
Crédito, Alamy
- Author, Greg McKevitt
- Role, BBC Culture
Os cientistas vinham trabalhando na invenção da televisão desde os anos 1850. Mas foi preciso um inventor independente, usando faróis de bicicleta, restos de madeira e latas de biscoitos, para que ela se tornasse realidade.
John Logie Baird (1888-1946) era um inventor em série que havia atingido relativo sucesso, até conseguir sua grande descoberta.
Filho de sacerdote, Baird enfrentou problemas de saúde na maior parte de sua vida. Por isso, os médicos o declararam inapto a servir na Primeira Guerra Mundial (1914-1918).
Ele começou, então, a trabalhar em uma companhia de eletricidade, mantendo paralelamente uma intensa linha empresarial.
Inspirado pelo conto O Fabricante de Diamantes, do seu ídolo, o escritor de ficção científica H.G. Wells (1866-1946), Baird tentou produzir diamantes artificiais a partir de carbono, com intenso consumo de eletricidade. Mas só o que ele conseguiu foi derrubar parte do abastecimento de energia da cidade de Glasgow, no Reino Unido.
Sua desastrosa tentativa de encontrar uma cura doméstica para as hemorroidas também só fez criar uma amostra daquele tipo de atividade que, no futuro, receberia o alerta dos apresentadores de televisão: “Não tente fazer isso em casa.”
Mesmo com esses fracassos, Baird conseguiu algum sucesso comercial.
Em 1923, usando o capital obtido com a venda das suas empresas de meias e sabão, ele alugou instalações modestas em Hastings, no litoral sul da Inglaterra.
O ar marítimo fez bem aos seus pulmões enfraquecidos, mas o ambiente de trabalho era um pesadelo, em termos de saúde e de segurança.
Baird montou um laboratório para começar seus experimentos com televisão. Ele construiu seu aparelho de forma improvisada, usando materiais de sucata, como uma velha caixa de chá equipada com um motor.
No centro do sistema de Baird, havia um grande disco que girava em alta velocidade, para escanear imagens, linha após linha, usando fotodetectores e iluminação intensa. Estes sinais eram transmitidos e reconstruídos para produzir figuras em movimento.
Um dia, ele conseguiu transmitir uma silhueta. Foi ali que o sonho de décadas, de criar a televisão, finalmente entrou em cena.

Crédito, Keystone via Getty Images
Baird se queimou com um choque elétrico no seu laboratório de Hastings. Com isso, chegou a hora de se mudar para as luzes brilhantes de Londres.
O inventor alugou um apartamento no andar de cima de um estabelecimento comercial, em 22 Frith Street, no distrito de Soho. Ali, ele montou um novo laboratório.
Seu aparelho mecânico emitia tanto calor que as pessoas tinham dificuldade para suportar sua intensidade. Por isso, Baird precisava usar para os seus experimentos um boneco de ventríloquo, que ele batizou de Stooky Bill.
Mas, no dia 2 de outubro de 1925, Baird, então com 37 anos, conseguiu uma cobaia humana e fez uma descoberta inacreditável.
William Taynton, um office-boy de 20 anos de idade, trabalhava no andar térreo do prédio onde ficava o laboratório improvisado de Baird. Ele contou à BBC, 40 anos depois, como tudo se passou:
“O sr. Baird desceu correndo, tomado pelo entusiasmo, e quase me arrastou para fora do escritório, para que eu fosse até o seu pequeno laboratório.”
“Acho que ele estava tão empolgado naquele momento que as palavras não saíam. Ele quase me agarrou e queria que eu subisse as escadas o mais rápido possível.”

Crédito, SSPL via Getty Images
Taynton contou que, quando se deparou com o decrépito estado do laboratório de Baird, sentiu vontade de voltar correndo para descer as escadas.
Primeiro, ele precisou encontrar um caminho através dos fios pendurados do teto que se espalhavam por todo o chão.
“O aparelho que ele usava naquela época era uma balbúrdia”, relembrou Taynton.
“Sim, ele tinha discos de cartão, com faróis de bicicleta e outras coisas, lâmpadas de todo tipo, baterias velhas e motores muito antigos, que ele usava para fazer o disco girar.”
Baird colocou Taynton em frente ao seu transmissor. Como ser humano, ele poderia oferecer os movimentos necessários, o que era impossível para o valente Stooky Bill.
Taynton disse que ficou assustado quando começou a sentir o calor das lâmpadas. Mas Baird garantiu que ele não tinha nada com que se preocupar.
“Ele desapareceu e desceu até o ponto de recepção, para ver se conseguiria ver a imagem”, relembrou Taynton. “Fiquei posicionado, mas só consegui ficar ali parado por pouco mais de um minuto, devido ao terrível calor daquelas lâmpadas, e me afastei.”
Para compensar o seu trabalho, Baird colocou meia coroa (dois xelins e seis pence) nas mãos de Taynton — “o primeiro cachê da televisão” — e o convenceu a voltar para sua posição.

Crédito, Getty Images
Para capturar algum movimento, Baird pediu que ele mostrasse a língua e fizesse expressões engraçadas. O pânico de Taynton aumentava cada vez mais e ele gritou, dizendo que estava “sendo assado vivo”.
“Ele gritou de volta, ‘aguente mais alguns segundos, William, alguns segundos, se você puder’.”
“E assim eu fiz e, realmente, fiquei parado pelo máximo de tempo que consegui, até que não suportei mais e saí de foco naquele calor terrível. Era muito desconfortável”, relembrou Taynton à BBC.
“E, com isso, o sr. Baird veio correndo do ponto de recepção, com seus braços levantados, e disse: ‘Eu vi você, William, eu vi você! Consegui a televisão, finalmente, a primeira imagem verdadeira de televisão.'”
Nos lares de todo o mundo
Taynton não fazia ideia do que era a “televisão”.
Baird, então, sugeriu que eles invertessem os papéis. Taynton ficou feliz em sair “porque ele me parecia tão entusiasmado e meio maluco naquele momento”.
Ele olhou por um pequeno túnel e observou “uma imagem minúscula, de cerca de 5 x 8 cm”.
“Repentinamente, o rosto de Baird apareceu na tela”, relembrou Taynton. “Você conseguia ver seus olhos se fechando, sua boca e os movimentos que ele fazia.”
“Mas aquilo não era bom. Não havia definição; você só via a sombra e todas aquelas linhas correndo para baixo. Mas era uma imagem e estava se movendo.”
“Era a principal conquista de Baird. Ele havia conseguido uma verdadeira imagem de televisão.”

Crédito, Getty Images
Ainda dominado pela empolgação, Baird perguntou a Taynton o que ele achava da sua criação.
“Fui sincero com ele e respondi ‘não acho muita coisa, sr. Baird. É muito rudimentar. Consegui ver o seu rosto, mas não havia definição, nem nada ali.’ Ele disse que não, que aquilo era o começo.”
No dia 26 de janeiro do ano seguinte, Baird fez a primeira demonstração pública da televisão no mundo. Sua máquina pioneira acabou sendo superada pela tecnologia desenvolvida por empresas com mais recursos, mas ele havia aberto o caminho para tudo o que viria em seguida.
Em 1951, cinco anos depois da morte de Baird, aos 57 anos, Taynton retornou ao prédio em 22 Frith Street, em Londres, para a inauguração de uma placa azul comemorativa.
O então presidente da Sociedade da Televisão do Reino Unido, Robert Renwick (1904-1973), declarou aos presentes que, “embora esta placa cerimonial esteja no coração de Londres, seu verdadeiro legado está na floresta de antenas que se espalha por todo o país”.
Poucos anos depois de Taynton relembrar seu importante papel na história da televisão, pessoas de todo o mundo ficaram grudadas aos seus aparelhos para assistir ao pouso do homem na Lua.
A ficção científica havia se tornado ciência real.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL