir reverter ou reduzir as tarifas de 50% sobre produtos brasileiros.
Apesar dos esforços, os empresários circularam por Washington sob a sombra da presença do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que está morando nos Estados Unidos e vem realizando uma campanha junto ao governo Trump por sanções ao Brasil. O objetivo é a aprovação de uma anistia ao ex-presidente brasileiro.
Enquanto os empresários participavam de audiências e reuniões em busca de diálogo, Eduardo Bolsonaro circulava com o comentarista político Paulo Figueiredo pelo hotel onde foram realizadas reuniões, causando desconforto em alguns dos empresários.
Em sua conta no X, o filho do ex-presidente Bolsonaro publicou uma foto com Figueiredo e autoridades do governo americano: o subsecretário de Estado para a Diplomacia Pública e Assuntos Públicos dos Estados Unidos, Darren Beattie, e o assessor Sênior para o Hemisfério Ocidental, Ricardo Pita.
Em outra frente, o alto escalão de Trump havia mandado um recado amargo para os empresários. Peter Navarro, conselheiro para assuntos de comércio e indústria de Trump, fez deboche de parte da estratégia brasileira, escrevendo, em sua conta no X, que o escritório Brownstein Hyatt “JAMAIS vai aparecer na minha porta da Casa Branca”.
Navarro, um dos principais arquitetos por trás do tarifaço, escreveu que os lobistas estão se “gabando para os brasileiros de que eles poderiam pressionar a Casa Branca e conseguir tarifas mais baixas”. E, por fim, “Libertem Jair Bolsonaro”.
O recado de Navarro, dado no dia 19 de agosto, antes da comitiva de empresários viajar para Washington, já era uma prévia do que eles poderiam esperar.
Embora Eduardo Bolsonaro e Paulo Figueiredo não receberam convite oficial da CNI e não participaram da agenda da missão, as negociações seguem travadas.
“Não sei se alguém o convidou. Eu sei que a CNI não convidou”, disse o presidente da confederação, Ricardo Alban, sobre Eduardo Bolsonaro e Figueiredo. Ele ressaltou que houve cuidado para garantir que o foco da missão fosse empresarial e não político.
Os empresários brasileiros tentaram passar a mensagem de que o objetivo da missão, de construir pontes, foi alcançado, deixando a esperança de que os canais de diálogo abertos na visita facilitem negociações futuras.
“Os objetivos foram atingidos, no sentido de que viemos para tentar iniciar um processo de possibilidade de negociação”, disse Alban, antes de embarcar de volta para o Brasil.

Crédito, CNI
Ao longo das reuniões, os brasileiros ouviram de interlocutores americanos que há espaço para diálogo, mas que a sobretaxa tem natureza política.
Segundo Alban, não houve menção direta ao nome do ex-presidente brasileiro no encontro com o secretário de Estado adjunto, Christopher Landau, o número dois do Departamento de Estado, órgão equivalente ao Ministério das Relações Exteriores. Mas o americano deixou claro que o problema é de ordem política.
O presidente Donald Trump já afirmou várias vezes que considera o processo contra Bolsonaro uma “caça às bruxas”. Outro ponto seria a regulação das chamadas big techs, as grandes empresas digitais, que o lado americano vê como censura a empresas.

Crédito, Diego Herculano/Reuters
“Estava implícito”, ressaltou Alban. “Saiu da boca dele (Landau), que passa pela política, por várias decisões que o Judiciário tem feito com relação a empresas americanas e cidadãos americanos.”
Alban disse que Landau se colocou à disposição para receber uma ligação do vice-presidente Geraldo Alckmin.
Diante de um entrave político “difícil e complexo”, Alban disse que os empresários deixam Washington “mais realistas e mais confiantes” em oportunidades de negociação futuras e mostraram que “há disposição para discutir a parte comercial e técnica”.
Há incerteza sobre a possibilidade de mais sanções ao Brasil, mas o governo já se prepara para novas retaliações. No fim de agosto, o presidente Lula autorizou o início de consultas e medias para aplicar a Lei da Reciprocidade Econômica contra os Estados Unidos, um processo que pode levar meses.
A consultoria Eurasia já previu que uma condenação e pena de prisão para Bolsonaro levem a Casa Branca a estender as sanções.
“A condenação desencadeará mais sanções dos EUA”, diz a consultoria em recente relatório. “Suspensões de vistos para mais autoridades brasileiras e uma interpretação rigorosa e ampla do cumprimento da Lei Magnitsky são prováveis.”
‘Momento difícil’
As taxas adicionais de importação a produtos brasileiros foram anunciadas em julho e entraram em vigor no mês passado. Quase 700 bens estão excluídos, e um dos objetivos brasileiros é tentar aumentar essa lista.
Na quinta-feira, o Ministério do Desenvolvimento (MDIC) informou que as exportações brasileiras aos EUA caíram 18,5% em agosto em relação ao mesmo período do ano passado. O Brasil registrou déficit de 1,23 bilhão de dólares nas transações comerciais com os EUA no mês passado, o maior resultado negativo mensal deste ano.
A empresa de lobby contratada pelos empresários brasileiros é uma das maiores de Washington e trabalha com grandes empresas americanas. Ballard já trabalhou para as Organizações Trump no passado.
No primeiro semestre, porém, a imprensa americana revelou um desentendimento entre Trump e Ballard. Posteriormente, outras notícias dizem que o lobista havia se encontrado com o presidente e, aparentemente, reatado os laços.
Além do próprio Ballard, o contrato brasileiro também está a cargo de Hunter Morgen, com passagem pelo primeiro governo Trump e que foi adjunto de Peter Navarro, atualmente um dos principais conselheiros do presidente na questão das tarifas.
A iniciativa parece ter surtido efeito inicial e, além do Departamento de Estado, os brasileiros também foram recebidos no Departamento de Comércio, no Escritório do Representante de Comércio dos EUA (USTR, na sigla em inglês) e por vários congressistas, entre eles o republicano Ted Cruz.
No entanto, o próprio Ballard disse aos empresários brasileiros que “este é um momento difícil” entre os dois países e pediu paciência. O lobista lembrou que Trump, quando era ex-presidente, foi processado pelo governo, e por isso “essa é uma questão muito pessoal” para o líder americano.
Ballard sugeriu à missão brasileira focar na mensagem de que o alvo das tarifas não deveria ser as empresas.
“Deveria ser o governo que o nosso presidente [Trump] acredita estar atacando um ex-presidente [Bolsonaro]”, afirmou Ballard.
“Vocês [empresários brasileiros] não são os inimigos do povo americano e não merecem ser punidos.”
Investigação
Contratado pela CNI, o embaixador Roberto Azevêdo liderou, na quarta-feira (3/9), a defesa do Brasil em uma audiência pública da investigação contra o Brasil aberta pelo USTR por supostas práticas desleais de comércio.
Essa investigação, autorizada pela seção 301 da Lei do Comércio de 1974, foi aberta em julho em paralelo à aplicação das sobretaxas de 50% contra produtos brasileiros. Tem como alvo diversos setores da economia brasileira, como etanol, big techs, o sistema de pagamentos PIX, o comércio popular da Rua 25 de março e o desmatamento ilegal.
O resultado desse processo, ainda sem data para terminar, poderia resultar em novas tarifas ou sanções e dar maior embasamento às medidas contra o Brasil, país que tem déficit na balança de comércio com os Estados Unidos.
Durante o dia inteiro, representantes de vários setores produtivos do Brasil e dos Estados Unidos se pronunciaram, cada um com somente cinco minutos para falar.
Muitos representantes americanos, como Neil Herrington, vice-presidente de Américas da U.S. Chamber of Commerce, e Ed Brzytwa, vice-presidente da Consumer Technology Association, criticaram as tarifas e ressaltaram impactos negativos para a própria economia americana.
Outros, porém, como líderes dos setores de etanol, bovinos e suínos nos Estados Unidos, se manifestaram em favor da investigação e acusaram o Brasil de práticas desleais.
“Já era esperado, todas essas organizações submeteram (antecipadamente) a sua resposta por escrito”, disse à BBC News Brasil a Diretora de Relações Internacionais da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Sueme Mori.
O lado brasileiro irá agora contestar as alegações por escrito nos próximos dias, aprofundando o que foi detalhado na audiência.
Azevêdo salientou que o Brasil não prejudica a competitividade das empresas americanas e não adota taxas excessivas a produtos americanos.
O embaixador disse que o Brasil tinha o objetivo de apresentar sua argumentação, fundamentada com evidências, e também iniciar um clima de diálogo.
“Todos os que falaram no painel, do meu lado, disseram isso, inclusive os americanos. De que o caminho é dialogar, vamos sentar, vamos conversar, vamos aproveitar esse momento que estamos vivendo, que não é fácil, para adentrar por portas que estavam fechadas antes”, afirmou.

Crédito, CNI
“Nós não temos como solucionar nem resolver a questão política que, é óbvio, existe entre os dois governos. O que nós queremos é preparar o terreno para quando a oportunidade aparecer”, ressaltou Azevêdo.
Na quinta, o embaixador participou das reuniões com representantes do Departamento de Comércio e do USTR. Segundo ele, ambos os lados (Brasil e EUA) reconhecem que “há dificuldades importantes, sobretudo no nível político, mas que isso não leva necessariamente a um imobilismo”.
“Esse foi apenas o primeiro passo de um processo que nós pretendemos dar seguimento”, salientou.
Em conversa com jornalistas antes de deixar Washington, Azevêdo ressaltou que a missão tentou criar um mecanismo de diálogo que, de certa forma, “busca complementar os canais da diplomacia tradicional, que hoje estão um pouco comprometidos pela pelas tensões políticas que existem entre os dois países”.
Oportunidades
Segundo Alban, na reunião com o Departamento de Comércio os brasileiros mencionaram três setores que poderiam representar oportunidades de parcerias entre os dois países em eventuais negociações sobre o tarifaço.
Foram citados data centers (já que o Brasil tem excedente de energia limpa, que é importante para o desenvolvimento de inteligência artificial), reservas de minerais críticos e etanol.
“É apenas o pontapé inicial que nós queríamos dar para que despertasse o interesse em conversas muito mais produtivas”, disse Alban, ressaltando que o objetivo era demonstrar aos americanos o que o Brasil poderia oferecer em futuras negociações.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL