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- Author, Wilson Tosta
- Role, Do Rio de Janeiro para a BBC News Brasil
Quando soube da imposição de uma tornozeleira a Jair Bolsonaro na sexta-feira (18/7), um gerente de vendas de 55 anos, do Rio, disse ser uma “grande injustiça” contra seu “presidente de fato”.
Em contraste, um tradutor de 33 anos, de São Paulo, celebrou a ação determinada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, que, na avaliação dele, até demorara a vir.
Já um servidor público do Paraná considerou a medida contra Bolsonaro exagerada, mas elogiou outras restrições contra o ex-presidente.
Os três homens têm ao menos uma coisa em comum: fazem parte de um mesmo experimento no WhatsApp criado por pesquisadores do Instituto de Estudos Políticos e Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) para acompanhar as ondulações da opinião pública.
Batizado de Monitor do Debate Público (MDP), a pesquisa acompanha a conversa online de 50 eleitores, dividido cinco grupos criados a partir de suas posições nas eleições de 2022 e outros critérios: bolsonaristas convictos, bolsonaristas moderados, de preferências políticas flutuantes, lulistas descontentes e lulistas.
As opiniões dos dois grupos bolsonaristas se alinham; em oposição, ficam os lulistas satisfeitos com o governo.
Os conjuntos restantes do “centro” (governistas descontentes e de opinião flutuante), em geral, se dividem.
Quando o assunto foi as medidas do STF contra Bolsonaro, por exemplo, a avaliação nesses grupos oscilou entre elogios e críticas a Alexandre de Moraes.
Mas uma semana antes da tornozeleira, veio a novidade, com a ameaça do presidente Donald Trump de impor tarifa de 50% às exportações brasileiras aos EUA a partir de sexta-feira (1/8).
Trump citou como um motivo para a taxação o tratamento dado a Bolsonaro pela Justiça brasileira no processo em que ele é acusado de tramar um golpe de Estado.
“Este caso do tarifaço foi a vez que a gente sentiu que deu mais unidade”, disse à BBC News Brasil, Carolina de Paula, doutora em Ciência Política, pesquisadora do Instituto de Estudos Políticos e Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e uma das coordenadoras do MDP.
Segundo a pesquisadora, os três grupos não bolsonaristas apoiaram as posições do governo Lula de rejeição às medidas de Trump, algo inédito nas quase 100 semanas de pesquisa.
Em seu relatório, o MDP apontou que os participantes dos grupos dos eleitores flutuantes, descontentes com o governo de Luiz Inácio Lula da Silva e lulistas “revelaram uma avaliação majoritariamente favorável à resposta de Lula, com destaque para a defesa da soberania nacional e da legitimidade do Brasil em adotar medidas de reciprocidade”.
“Eu acompanhei na Globo e acho correto o que o Lula disse, as questões judiciais brasileiras só tem a ver com o nosso país, nenhum outro tem que se envolver!”, escreveu uma veterinária do Paraná, do grupo de eleitores flutuantes.
“Nunca vi os EUA se posicionarem sobre algum crime que tenha ocorrido no Brasil, agora quando tem a ver com o Bolsonaro vira o maior estardalhaço. Muito errado isso. O Trump que se preocupe com o país dele, que já está tendo muito problema”, seguiu ela.
Também apareceu no monitoramento a resiliência de bolsonaristas convictos e moderados, unidos na condenação à política externa da administração petista e às declarações do presidente contra os EUA, com diferenças de tom entre os dois conjuntos.
No caso dos bolsonaristas moderados, diz o relatório, o tom foi mais argumentativo, centrado nas consequências práticas da política externa brasileira.
“As críticas foram menos personalizadas e mais voltadas à avaliação de estratégias diplomáticas, com maior preocupação em sugerir alternativas como o diálogo ou a cooperação”, dizem os pesquisadores no relatório.
Como funciona a pesquisa

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A rejeição majoritária dos brasileiros ao tarifaço de Trump apareceu nas primeiras pesquisas de opinião quantitativas feitas pelos instituros Quaest e AtlasIntel – metodologia quando as empresas entrevistam uma amostra da população total e calculam, a partir daí, as porcentagens de apoio.
Mas, no caso do MDP, trata-se de um acompanhamento qualitativo, sem valor estatístico, mas que revela não só a variação no tempo das opiniões como as dinâmicas de informação usadas por esses grupos, dizem os pesquisadores.
Na metodologia da pesquisa, o grupo de bolsonaristas convictos (ou grupo 1) é formado por eleitores que votaram em Bolsonaro no segundo turno em 2022 e aprovam os ataques aos prédios públicos em Brasília em 8 de janeiro de 2023.
Também desaprovam o governo Lula, acham que o ex-presidente é perseguido pelas instituições e não assistem à Rede Globo. São os bolsonaristas convictos.
Os bolsonaristas moderados (ou grupo 2) votaram em Bolsonaro no segundo turno, desaprovam o atual governo, mas também o 8 de janeiro. Não têm consenso sobre se Bolsonaro é perseguido pelas instituições e não rejeitam a Rede Globo.
Há também os eleitores com as chamadas preferências flutuantes (ou grupo 3). Votaram nulo ou branco no segundo turno de 22 e em outros candidatos no primeiro. Em relação aos demais critérios, suas respostas variam.
Já os eleitores que preferiram Lula no segundo turno de 22, mas reprovam o seu governo e respondem de diferentes maneiras aos outros critérios foram batizados lulodescontentes pelos pesquisadores (grupo 4).
Os lulistas estão no Grupo 5. Votaram em Lula no segundo turno e apoiam o seu governo. Aos demais requisitos, dão diferentes respostas.
Na dinâmica da pesquisa, a cada semana três perguntas são postadas nos grupos de WhastApp.
Os mais rápidos para responder, segundo a Carolina de Paula, são os bolsonaristas. Às vezes, reproduzem discursos de líderes, com links – como um vídeo do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), postado por um participante.
“A narrativa deles [bolsonaristas] é muito parecida. Então, existe mesmo essa organização seja via grupo do WhatsApp, seja via outros canais, redes sociais, é sempre mais rápido do que os outros segmentos.”
“Os lulistas são mais lentos. Às vezes, só respondem no dia seguinte. Não parecem acompanhar a política no mesmo ritmo dos bolsonaristas”, completa a pesquisadora do MDP, que também tem como coordenador o cientista político João Feres Júnior.
Quem participa do monitoramento, que se compromete a não revelar as identidades dos eleitores, recebe um valor em dinheiro para seguir no debate, num esquema parecido com os usados em pesquisas de mercado e de eleições.
Mas o WhatsApp, defendem os acadêmicos, “permite que os participantes respondam aos temas colocados no tempo que lhes for mais conveniente”, à diferença dos grupos focais tradicionais, com padrão de interações mais próximo da vida cotidiana.
Grupos no ‘centro’ têm críticas a Moraes

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O MDP registrou no relatório que os grupos bolsonaristas e lulistas, como esperado, divergiram radicalmente na interpretação das ações do ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, e do comportamento de Jair Bolsonaro no 18 de julho.
Enquanto os bolsonaristas expressaram lealdade ao ex-presidente, os lulistas se destacaram por defender enfaticamente a responsabilização e a legitimidade das punições, assinalou o relatório.
Já os grupos intermediários ou de “centro” (grupos de flutuantes e lulodescontentes) apresentaram visões “mais mistas ou ambivalentes”, diz a pesquisa. A atuação de Moraes foi às vezes apontada como “excessiva, personalista ou instrumentalizada”, ainda que os grupos o tenham apoiado majoritariamente.
“Para esses participantes, as medidas judiciais não apenas extrapolaram os limites da legalidade, mas também contribuíram para aprofundar a instabilidade institucional, ao reforçar a ideia de que as regras do jogo político são manipuladas conforme interesses circunstanciais”, diz o texto.
Uma trabalhadora autônoma de 36 anos, que mora em São Paulo e é uma “flutuante”, escreveu, em tom irônico, ser “meio maluco” falar em independência do Judiciário no Brasil. Segundo ela, Alexandre de Moraes “faz o que bem entende”.
“Os caras estão desde que o Lula assumiu a presidência só falando do tal do golpe, que eu nem usaria essa palavra ridícula, aquilo não foi golpe, foi vandalismo mesmo, enfim… Aí chega depois de anos luz e nesse momento que o Trump põe o circo para pegar fogo vão lá e prendem assim da noite para o dia”, escreveu ela.
Bolsonaro, no entanto, não foi preso, mas teve medidas restritivas impostas, como o uso da tornozeleira eletrônica e veto a usar redes sociais.
Um analista de sistemas de 27 anos, de São Paulo, também flutuante, afirmou que o “Judiciário brasileiro é uma piada”. “Caça às bruxas como o Trump falou, e eu nem gosto do Trump, mas ele tem razão.”

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A pesquisa detectou ainda, no grupo dos descontentes com Lula, em quem votaram no segundo turno, “opiniões fragmentadas”, com críticas a Bolsonaro e ao Judiciário. “Parte considerou as punições justas, outra parte viu exageros ou perda de rumo institucional”, registrou o relatório. “O grupo expressou descrença generalizada no sistema político.”
O servidor do Paraná que repudiou a imposição do uso de tornozeleira como “exagerado” foi um desses eleitores. Ele escreveu não ver risco “tão alto” de fuga a ponto de justificar a medida. Considerou corretas as demais ações que o STF determinou, devido ao comportamento do ex-presidente, a quem também criticou.
“É claro que há também uma necessidade de se discutir uma limitação de algumas ações do Judiciário, mas esse tipo de debate se deve viabilizar sem se misturar bolsonarismo na questão”, diz o servidor.

Crédito, Ricardo Stuckert
‘Ricos contra pobres’ x desigualdade

Crédito, Ricardo Stuckert
Antes do tarifaço, o Monitor do Debate Político seguiu a avaliação dos grupos a respeito da campanha do governo Lula e do PT pela taxação dos super-ricos.
Em junho, o partido de Lula lançou uma campanha pela taxação dos mais ricos, chamada de “taxação BBB”: bilionários, bancos e bets.
Já o governo Lula tenta aprovar no Congresso a insenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, tendo como forma de compensação aumentar o imposto sobre os contribuintes mais ricos (renda mensal acima de R$ 50 mil).
Dos bolsonaristas aos lulistas, todos os conjuntos de participantes reconheceram que a desigualdade social no Brasil é real e grave. No entanto, a atribuíram a causas diferentes e, em muitos casos, repudiaram a defesa do antagonismo entre as classes (pobre x ricos) e acusaram o governo federal de oportunismo.
“As falas dos participantes revelaram um diagnóstico unânime de que a divisão entre ricos e pobres no Brasil é profunda, antiga e escancarada”, apontou o MDP.
Muitos relataram que essa divisão se manifesta não apenas nas condições materiais, mas também nas oportunidades de vida, nos ambientes frequentados e até no modo como as pessoas são tratadas na sociedade, relatam os pesquisadores.
Em vários depoimentos, visão foi de que os ricos desfrutam de privilégios e ambientes exclusivos, enquanto os mais pobres enfrentam dificuldades constantes e barreiras estruturais que dificultam o acesso a serviços básicos e de qualidade.
Para os bolsonaristas convictos, porém, a injustiça social no Brasil é causada pela “corrupção política” e pelo discurso dos governos de esquerda, que acentuariam os conflitos na sociedade sem resolver o problema.
Bolsonaristas moderados e lulodescontentes manifestaram desconfiança sobre o uso político do discurso de combate à desigualdade pelo governo. Já eleitores flutuantes reconheceram que há desigualdade no acesso a saúde, educação e oportunidades, e os lulistas defenderam a proposta do governo de taxação dos mais ricos e em sua maioria validaram o discurso do governo como representativo.
“Os segmentos mais de centro e moderados estão cansados do conflito. O desafio para a comunicação do governo é apresentar a questão do modo que fuja da luta de classes”, avalia Carolina de Paula.
“Por isso foi tão assertiva essa campanha em que o cerne é a diferença no pagamento nos impostos [entre os super-ricos e camadas mais pobres]. Usaram a retórica da injustiça e não do conflito.”
Fonte.:BBC NEWS BRASIL