
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) suspendeu, no último dia 31, a ampliação do projeto-piloto que possibilita a gestão de escolas públicas do estado por Organizações da Sociedade Civil (OSCs). Apesar do pouco tempo de execução, a iniciativa, chamada Projeto Somar, já apresenta resultados positivos, como redução da ausência de professores e melhora no desempenho escolar dos alunos.
O edital suspenso previa o credenciamento de novas organizações filantrópicas para expandir de três para cerca de 200 escolas sob gestão compartilhada com a iniciativa privada. A ação judicial foi movida pelo Sindicato Único dos Trabalhadores de Educação de Minas Gerais (Sind-UTE/MG), que comemorou a decisão da 6ª Turma Cível nas redes sociais.
O governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), também se manifestou sobre a decisão. “Nós iríamos ampliar o projeto, mas por uma reivindicação puramente ideológica do sindicato dos professores, a Justiça de Minas mandou proibir essa iniciativa”, criticou o governador. “Aliás, eu queria muito saber se os mesmos juízes que suspenderam o projeto teriam a coragem de colocar seus filhos e netos em uma escola pública em vez de uma escola particular. Eles atrapalham, prejudicam a vida do mais pobre e o sonho de milhares de jovens”, declarou.
Fernando Schüler, pós-doutor em Ciências Políticas e professor do Insper, também lamentou a decisão do TJMG. “O sindicato tem um óbvio conflito de interesse nessa questão. O Brasil vai começar a pensar a educação de maneira séria quando separar os interesses dos alunos, das famílias, e do país das demandas corporativas”, avalia.
Projeto-piloto Somar tem resultados expressivos em pouco tempo
O desempenho dos alunos participantes do Somar melhorou significativamente no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). A Escola Estadual Francisco Menezes Filho, participante do projeto, saltou de 3,4 pontos em 2017 para 4,5 pontos em 2024, segundo ano da implementação. O Ideb é um dos principais indicadores da qualidade da educação no Brasil, considerando as taxas de aprovação e o desempenho dos alunos nas avaliações do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb).
Uma avaliação da Fundação João Pinheiro demonstrou que indicadores, como a taxa de abandono escolar, apresentaram quedas expressivas, e que ações simples, como o monitoramento constante das metas para diretores, contribuíram para um planejamento mais eficiente.
As escolas da iniciativa se mantêm 100% públicas e gratuitas, financiadas com recursos do estado, mas sob gestão privada. Essa gestão privada possibilitou mudanças como, por exemplo, a contratação de professores via processo seletivo e regime CLT, o que reduziu afastamentos.
Para Thiago Alvim, mestre em Administração pela UFMG, a resistência sindical é bastante articulada, o que dificulta a entrada de inovação. “Qualquer iniciativa que dialogue com uma abertura do setor da educação para parcerias será fortemente rechaçada pelos sindicatos. Eu acho que todo profissional deve ser valorizado, mas quando penso na educação, penso primeiro no aluno”, aponta.
Alvim também explica que, juridicamente, os professores do Somar têm mais garantias que a média da rede estadual. “Metade dos docentes da rede estadual de Minas Gerais não é concursada, eles têm apenas um contrato administrativo precário. Os professores do Projeto Somar são contratados via CLT, ou seja, eles têm mais direitos do que a média da rede pública estadual. Então, não vejo desvalorização de professor”, esclarece.
Especialistas defendem ajustes no edital, não suspensão
O TJMG apontou falhas no edital, como ausência de informações essenciais sobre a gestão, o que poderia comprometer a qualidade do ensino. Em 2024, o Tribunal de Contas do Estado (TCE-MG) também pediu suspensão, alegando falta de clareza sobre o número de escolas e a extensão da delegação pedagógica a organizações privadas.
Para Schüler, a solução deveria ser corrigir os problemas. “O Tribunal pode sanar alguma falha, alguma deficiência, algum erro no edital. Isso é perfeitamente razoável e acontece o tempo todo”, considera.
Wagner Lenhart, diretor-executivo do Instituto Millenium, think thank que atua para o desenvolvimento econômico no Brasil, reforça que as autoridades de controle poderiam determinar ações mais construtivas. “Tem que ter uma disposição de toda a sociedade, – e isso envolve o Tribunal de Contas, o Ministério Público, o Judiciário -, de olhar para esses modelos como uma esperança para milhões de crianças. Muitas vezes, há apego a detalhes ou formalidades, quando há um sistema que não está entregando bons resultados”, destaca.
Parcerias Público-Privadas cresceram no Brasil, mas sofrem resistência
O Brasil já tem casos bem-sucedidos de parcerias público-privadas em áreas como aeroportos, hospitais e parques, mas enfrenta forte resistência na educação, especialmente nos ensinos fundamental e médio.
“Infelizmente, apesar de nós termos um sistema educacional público que, ano após ano, fracassa no seu desafio de oferecer um ensino de melhor qualidade para as crianças, não pensamos em modelos alternativos aqui no Brasil”, lamenta Lenhart.
Para Schüler, é muito importante que haja abertura para diversos modelos em um país tão grande como o Brasil. “A prestação de serviços públicos na educação é feita por um monopólio estatal. Se quisessem impor que as escolas fossem apenas geridas por OSCs, por exemplo, também seria absurdo. O Brasil possui realidades muitos diferentes e, portanto, é saudável que os gestores tenham autonomia para escolher o modelo que melhor funciona em cada realidade”, finaliza.
Fonte. Gazeta do Povo


