
- Author, Leire Ventas
- Role, Da BBC News Mundo em Los Angeles (EUA)
- X, @leire_ventas
“Se as pessoas quiserem deixar de ver as narcolanchas explodirem, elas devem deixar de enviar drogas para os Estados Unidos.”
Esta foi a mensagem do secretário de Estado americano e assessor de segurança nacional, Marco Rubio, em 22 de outubro, quando as forças americanas estenderam para o Pacífico suas operações contra embarcações supostamente carregadas de narcóticos.
Os ataques americanos começaram no dia 2 de setembro e foram realizados no mar do Caribe, exceto em três ocasiões (21, 22 e 27/10). Eles já somam 57 mortos.
No primeiro ataque no Pacífico, em 21 de outubro, forças americanas atingiram quatro barcos supostamente carregados de drogas e mataram 14 pessoas, segundo o secretário da Defesa dos Estados Unidos, Pete Hegseth. Ele afirma que uma equipe de busca e resgate do México resgatou um sobrevivente.
Trump e funcionários do seu governo justificam os ataques como uma medida necessária para combater os cartéis, considerados por eles como “organizações terroristas”, com quem afirmam travar um “conflito armado“.
Os ataques foram realizados sem aprovação do Congresso americano. Eles geraram condenação na região, e especialistas em direitos humanos designados pelas Nações Unidas (ONU) questionaram sua legalidade. Eles chegaram a qualificar os ataques como “execuções extrajudiciais”.
Mas o governo americano já adiantou que não pretende mudar sua estratégia.
“Os ataques continuarão, dia após dia, pois eles não são simplesmente narcotraficantes. São narcoterroristas que trazem a morte e a destruição para nossas cidades”, declarou Hegseth, após um dos bombardeios mais recentes. Ele não ofereceu evidências nem detalhes a respeito.
Analistas afirmam que a droga mais letal presente nos Estados Unidos — o fentanil, um potente opioide sintético — é produzida no México e contrabandeada pela fronteira terrestre entre os dois países. Por isso, muitos se questionam sobre qual seria o real objetivo das operações dos Estados Unidos em alto-mar.
Além disso, o número de apreensões de cocaína no Caribe, onde os EUA reforçaram sua presença militar e produziram a maior parte dos ataques a lanchas rápidas, representam um percentual relativamente pequeno do total da droga apreendida.

Crédito, Pete Hegseth/X
Cada vez mais pessoas indicam que a intenção dos Estados Unidos seria forçar uma mudança de governo na Venezuela.
Há tempos, Trump tenta aumentar a pressão contra o presidente venezuelano, Nicolás Maduro. Os Estados Unidos e outros países não o reconhecem como líder legítimo do país sul-americano, após as questionadas eleições presidenciais de julho de 2024.
Funcionários do governo americano alegaram que Maduro faria parte de uma organização chamada Cartel de los Soles. Segundo eles, esta organização inclui altos oficiais militares e de segurança venezuelanos, envolvidos com o narcotráfico.
Maduro rejeitou as acusações, afirmando que Washington pretende derrubá-lo.
De qualquer forma, de quais países da América Latina e por quais rotas chegam as drogas aos Estados Unidos?
Cocaína da América do Sul
Os especialistas afirmam que os itinerários e as modalidades de transporte dependem de cada narcótico.
As diversas substâncias variam desde o fentanil, as metanfetaminas e a maconha, passando pela heroína, até a cocaína. Elas se originam em diversos países e seguem rotas diferentes.
Mas a maioria acaba ingressando nos Estados Unidos através da sua fronteira com o México.
Em relação ao tráfico de drogas provenientes da América do Sul para o mercado americano, é particularmente preocupante a cocaína, destacou à BBC News Mundo (o serviço em espanhol da BBC) o pesquisador Antoine Vella, do Escritório das Nações Unidas contra as Drogas e o Crime (UNODC, na sigla em inglês).
Mas ele destaca que, além da cocaína, existem outras substâncias que não podem ser totalmente excluídas. Vella também trabalha como diretor da Seção de Dados, Análises e Estatística do UNODC.
Quase toda a cocaína consumida não só nos Estados Unidos, mas também no resto do mundo, é produzida em três países andinos, onde é cultivada a folha de coca: Colômbia, Peru e Bolívia.
“A folha de coca é predominantemente processada em laboratórios nesses três países, para ser transformada no produto de consumo (principalmente cloridrato de cocaína) ou, às vezes, em produtos intermediários, já que algumas partes do processo também podem ser realizadas em uma etapa posterior da cadeia de tráfico internacional”, explica ele.
Dali, ela se dirige para diversos mercados, geralmente de forma indireta, depois de transitar por um ou mais países.
Das nações produtoras, a droga pode cruzar primeiramente os países limítrofes, como o Equador ou a Venezuela, e depois ser transportada por algum tipo de embarcação (como lanchas rápidas, botes pesqueiros ou semissubmersíveis) para o litoral da América Central ou diretamente para o México, seja pelo Pacífico ou pelo Caribe. De lá, ela segue por terra em direção ao norte.

Os dados mais recentes disponíveis da Administração para o Controle de Drogas dos Estados Unidos (DEA, na sigla em inglês) são de 2019. Eles indicam que menos de 1% da cocaína destinada aos EUA foi contrabandeada diretamente.
O banco de dados do governo americano inclui as apreensões e o contrabando detectado.
Estimativas da DEA indicam que a grande maioria da cocaína dirigida aos Estados Unidos passa pelo Pacífico.
Por ali, transitaram cerca de 74% dos embarques dirigidos aos EUA em 2019. E apenas 16% seguiram pelo Caribe ocidental, onde foi registrada a maior parte dos ataques americanos às supostas narcolanchas, segundo a Avaliação Nacional das Ameaças de Droga 2020.
A BBC News Mundo entrou em contato com a DEA para solicitar dados atualizados. Mas uma mensagem automática indicou que, enquanto durar a atual interrupção das dotações orçamentárias (o fechamento do governo americano), as funções da agência antidrogas estarão limitadas à segurança nacional, às violações às leis federais e às tarefas essenciais da segurança pública.
A solicitação de informações recentes enviada pela BBC à Força-Tarefa Interagências Conjunta do Comando Sul (um dos 10 comandos do Departamento de Defesa americano, cuja jurisdição compreende os países latino-americanos, exceto o México) recebeu resposta similar.
Mas as especialistas consultadas pela BBC News Mundo concordam que os percentuais mencionados acima ainda estariam vigentes.
“Estamos falando de mercados ilícitos e, por isso, tudo o que temos são estimativas com base nos confiscos”, declarou a analista Elizabeth Dickinson, do International Crisis Group.
“Mas, com base no número de apreensões, dados oficiais e conversas com forças de segurança regionais, tudo indica que o Pacífico seja a rota dominante.”

O Centro Internacional de Pesquisa e Análises contra o Narcotráfico Marítimo (CIMCON, na sigla em espanhol) chegou a uma conclusão similar.
“Nos últimos cinco anos, o Pacífico se consolidou como uma das principais rotas de saída da cocaína produzida na Colômbia, no Peru e na Bolívia”, destaca a organização.
Com sede em Cartagena, na Colômbia, o CIMCON faz parte da marinha colombiana, mas conta com pesquisadores e autoridades navais de outras nações, como Brasil, México, Equador e Holanda.
As apreensões de cocaína informadas pelo organismo na região do Pacífico entre 2020 e 2024 somam cerca de 1,5 mil toneladas.
“A apreensão de drogas na região aumentou significativamente, especialmente no Equador, onde se registrou um crescimento de 380% das apreensões marítimas. Este aumento indica aumento do tráfico de drogas e maior eficácia das operações de interdição”, segundo um relatório recente do organismo.

O Caribe e o ‘efeito bexiga’
Atualmente, o Caribe não é a mesma rota predominante da década de 1980, quando os cartéis colombianos traficavam a droga para o sul da Flórida.
Mas sua relevância não deve ser subestimada, segundo a professora Lilian Bobea, da Universidade Estadual de Fitchburg, no Estado americano de Massachusetts. Suas linhas de investigação incluem a indústria da droga, especialmente na região do Caribe.
“A República Dominicana sempre foi um ponto importante do narcotráfico, através da região caribenha, bem como Porto Rico”, explica ela.
“E, na última década ou nos últimos 15 anos, os países insulares menores, como Trinidad e Tobago ou Curaçao, também se incorporaram à rota europeia e para os Estados Unidos.”
Hoje, a maior pressão dos Estados Unidos sobre o México para combater o narcotráfico na fronteira, ao lado do aumento da produção e do consumo, “está revitalizando o Caribe”, explica a professora.
Bobea chama o fenômeno de “efeito bexiga”, ou balão: “Você aperta por um lado e o ar vai para o outro. Isso descreve muito bem o mecanismo das rotas.”

Com mais de 3.708 toneladas, a produção estimada de cocaína em todo o mundo atingiu novo recorde em 2023.
Os dados mais recentes, incluídos no Relatório Mundial de Drogas 2025, publicado pelo UNDOC, indicam que os níveis cresceram em pouco mais de um terço (34%) em relação ao ano anterior.
Segundo a mesma fonte, o número de consumidores de cocaína no planeta também continua aumentando.
Estima-se que 25 milhões de pessoas tenham consumido a droga em 2023, contra 17 milhões em 2013. A América do Norte, a Europa ocidental e a América Central e do Sul continuam sendo os maiores mercados.
Tendo em vista o consumidor americano, os traficantes também transportam cocaína, embora em menor quantidade, por meio de voos clandestinos, principalmente para o México e a América Central.
Com sua fronteira com a Colômbia, o maior produtor de cocaína do mundo, a Venezuela é um ponto de partida para estes voos, segundo dados coletados pelo UNODC no seu Relatório Mundial de Drogas 2025.
Como ocorre com outras modalidades, quando a cocaína chega ao México ou à América Central por via aérea, a maior parte da droga é transportada para o norte por terra e entra nos Estados Unidos pela fronteira terrestre. E, em muitos casos, pelos portões de entrada oficiais.
Fentanil, do México
Os especialistas concordam que o fentanil (relacionado a uma “epidemia de overdose” nos Estados Unidos) não viaja por nenhuma dessas rotas da cocaína.
Este tipo de morte diminuiu em 27% entre 2023 e 2024, atingindo o menor nível em cinco anos. E a queda foi de 37% nos casos relacionados especificamente ao consumo do opioide sintético. Mas o fentanil continua sendo o principal causador deste tipo de morte.
Em 2024, o fentanil levou 48,4 mil pessoas à morte por overdose nos EUA. Este número representa cerca de 60% do total, segundo dados recentes dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC, na sigla em inglês).
“Não temos evidência de que a cadeia de fornecimento do fentanil ilícito envolva significativamente a América do Sul”, segundo Vella.
Utilizado também na medicina e na veterinária, existe um percentual muito menor de fentanil nos mercados ilegítimos, desviado da cadeia de abastecimento legal.
A DEA, o Departamento de Justiça e o serviço de Investigação do Congresso indicam que o fentanil ilícito é produzido quase totalmente no México, com matéria-prima importada de países da Ásia, incluindo a China. E os cartéis mexicanos controlam tanto a matéria-prima quanto o tráfico da droga.

Mas, ao anunciar o ataque no Caribe contra um submarino no qual morreram duas pessoas, Trump escreveu na sua rede TruthSocial que “a inteligência americana confirmou que o navio era carregado principalmente com fentanil e outras drogas ilegais”.
O presidente americano acrescentou que a operação “evitou a morte por overdose de 25 mil americanos”.
“Eles deveriam oferecer as evidências, se é que as têm. Nós nunca as vimos”, declarou Elizabeth Dickinson a respeito.

Crédito, Truth Social
Luta contra as drogas ou mudança de regime?
Dickinson apresenta também uma dúvida já levantada por outros analistas: o governo Trump realmente pretende combater os cartéis com os ataques aos barcos supostamente carregados com drogas ou seu objetivo é outro?
“Trata-se de uma [tentativa de] mudança de regime”, declarou à BBC o pesquisador Christopher Sabatini, do Programa de América Latina, Estados Unidos e Américas do centro de estudos Chatham House, de Londres. Ele se refere ao bombardeio de embarcações e ao aumento da presença militar americana no Caribe.
Trump destacou oito navios de guerra, um submarino nuclear e aviões de combate para o Caribe. A eles, irá se somar o maior porta-aviões do planeta, o USS Gerald R. Ford.

Crédito, AFP via Getty Images
Paralelamente, as tensões entre o governo Trump e o presidente colombiano, Gustavo Petro, também não deixaram de aumentar, desde os ataques a supostas narcolanchas no Oceano Pacífico.
Trump acusou Petro de ser “líder do narcotráfico”, que “incentiva ativamente a produção em massa de drogas, em campos grandes e pequenos, em toda a Colômbia”.
Na sexta-feira (24/10), o governo americano incluiu Petro na lista do Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros do Departamento de Estado, que designa e impõe sanções econômicas e comerciais a indivíduos que representem ameaça à segurança nacional, à política externa ou à economia americana.
“Lutar contra o narcotráfico durante décadas, de forma eficaz, traz esta medida do governo daquela sociedade que tanto ajudamos a deter seu consumo de cocaína”, respondeu Petro à sua inclusão na lista OFAC. “É um total paradoxo, mas [não darei] nem um passo atrás e nunca ficarei de joelhos.”
Prevê-se que este não será o último capítulo de uma história de tensões e ameaças que crescem e diminuem ao longo do tempo.
* Mapas de Caroline Souza e imagem inicial de Daniel Arce, da equipe de Jornalismo Visual da BBC News Mundo.
* Com colaboração de Ione Wells, correspondente da BBC News na América do Sul, Joshua Cheetham, da BBC Verify, e de Bernd Debusmann Jr., da BBC News na Casa Branca.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL