
Crédito, Daniel Arce Lopez/ BBC
- Author, Do programa Outlook
- Role, Serviço Mundial da BBC
Em 2003, o jovem montanhista americano Aron Ralston tomou a incrível decisão de amputar a própria mão com um canivete.
Ele estava fazendo uma caminhada em um cânion no Estado de Utah quando uma rocha de 350 quilos se desprendeu e caiu sobre seu braço direito, prendendo sua mão contra a parede.
Ele ficou preso por cinco dias, até tomar a decisão radical que acabou salvando sua vida.

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Aron Ralston tinha 27 anos em maio de 2003. Era um montanhista experiente acostumado a condições extremas e que gostava de desafios. Por isso, a caminhada que faria sozinho pelo Bluejohn Canyon, no Estado de Utah, era para ser, em comparação com suas aventuras habituais, como um passeio no fim da tarde.
Ele queria aproveitar o sol, o calor e a areia de Utah, depois de enfrentar um inverno frio cheio de neve em Boulder, no Colorado, onde morava. Em entrevista ao programa Outlook, da BBC, ele contou como era esse cânion que ele visitou.
“O cânion era do tipo slot canyon, com várias fendas estreitas e profundas”, contou ele ao programa Outlook, da BBC. “O cânion em que eu estava devia ter um metro de largura, e uma profundidade de 15 a 20 metros. O lugar parecia um corredor afundado no deserto. Esses lugares são esculpidos por inundações de águas de chuvas, que se movem em grandes torrentes por esses corredores, coletando detritos, incluindo rochas e pedregulhos que acabam ficando presos entre as paredes.”
Aron estava descendo esse cânion e passou por cima de uma das grandes rochas que tinham sido movidas por inundações e que ficaram presas entre as paredes.
Quando passou por cima da rocha, ela se moveu e prendeu sua mão direita entre a pedra e um dos lados da parede. Ele ficou de pé no fundo do cânion, com a mão sendo esmagada pela rocha presa entre as duas paredes do cânion.
“Eu fiquei em pânico, apavorado. Minha reação foi que nem a de um bicho. E tentava desesperadamente libertar minha mão, tentando usar a adrenalina no meu sangue para levantar a pedra ou, de alguma forma, movê-la. Na minha cabeça, se eu tinha feito a rocha se mexer, conseguiria movê-la de novo. Mas porque ela não estava se movendo??”.

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‘Comecei a gravar minhas despedidas’
“Passei quase uma hora naquele espaço apertado tentando levantar a pedra. Meu ombro esquerdo estava a alguns centímetros da parede e meu ombro direito, também, a alguns centímetros da outra parede. Eu estava de pé ali, preso, nesse espaço de cerca 1 metro, com a mão presa entre a rocha e a parede, a 15 metros de profundidade.”
“Eu sentia muita dor. Não sentia a mão direita, mas sentia a dor no pulso, que estava sendo esmagado pela rocha. A circulação foi interrompida e a mão morreu logo depois. A única vantagem é que eu não tinha me machucado, eu não havia quebrado minha perna ou sofrido alguma concussão.”
Na mochila, Aron levava cintos e arreios de escalada, cordas, mosquetões, algumas correias e um canivete, do tipo canivete suíço com várias pequenas ferramentas. A primeira ideia que teve foi a de usar esse canivete para lascar a rocha ao redor da mão.
“Foi muito patético. O canivete definitivamente não foi feito para isso. Na verdade, eu estava causando mais danos à faca e à minha mão do que à rocha. Levei cerca de 15 horas para remover um volume de arenito equivalente a talvez metade de uma bola de golfe.”
Outra ideia que abandonou rapidamente foi a de amputar o braço. Ele achou que isso simplesmente não seria viável.
“A faca do canivete nunca atravessaria os ossos, a lâmina era completamente cega.”
Aron não tinha avisado ninguém sobre sua excursão. Ele estava escondido da superfície, no fundo de um cânion, com a mão presa e ninguém tinha ideia disso.
Ele dava pequenos goles dos 350 ml de água que tinha, e comia nacos dos dois burritos que tinha trazido. Achava que não sobreviveria a tempo de ser encontrado naquele lugar remoto.
Certo que morreria ali, começou a gravar vídeos se despedindo dos entes queridos.
“Comecei a gravar minhas despedidas dos meus pais, minha irmã…Eu deixei claro que não ia me matar, que não ia acabar com isso prematuramente ou agir contra mim mesmo. Comecei a dizer adeus, que eu amava eles e pedia desculpas por ter me metido nisso.”
No quarto dia, Aaron estava desidratado, sem comida e bem fraco. Ele não conseguia dormir por causa da dor, da posição em que estava, de pé, e especialmente, porque a temperatura caía drasticamente e fazia muito frio à noite.
Quando veio a quinta noite, ele achou que seria a última, que não acordaria para mais uma manhã. Chegou até a fazer uma inscrição na parede, com seu nome, data de nascimento e data da morte. E a noite veio, trazendo uma visão.
“E então eu tive essa visão, uma premonição na verdade. Eu estava interagindo com um garotinho. Eu me via com um braço direito sem mão e eu levantava esse garotinho na sala de estar. E a forma como interagimos insinuava que esse era meu futuro filho, e que isso significava que eu ia sair de lá.”
“Isso me deu coragem nesse momento, nas piores horas de toda essa experiência, nessa última noite. Me vi no futuro com um filho que ainda não tinha. Isso me deu a sensação de que poderia superar isso de alguma forma.”
“Quando a manhã chegou, foi uma manhã que eu nunca pensei que veria. E então eu tive a epifania de como resolver o enigma que estava empacado na minha cabeça. Como posso cortar meu braço com uma faca sem fio com a qual não consigo cortar ossos? E aí eu finalmente percebi: não preciso cortar os ossos, posso quebrá-los.”
“‘Use a rocha, use a rocha’, eu gritava comigo mesmo. Eu estava eufórico. E essa euforia tomou conta de mim e me levou a fazer o que era inimaginável nos primeiros momentos em que fiquei preso. Eu tinha me recusado a sequer pensar nisso. E agora eu estava todo ansioso a amputar o braço.”

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‘Eu sentia tanto dor quanto euforia’
Abraçando a rocha com o braço esquerdo, Aron colocou toda a força do corpo para empurrar o braço direito para dentro, partindo, um a um, os dois ossos do braço, primeiro o rádio, depois a ulna.
“Eles se quebraram cerca de dois centímetros e meio atrás de onde a pedra estava me segurando. Quem já quebrou um osso sabe como é essa dor. Mas pra mim, foi uma dor linda. Eu estava sorrindo, porque sabia que não ia morrer, que ia finalmente sair dali.”
“Depois levei uma hora fazendo essa cirurgia, cortando músculos e veias em um ponto mais ou menos na metade do braço, entre o pulso e o cotovelo. Aí apliquei o torniquete que tinha criado. Consegui mitigar a perda de sangue graças a esse torniquete. Finalmente eu estava livre da rocha. Sabe aquela sensação de libertação?”
“Eu sentia tanto dor quanto euforia. Na verdade, a euforia é que foi o maior desafio, pois eu não queria desmaiar. Assim que me libertei, tive que fechar os olhos, me encostar na parede do cânion e respirar fundo por cerca de 30 segundos para voltar ao ponto em que eu pudesse abrir meus olhos e estar presente ali, sem o risco de desmaiar com a emoção de tudo isso.”
Aron quebrou os ossos e amputou o braço com um canivete. Tudo isso sem anestesia. Com a dor e a quantidade de sangue perdida nessa operação dá para imaginar como seria fácil perder os sentidos ali.
“Foi um grande desafio, não desmaiar. É que eu sabia que, se eu desmaiasse, provavelmente morreria ou, pelo menos, se perdesse a consciência, estaria perdendo um tempo preciosíssimo porque ainda tinha que caminhar. Eu tinha quase 11 quilômetros para voltar para minha caminhonete e depois dirigir talvez duas horas até chegar a um telefone.”

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Aaron colocou o braço em uma tipoia improvisada que fez usando uma pequena mochila, seguiu pelo cânion estreito em que estava, saiu dele e se viu ao lado de um penhasco, uma parede de 20 metros que desceu de rapel.
Na base desse penhasco ele encontrou um riacho, onde, finalmente, pôde matar a sede. Depois, seguiu andando pela trilha de 11 quilômetros em direção a sua caminhonete, sempre tomando cuidado para se manter consciente, apesar da fraqueza e da dor.
“Eu ficava repetindo pra mim mesmo, ‘mais um passo’, ‘mais um passo’. Então, com esse mantra me empurrando, caminhei e caminhei por quase quatro horas. Até que me deparei com uma família que fazia uma caminhada ali.”
Aaron se deparou com uma família holandesa — um casal e seu filho —, que estava de férias nos Estados Unidos e fazia uma caminhada nessa região. Eles lhe deram água e biscoitos e o ajudaram a seguir em frente.
“Andamos por mais meia hora, mas eu estava prestes a desmaiar, não aguentava mais. E eu ainda tinha pela frente uma subida vertical de 200 metros. Eu sabia que não conseguiria. Eu sentia que meu coração estava prestes a se romper devido a todo o esforço e a perda de sangue. Estava muito difícil dar mais um passo.”
“Me virei para o pai dessa família e ia dizer a ele que eu não sobreviveria. Mas ele estava olhando para o céu e balançando os braços. Olhei para cima e vi um helicóptero aparecendo! Foi um milagre, porque não sabia que as pessoas estavam procurando por mim.”
A família de Aaron tinha alertado as autoridades sobre o seu desaparecimento, e as buscas tinham se concentrado nessa região de cânions. Ele foi resgatado aproximadamente quatro horas após ter amputado a mão. Quando chegou ao hospital, estava desidratado, tinha perdido 18 quilos e 25% de seu sangue. Mas teve uma recuperação plena.

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‘O filme começou e eu comecei a chorar’
A mão foi recuperada por uma equipe coordenada por organizações de resgate. Uma equipe de mais de uma dúzia de pessoas levando um guincho e um macaco hidráulico removeu a rocha e resgatou a mão — que foi cremada. Aron retornou ao cânion para espalhar as cinzas ali com “uma oração, para me lembrar das lições e da alegria que senti no momento em que me libertei”.
Aron Ralston escreveu um livro, lançado em 2004, contando essa história que foi transformada no filme 127 Horas, com James Franco e dirigido por Danny Boyle, que recebeu 6 indicações ao Oscar de 2011, inclusive para “Melhor Filme”.
“Inicialmente eu achava que essa história deveria ser contada por um documentário, mas fui persuadido pela visão de Danny Boyle. Ele me disse que eu poderia contar minha experiência em um documentário, mas que isso não teria o impacto de um ator nos levando a essa experiência. E de fato, do jeito que eles contaram a história, com a música, a edição…Quando vi o filme, comecei a chorar 15 minutos depois do filme ter começado. Passei por tudo isso novamente.”
Fonte.:BBC NEWS BRASIL