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17 de junho de 2025

Terapias de milhões: o que está por trás do…

Terapias de milhões: o que está por trás do…

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“Ver minha filha poder andar, correr, falar e me chamar de mãe vai ser excelente. Posso viver a maternidade de uma forma diferente”, afirmou à imprensa Millena Brito, mãe da primeira criança a receber “o medicamento mais caro do mundo” pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

O fármaco em questão, o Zolgensma, custa R$7 milhões a dose. Trata-se de uma terapia gênica que corrige a alteração genética por trás da atrofia muscular espinhal (AME) tipo 1, doença rara e degenerativa provocada que dificulta a sobrevivência dos neurônios motores, levando à perda da força muscular e dos movimentos.

A condição se manifesta logo nos primeiros meses de vida e é uma das principais causas genéticas de morte na primeira infância, pois incapacita os bebês de se movimentarem, engolirem o leite materno ou alimentos e até respirarem.

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Estima-se que um a cada 10 mil nascidos tenha AME. É um grupo de mães, pais e crianças com muitas necessidades não atendidas — e que agora têm à disposição, gratuitamente, um tratamento eficaz que pode mudar o curso de uma doença fatal.

O Zolgensma é o exemplo mais notável dos medicamentos de alto custo, cada vez mais presentes na realidade dos brasileiros. A seguir, entenda como o preço de novas tecnologias na saúde é definido e o que pode ser feito para promover o acesso à população.

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Primeira família a se beneficiar da disponibilidade da terapia gênica Zolgensma no SUS (Igor Evangelista/Ministério da Saúde/Reprodução)

Por que há remédios tão caros?

O principal gasto vem da pesquisa e desenvolvimento (P&D) dos novos medicamentos.

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“O desenvolvimento leva, em média, 12 anos e, nesse período, são gastos desde centenas de milhões até 1 bilhão de dólares para se chegar a uma fórmula segura e eficaz”, explicou o médico Eli Lakryc, diretor de assuntos médicos da Bayer na América Latina e no Brasil, em evento com jornalistas promovido pela publisher Galápagos Newsmaking.

Ao redor do mundo, estima-se que mais de 6 mil medicamentos estejam sendo estudados em humanos. Desses, apenas algumas dezenas chegam à aprovação para uso. 

São fármacos que cada vez mais estão focados em tratar doenças raras e que, até então, nunca tiveram uma terapia satisfatória. A oncologia é a área em que mais se investe, alvo de um quarto dos ensaios. Desses, 40% focam em cânceres pouco frequentes.

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Na última década, 169 medicações foram aprovadas para o tratamento de tumores malignos. Terapias celulares, terapias-alvo e imunoterapias são as principais categorias em desenvolvimento, marcando uma nova fase no combate à doença — que, até 2030, deve se tornar a principal causa de morte em todo o mundo.

Mas o processo de criação de um novo remédio pode ser barateado. “Uma parte do custo da inovação vem de ineficiências no próprio modelo de desenvolvimento“, avalia Elize Massard da Fonseca, professora da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV-EAESP).

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Segundo a especialista em economia da saúde, políticas de transparência, modelos de inovação colaborativa e compartilhamento de dados entre empresas pode agilizar o processo, bem como poupar tempo e dinheiro.

Quem define o preço?

Antes de chegar a um montante, o medicamento precisa passar por várias fases de estudo em humanos para comprovar que funciona e pode ser consumido pela população.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) avalia a eficácia e a segurança da substância e, uma vez liberada, a precificação entra em pauta.

O órgão responsável por essa fase é a Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED). A entidade, vinculada à Anvisa, é composta por membros de diversos ministérios (como os da Saúde, Economia e Casa Civil) e define o valor máximo cobrado por um medicamento — a depender também de quem está comprando.

“O preço máximo pode variar entre mercados privado [voltado a hospitais e clínicas], público [adquirido por governos] e varejo [as farmácias]”, explica Silvia Sfeir, especialista em acesso à saúde e diretora executiva de Vendas e Acesso ao Mercado da Bayer no Brasil.

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A definição de um preço máximo não implica necessariamente que o valor que vai chegar às farmácias seja o mais caro.

Em março, por exemplo, foi divulgado que o preço do Mounjaro, um análogo do GLP-1 para o tratamento do diabetes tipo 2 e obesidade, era de R$3 791 por caixa (que rende um mês de tratamento). Contudo, o valor encontrado nas farmácias quando o medicamento da Eli Lilly começou a ser vendido em maio partia de R$1 700.

Um dos principais fatores que influencia a definição do valor máximo de um medicamento pela CMED é a precificação por referência externa (ERP, na sigla em inglês), ou seja, quanto a droga já está valendo no exterior.

“O objetivo é evitar que a indústria farmacêutica cobre preços muito mais altos em um país do que em outros, porém, isso tem limitações”, assinala Fonseca. “Não leva em conta as diferenças econômicas, sociais e de sistemas de saúde entre os países.”

Além disso, também são levados em consideração os benefícios do novo fármaco comparados a outros tratamentos já disponíveis, os custos de produção e o impacto no SUS, entres outros fatores.

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Como pagar por tudo isso?

Com preços que muitas vezes ultrapassam um salário mínimo e chegam a valores astronômicos, como no caso das terapias gênicas, é necessário formular políticas para garantir o acesso da população aos novos tratamentos e e criar novos mecanismos regulatórios pra coibir a inflação de preços — contendo a dívida pública com os novos gastos.

Segundo levantamento publicado no livro Tecnologias e Preços no Mercado de Medicamentos, lançado em 2024 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 20 drogas concentram mais de 60% dos gastos federais com medicamentos (o que representa uma conta de aproximadamente 60 bilhões de reais). Anticorpos monoclonais e biológicos, que geralmente são de alto custo, estão entre as tecnologias que mais pesam na conta. 

Com o envelhecimento da população e o aumento do uso dessas medicações, cujas indicações e aplicações só crescem, a necessidade de traçar estratégias para oferecer essas tecnologias a quem precisa fica mais preemente. 

Brasil é pioneiro

Há formas de facilitar o pagamento de medicamentos de alto custo por governos. Para o Zolgensma, por exemplo, foi firmado um acordo de compartilhamento de risco, no qual o valor é parcelado por alguns anos e pago mediante a eficácia do tratamento. Os valores são pagos conforme o paciente atinge certos marcos e apresenta melhora na saúde.

“O Brasil é pioneiro em estratégias criativas para reduzir o preço de medicamentos de alto custo e, em muitos casos, serve de modelo para outros países”, ressalta a professora da FGV.

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Alguns planos enfrentam controvérsias. “Um exemplo é o uso da ameaça de quebra de patente e a aposta na produção local, adotada no início dos anos 2000”, cita a acadêmica.

Outra tática é a transferência de tecnologia para produção de medicamentos. “É uma alternativa muito eficiente para a produção e distribuição de drogas pelo SUS, que ajuda a manter o tratamento de diversas doenças, do diabetes ao HIV, a milhões de brasileiros”, pontua Graziela Zucolato, economista e pesquisadora do IPEA. 

Para Zucolato, a concentração da compra de medicamentos de alto custo pelo governo federal, por meio do Ministério da Saúde, é também uma vantagem para negociar os preços e a forma de pagamento com a indústria farmacêutica.

“É uma abordagem que pode facilitar a administração pública, o poder de barganha e fortalecer a garantia de que a população terá acesso aos tratamentos necessários”, reflete. 

Cerca de três quartos da população brasileira depende exclusivamente do SUS para receber atendimento à saúde — e, no futuro, boa parte pode precisar de tratamentos de alta complexidade.

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Fonte.:Saúde Abril

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