O esforço diplomático dos Estados Unidos para chegar a um cessar-fogo entre Rússia e Ucrânia começou uma semana decisiva nesta segunda-feira (15), com o presidente Donald Trump afirmando que a chance de paz “está mais próxima do que nunca”.
Diferentemente de outras ocasiões, seu usual otimismo foi partilhado pela sempre cética Alemanha, cujo primeiro-ministro Friedrich Merz afirmou a mesma coisa em meio a uma série de reuniões sobre o tema em seu país.
Ao longo do dia, o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, reuniu-se com os negociadores americano Steve Witkoff e Jared Kushner, um dos genros de Trump e encarregado de azeitar negócios para a família. Trump falou com eles remotamente, assim como com os líderes do continente.
Depois, reuniu-se com Merz e outras autoridades alemãs, encerrando o dia em um jantar que reuniu toda a a turma mais uma cornucópia de líderes europeus: da Itália, Suécia, Noruega, Dinamarca, França, Holanda, Finlândia e Polônia, além dos chefes da aliança militar Otan e da Comissão Europeia.
Antes do evento, um comunicado conjunto elogiou o “progresso significativo” nas conversas e o esforço de Trump, que fez seus comentários róseos depois.
O texto voltou a falar sobre a questão das garantias de seguranças, sugerindo uma “força multinacional liderada pela Europa para assistir na regeneração das forças da Ucrânia, salvaguardando os céus o país e apoiando seu ativos navais“.
Aqui começam os entraves ao otimismo generalizado. A Rússia não aceita a presença de estrangeiros no vizinho, até porque o invadiu entre outras coisas para impedir que a Ucrânia aderisse à Otan.
Já Zelenski, em declarações mais cedo, disse esperar algum tipo de garantia análoga ao artigo 5 da carta da Otan, que prevê assistência de todos os membros da aliança em caso de ataque a um deles. Novamente, isso é algo que não convence o Kremlin.
O ucraniano, na primeira rodada com Witkoff e Kushner em Berlim no domingo (14), havia concedido não pleitear a vaga na Otan caso houvesse garantias de que Putin não iria mais atacar robustas. A ideia de uma força de paz europeia foi levantada no ano passado pelo presidente francês, Emmanuel Macron, que recebeu em troca a ameaça de uma guerra nuclear po parte do russo.
Outro ponto nevrálgico é terra. Putin quer todo o Donbass, composto pela já ocupada Lugansk e por Donetsk, da qual Kiev ainda retém cerca de 20%. Zelenski já admitiu perder território, mas está sob forte pressão doméstica, piorada por um escândalo grande de corrupção.
Nesta segunda, foi divulgada uma pesquisa da Escola de Economia Internacional de Kiev segundo a qual 75% dos ucranianos são contras a entrega daquela região no leste do país. Trump adotou a visão de Putin e pressiona por isso, ainda que tenha sugerido a criação de uma zona tampão nos territórios hoje sob controle de Zelenski.
Nem a UE (União Europeia) acredita muito nesse compromisso de lado a lado. Sua chefe diplomática, a estoniana Kaja Kallas, disse antes de uma reunião de chanceleres nesta segunda que “Putin não irá parar” caso o Donbass seja entregue.
As duas províncias se somam às meridionais Zaporíjia e Kherson na lista de demandas do russo. Em negociações anteriores, inclusive na proposta inicial que os EUA desenharam com a Rússia, nessas duas a demarcação seria a atual linha de frente de batalha.
“Está claro que em qualquer acordo, nada está acertado até tudo estar acertado”, disseram os líderes europeus em seu texto. Com efeito, mais cedo o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, havia dito que a questão de Kiev estar fora da Otan era central para Moscou, mas mesmo isso demandava “consultas especiais”.
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Trump trabalha para uma paz até o Natal, diz Zelenski. Mas além dos problemas à mesa, há também questões adicionais para azedar o clima.
Na quinta (18), os líderes europeus irão se reunir novamente para discutir o espinhoso tema da tomada de quase R$ 1,3 trilhão de reservas russas congeladas no espaço da União Europeia, a maior parte na Bélgica.
| Reservas russas congeladas (€ bilhões) | |
|---|---|
| UNIÃO EUROPEIA | |
| Bélgica | 180 |
| França | 19 |
| Luxemburgo (*) | 10 |
| Alemanha | 0,2 |
|
OUTROS PAÍSES | |
| Japão | 28,1 |
| Reino Unido | 26,6 |
| Canadá | 15,1 |
| Suíça | 6,2 |
| Estados Unidos | 4,3 |
| TOTAL | 289,5 |
| (*) Estimativa | |
| Fonte: Serviço de Estudos do Parlamento Europeu |
Os valores serviriam de lastro para um empréstimo que custearia o governo de Kiev por dois anos, mas mesmo Bruxelas protesta contra o acerto, prevendo questionamentos legais e o fato de que uma eventual paz deixará a conta das garantias para países europeus.
Uma corte em Moscou abriu um processo a pedido do Banco Central russo para declarar a medida um roubo. Na prática, isso não muda os procedimentos europeus, mas pode servir de base para ações em organismos financeiros internacionais.
Há temores mais amplos: a tomada dos valores fará países com depósitos em bancos e instituições financeiras da Europa pensar duas vezes antes de manter seu dinheiro lá. Já o premiê Merz disse que a reputação da UE estará em jogo se não fizer uso dos recursos.
Fonte.:Folha de S.Paulo


