Aproveitando o desprezo de Donald Trump pelo multilateralismo, a China está fazendo um esforço para expandir a sua influência na ONU com o objetivo de promover a agenda de Pequim de forma mais agressiva, segundo diplomatas ocidentais.
Após cortes na ajuda externa dos EUA que provocaram o que pode ser a reestruturação mais radical da ONU em décadas, a China intensificou suas tentativas de preencher o vácuo, especialmente no centro diplomático suíço de Genebra, disseram autoridades ao Financial Times.
Isso inclui o aumento de pessoal, a construção de coalizões de voto e, em alguns casos, contribuições financeiras para consolidar sua posição.
Agências de interesse particular para a China incluem a União Internacional de Telecomunicações (UIT), que define padrões globais de comunicação, e a Organização Mundial da Saúde (OMS), de acordo com as autoridades.
A China busca há muito reforçar sua influência em Genebra e vem expandindo sua presença em agências da ONU por quase uma década, especialmente em áreas ligadas ao desenvolvimento, tecnologia e padrões técnicos. Embora contribua com mais de 15% do orçamento regular da ONU, atrás apenas dos 22% dos EUA, a China ainda está sub-representada no quadro de pessoal.
Um estudo de Shing-hon Lam (Universidade da Califórnia) e Courtney J Fung (Universidade Macquarie) mostrou que a China tinha cerca de 1.600 funcionários na ONU em 2022, contra mais de 5.000 dos EUA.
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Autoridades ocidentais observaram um novo impulso desde que o governo Trump começou a se afastar da ONU, provocando um aperto financeiro que levou a instituição a reformas profundas.
A China tem se mostrado particularmente proativa na reforma conhecida como Iniciativa ONU80, que pode incluir fusões de departamentos e simplificação das operações.
Um alto funcionário ocidental, informado sobre discussões internas da ONU, disse que a China está expandindo sua presença “nas instituições da ordem multilateral e, então, usando essa influência para gradualmente orientá-las para sua própria visão de mundo”.
O que a China quer na Europa
Lu Xiaoyu, professor da Universidade de Pequim e ex-consultor da ONU, disse que a China apoia “reformas necessárias e equitativas” da ONU sob a ONU80. Pequim defende “maior representação do chamado Sul Global [o grupo de países emergentes ou em desenvolvimento], respeito à soberania nacional e uma ordem multilateral”.
“Com a possível fusão de agências de desenvolvimento na ONU80, a China está bem posicionada para expandir sua influência no campo do desenvolvimento internacional”, afirmou, acrescentando que, como segundo maior contribuinte para missões de paz da ONU, é provável que o país obtenha mais cargos de alto escalão.
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Um porta-voz do Ministério das Relações Exteriores disse que a China apoia a ONU “em responder a novas circunstâncias e tarefas, reforçando o compromisso de todos com o multilateralismo, aumentando a eficiência por meio da reforma, elevando a capacidade de enfrentar desafios globais e de desempenhar melhor seu papel nos assuntos internacionais”.
A China também se tornou mais sofisticada em sua atuação no sistema, segundo um ex-diplomata da ONU baseado em Genebra. Outro diplomata europeu afirmou que a China se apresenta como um “intermediário honesto” em resposta à política truculenta de Trump.
Em resposta, autoridades da UE começaram a se coordenar mais estreitamente com outros governos ocidentais, tentando replicar o papel que normalmente era feito pelos EUA.
Investimentos e posições estratégicas
Este ano, a China se comprometeu a doar US$ 500 milhões à OMS em cinco anos, parte do qual envolve a colocação de pessoal técnico e consultivo.
Na Assembleia Mundial da Saúde em Genebra, em maio, o vice-premiê chinês Liu Guozhong expressou apoio a reformas internas na OMS e prometeu apoio financeiro e de pessoal.
A China também venceu uma disputa para sediar a Conferência Mundial de Radiocomunicações de 2027, o fórum mais influente da UIT, que será realizado em Xangai.
A China busca influenciar políticas e nomeações aproveitando seus laços com países em desenvolvimento na ONU, especialmente via Grupo dos 77, uma coalizão de 133 países do chamado Sul Global.
Além de Genebra, a China aumentou sua presença em cargos sênior da ONU este ano, nomeando nacionais chineses como coordenadores residentes na Botsuana e nas Maldivas, e recentemente como enviado especial da ONU para o Chifre da África.
A ONU afirmou que “todos os Estados-membros tentam exercer influência para obter apoio aos seus objetivos” e que espera que “todos os funcionários da ONU atuem como servidores civis internacionais, não como representantes de seus governos nacionais”.
Fonte.:Folha de S.Paulo