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6 de outubro de 2025

Unesco reconhece homeschooling como direito; Brasil resiste

Unesco reconhece homeschooling como direito; Brasil resiste

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O homeschooling pode proporcionar educação de qualidade, desde que atenda aos padrões estabelecidos pelo Estado, em alinhamento com conceitos internacionais de direitos humanos. O importante é que o modelo siga padrões que garantam disponibilidade, acessibilidade e adaptabilidade, com ênfase especial em conteúdo culturalmente apropriado, currículos relevantes e a capacidade de atender às diversas necessidades dos alunos.

Estas são as principais conclusões do mais recente relatório sobre o tema, produzido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, a Unesco. Publicado no final de setembro, o documento mapeia o histórico da prática no mundo, avalia os diferentes formatos possíveis, as motivações das famílias que aderem e estratégias para os governos garantirem que a atividade alcance os melhores resultados.  

Ainda que no Brasil o ensino domiciliar não seja regulamentado por lei federal, e portanto não reconhecido como forma legítima de educação, a Unesco entende que este é um modelo que vem ganhando novos adeptos no mundo inteiro, e se mostra mais preocupada em contribuir com análises e recomendações do que em questionar sua validade.  

“À medida que o homeschooling continua a evoluir, adotar uma abordagem baseada em direitos se torna crucial, equilibrando a liberdade de escolha com a necessidade de educação de qualidade (por meio de padrões mínimos de educação estabelecidos) e responsabilidade”, afirma o documento, em tradução livre para o português. O relatório “Homeschooling through a Human Rights Lens” (Homeschooling sob a ótica dos Direitos Humanos) faz parte de um projeto de pesquisa mais amplo, que teve início em 2023.

O documento foi publicado dois meses depois de a relatora especial da ONU, Farida Shaheed, divulgar uma análise sobre direito à segurança na educação, em que também menciona a educação domiciliar como parte da liberdade educacional, praticado por famílias que desejam assegurar a educação das crianças em casa. 

Precedente histórico do homeschooling

Carlos Vinícius Reis, presidente da Associação Nacional de Educação Domiciliar no Brasil (Aned), aponta que esse relatório – disponível em português, na íntegra, em tradução produzida pela entidade – está inserido num contexto iniciado em 1948. “A Alemanha de Hitler proibiu a educação domiciliar, um direito que a ONU restituiu. Proibir o ensino conduzido pelas famílias é uma atividade típica de regimes totalitários, e toda uma vasta tradição internacional atesta este fato. Atualmente, 85% dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mantêm a prática protegida por regulamentação”.  

Atualmente, mais de 10 milhões de alunos no mundo são educados seguindo este modelo, que segue, como apontou Reis, uma tradição inaugurada pelo artigo 26, parágrafo 3, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que afirma: “Os pais têm prioridade de direito na escolha do tipo de educação que será fornecida a seus filhos”. O formato, aliás, é muito mais antigo do que o próprio surgimento das escolas. “A formação domiciliar é o modelo mais tradicional de educação e tradicionalmente é muito bem-sucedido”, relembra ele. 

“Com este documento, a Unesco atesta o homeschooling como opção educativa legítima, que traz vários benefícios, incluindo a possibilidade de proporcionar uma educação extremamente personalizada, aproveitando ao máximo os talentos de cada criança”, avalia a advogada Andrea Hoffmann Formiga, presidente do Instituto Isabel, ONG voltada à defesa dos valores fundamentais.  

“Com a devida preparação e o suporte adequado, as famílias educadoras fazem um trabalho muito sério e conseguem extrair de seus filhos, de uma forma muito natural, não só o desenvolvimento cognitivo, mas também o melhor em relação a música, arte e esportes”, ela afirma. “O grande benefício é que as potencialidades de cada criança são muito mais bem aproveitadas do que numa escola comum, em que as turmas são maiores, os professores não conseguem conhecer tão bem cada uma das crianças e encaminhar”. 

No relatório, a Unesco define educação doméstica da seguinte forma: “Educação dirigida pelos pais (ou responsáveis legais ou cuidadores) para crianças em idade escolar obrigatória e, possivelmente, crianças de outras famílias, realizada em casa na maior parte do tempo. Isso substitui frequência em tempo integral em uma escola física, pelo menos por um determinado período”. 

A instituição aponta a ascensão do ensino virtual como uma ferramenta de suporte às famílias e aponta que o modelo pode, sim, levar em conta o aspecto da socialização das crianças: “Embora muitas atividades ocorram em casa, os pais que praticam o ensino doméstico podem usar recursos e ambientes comunitários, bem como instalações públicas, para enriquecer o aprendizado das crianças”. E atesta: “As crianças que estudam em casa não são consideradas crianças fora da escola”. 

Necessidade de acompanhamento 

A análise da Unesco também relembra o contexto em que o modelo surgiu. “Desde o final da década de 1960, muitos têm criticado a escola como uma instituição altamente estruturada com consequências negativas – desde a reprodução das desigualdades sociais até a ineficiência em termos de resultados de aprendizagem até a geração de várias experiências sociais negativas para as crianças. A crítica inicial às escolas esteve na origem do atual movimento de educação domiciliar nos Estados Unidos”. 

A análise ainda detalha um conceito internacionalmente reconhecido, o do direito que as famílias têm de escolher o modelo de educação mais adequado às crianças. E mapeia as diferentes razões pelas quais os pais fazem a escola pelo formato domiciliar. “Muitas vezes, as motivações têm origem em crenças religiosas. Em outros casos, a opção pelo ensino doméstico se dá porque os responsáveis acreditam que o sistema educacional não prepara adequadamente seus filhos para a vida no século 21, ou estão convencidos de que as escolas não oferecem ensino de qualidade”. 

Por fim, a Unesco reforça a necessidade de que o homeschooling seja alinhado com o currículo estabelecido pelo Estado e aponta para a necessidade de o setor público estabelecer formas de acompanhar as crianças.

“Igualmente importante é a necessidade de estabelecer diretrizes claras e acessíveis para que os pais e responsáveis estejam cientes de seus deveres e responsabilidades”, aponta o texto. “Além disso, os pais devem ter acesso a materiais didáticos e de aprendizagem de qualidade, o que pode ser facilitado por meio de recursos educacionais de acesso aberto. Com funcionários públicos treinados e orientações claras, todas as partes interessadas (comunidades, associações, instituições de ensino superior) podem garantir uma maior responsabilização”. 

Projeto no Senado 

Andrea Hoffmann Formiga lembra que, no Brasil, a pauta do homeschooling esbarra em um amplo movimento de resistência, de base ideológica. “Existe um grupo ligado à esquerda progressista que parece ter como objetivo fazer com que essas crianças tenham um ensino mais massificado, e dentro de algumas doutrinas mais marxistas que eles defendem. O homeschooling faria que se formasse um vasto grupo de pessoas que não é influenciada por tipo de doutrina identitária ensinada nas escolas”, diz ela.

Neste contexto, não parece haver clima político, em sua avaliação, para o avanço do projeto de lei 1338/2022, aprovado pela Câmara dos Deputados e que tramita no Senado desde maio de 2022. Havia uma expectativa de que o texto avançasse com alguma celeridade – o que não aconteceu. Em 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu que a prática, ainda que não seja proibida por estar alinhada com os princípios da Constituição, demanda regulamentação por lei específica. 

“Há um movimento amplo de resistência, mas essa regulamentação precisa acontecer. Ele não pode ser proibido, nem criminalizado, mas há uma necessidade de proporcionar segurança jurídica para as famílias, que hoje são perseguidas por conselho tutelar, ministério público e até juízes que são adeptos das doutrinas marxistas veem o ensino domiciliar como uma grande ameaça”, analisa a presidente do Instituto Isabel. 

Reis, por seu lado, lembra que o tema está na pauta do Legislativo desde 1994. “Quando a Constituição de 1988 foi aprovada, a educação domiciliar vinha sendo pouco praticada, e o texto legal promoveu uma mudança importante no sentido de lançar a obrigação a respeito da formação das crianças exclusivamente sobre as escolas. Até então, o país seguia a linha de pensamento direcionada pela ONU desde 1948. Desde, então, há um limbo jurídico para as famílias que querem retomar as rédeas sobre o processo formativo”. 

Esta situação se agravou nos últimos anos, na medida em que o movimento de ensino domiciliar ganhou maior escala no país. “A cada ano que passa, mais famílias aderem a este modelo, mesmo se submetendo a perseguições. A educação não para, não podemos esperar o Legislativo. Seguimos atuando para proteger quem tem a coragem de assumir para si esse direito, reconhecido historicamente e internacionalmente”, afirma o presidente da Aned.

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Fonte. Gazeta do Povo

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