5:47 AM
7 de setembro de 2025

Uso de PrEP contra HIV pode aumentar casos de sífilis? Veja o que diz a ciência

Uso de PrEP contra HIV pode aumentar casos de sífilis? Veja o que diz a ciência

PUBLICIDADE


Na década de 2010, a profilaxia pré-exposição ao HIV, mais conhecida pela sigla PrEP, surgia como um método inovador e complementar de prevenção à infecção pelo vírus.

Desde então, especialmente por envolver um micro-organismo transmitido por relações sexuais, a tecnologia chegou a receber críticas.

A mais recente vem da vereadora da cidade de São Paulo Janaína Paschoal (PP). Em publicação na rede social X, ela questiona os gastos com a PrEP, destacando a utilização de máquinas de dispensação de medicamentos em estações de metrô.

Paschoal sugere que a PrEP existe para que as pessoas façam sexo sem camisinha e associa o recurso a um abandono de campanhas para uso de preservativos. “Depois que esses remédios para fazer sexo irresponsável passaram a ser dados como água, houve uma explosão de sífilis“, finaliza. 

Na capital paulista, máquinas dispensadoras instaladas em algumas estações do metrô fornecem gratuitamente medicamentos para dois tipos de profilaxia, pré e pós exposição ao HIV.

A prefeitura de São Paulo afirmou que a estratégia faz parte da Prevenção Combinada, reconhecida globalmente pela redução de casos de HIV.

redes-sociais-x-janaina-paschoal-post-prep
Publicação da vereadora de São Paulo Janaina Paschoal critica a profilaxia pré-exposição ao HIV (PrEP) (Imagem: X/Reprodução)
Continua após a publicidade

Mas afinal, o que tem de verdade nessa história? Vamos entender a seguir:

Evidências científicas

É fato. Os casos de sífilis têm aumentado nos últimos anos no mundo, com destaque para as Américas. Mas há alguma associação com a utilização da profilaxia pré-exposição ao HIV?

“Vamos começar por uma resposta curta: não há mecanismo biológico que seja plausível na relação de causa e efeito entre uso de PrEP e aumento de casos de ISTs“, enfatiza o médico Alexandre Naime, coordenador-científico da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e vice-chefe do Departamento de Infectologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Um dos ensaios clínicos mais robustos sobre a profilaxia pré-exposição, chamado PROUD, mostrou há cerca de dez anos uma redução de 86% no risco de infecção por HIV entre homens gays e bissexuais, apoiando a incorporação da metodologia em estratégias de prevenção.

Nesse estudo, publicado na revista Lancet, havia dois grupos: participantes que começavam a profilaxia de forma imediata ou em outro momento da análise. Como costuma ocorrer nesse tipo de investigação, também foram realizados testes para outras ISTs, incluindo sífilis, para a qual não houve diferença marcante no número de casos entre os grupos de voluntários com e sem PrEP.

Continua após a publicidade

Vale destacar que os fármacos utilizados na PrEP atualmente apresentam mais de 99% de proteção contra a infecção pelo HIV.

“Ainda dentro dos ensaios clínicos, existem revisões sistemáticas que dão as diretrizes de prevenção que reforçam que não há associação entre uso de PrEP e aumento de ISTs, quando a comparação é cega e controlada”, pontua Naime.

Além dos ensaios clínicos, os estudos de vida real, que consideram informações de um medicamento ou vacina na população comum, também são uma importante ferramenta de avaliação epidemiológica.

+ Leia também: Lenacapavir: entenda como funciona o injetável que previne HIV recomendado pela OMS

Nessa seara, o coordenador-científico da SBI destaca quatro pesquisas conduzidas em diferentes países.

“Na Holanda, um estudo grande, de quatro anos, chamado AMPrEP, mostra uma incidência alta de ISTs, mas a taxa não aumentou ao longo do tempo”, explica.

Continua após a publicidade

Os dados divulgados na revista Lancet HIV sugerem que o uso da PrEP não levou a comportamentos sexuais mais arriscados ou a índices mais elevados de ISTs. Além disso, as conclusões apontaram estabilidade na frequência de realização de sexo anal sem preservativo com parceiros casuais e também no número de parcerias.

Achados semelhantes foram encontrados em outra pesquisa, a Checkpoint Network, realizada na Alemanha. O trabalho publicado no periódico BMC Public Health destaca que nenhuma das duas modalidades de PrEP (diária ou sob demanda) mostrou associação marcante com o diagnóstico de sífilis.

“Essa coorte mostra nitidamente que, na verdade, aumenta o diagnóstico na comparação de pessoas que usam PrEP com as que não usam. Os usuários de PrEP fazem a testagem a cada três meses”, explica Naime.

Publicado na revista JAMA, um trabalho realizado na Austrália mostra que o país já apresentava altas taxas de ISTs, antes da implementação da profilaxia. Além disso, os índices permaneceram estáveis durante o uso da ferramenta.

+ Leia também: Nova série da HBO mostra início da epidemia de HIV ao Brasil

saude-medicina-diagnostico-teste-exame-hiv-sifilis-ists
A pessoa em PrEP realiza acompanhamento regular de saúde, com testagem para o HIV e outras infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), como sífilis (Foto: Breno Esaki/Agência Saúde DF)
Continua após a publicidade

O que explica o aumento de sífilis?

Os casos de sífilis cresceram 30% entre 2020 e 2022 nas Américas, considerando pessoas de 15 a 49 anos, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Houve um registro de aumento em mais de 1 milhão em 2022, o que levou a um total de 8 milhões de diagnósticos no mundo.

A Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) alerta que o continente lidera a incidência no globo, com 3,37 milhões de infecções, com destaque para o crescimento entre mulheres grávidas.

Entre 2016 e 2023, houve um aumento de 40% nos casos de sífilis congênita, de acordo com dados oficiais informados pelos países à Opas, com mais de 35 mil notificações no último ano.

Ao cenário epidemiológico preocupante, a Opas atribui um conjunto de fatores, como:

  • Falta de conscientização e de informações sobre a doença;
  • Desigualdades no acesso aos serviços de saúde;
  • Dificuldades para realização de diagnóstico e tratamento,
  • Estigma em torno de infecções sexualmente transmissíveis.
Continua após a publicidade

Pode-se destacar ainda características da infecção que também contribuem para o espalhamento da doença — um tipo de “tempestade perfeita”.

Causada pela bactéria Treponema pallidum, essa IST costuma ser silenciosa, ou seja, a maioria das pessoas não apresenta ou não reconhece os sintomas. Esse fator contribui para atrasar o diagnóstico e aumentar as chances de transmissão.

Em relação ao contágio, vale ressaltar que trata-se de um micro-organismo altamente transmissível. Um indivíduo pode se infectar pelo sexo vaginal, anal e oral (sim, leia aqui).

“Quando você pergunta para uma pessoa se ela está usando camisinha nas relações, a maior parte que responde sim faz referência à penetração, porém não ao sexo oral, que pode com facilidade transmitir a sífilis“, afirma o médico infectologista Rico Vasconcelos, pesquisador do Centro de Pesquisa Clínica do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP).

“Com essas duas coisas ruins ao mesmo tempo, a falta de sintomas e a alta transmissibilidade, uma pessoa que usa preservativo apenas na penetração tem a falsa impressão de proteção, mas pode estar transmitindo a doença sem saber”, complementa o infectologista.

Nesse contexto, infectologistas são enfáticos ao destacar que o protocolo da profilaxia pré-exposição requer a realização de exames a cada três meses para HIV, além de sífilis, clamídia e gonorreia.

“Embora a PrEP não tenha qualquer tipo de proteção contra a sífilis, acreditamos que até hoje a estratégia é, junto com seu acompanhamento, a melhor oportunidade de colocar pessoas vulneráveis a ISTs em uma rotina de testagem que permite fazer o diagnóstico precoce, o tratamento, a cura e a quebra da cadeia de transmissão“, afirma Vasconcelos.

+ Leia também: Dez formas de discriminação que impactam quem vive com o HIV

Compensação de risco

Existem pessoas que fazem uso de PrEP e deixaram de utilizar o preservativo em relações? Sim. Há também estudos, como este publicado na revista Eurosurveillance, discutindo isso.

Na epidemiologia, ciência complexa que estuda as relações entre saúde, doença e sociedade, o fenômeno é descrito como compensação de risco. Resumidamente, trata-se de uma mudança de comportamento associada à sensação de maior proteção por uma medida de intervenção.

Nesse caso, usuários da profilaxia contra o HIV poderiam reduzir outras formas de prevenção devido à percepção de queda de risco de contágio pelo vírus.

Por isso, a orientação em saúde no acompanhamento de rotina recomenda a adesão à estratégia de prevenção combinada, que consiste no uso de diferentes recursos disponíveis para evitar a infecção por diversos agentes causadores de doenças.

Os cuidados incluem preservativos masculino e feminino, uso de lubrificante, testagem regular, diagnóstico e tratamento oportuno de infecções, imunização para HPV e hepatite B, entre outros.

O coordenador-científico da Sociedade Brasileira de Infectologia explica ainda que aparentes aumentos de incidência podem refletir que mais testes têm sido feitos e que não necessariamente haja mais transmissão.

“Isso se chama efeito de detecção. A testagem trimestral embutida nos programas de PrEP identifica mais casos porque não há necessidade de esperar por sinais”, explica Naime.

“Em geral, quando uma pessoa procura um médico por conta de IST? quando há sintomas, infelizmente. Nesse caso, não. Ela vai, por fazer parte do protocolo. Os medicamentos não são liberados sem a realização dos exames, é assim que funciona”, acrescenta.

O que diz a prefeitura

Em nota, a prefeitura de São Paulo afirmou que tanto a PrEP quanto a PEP integram estratégia reconhecida no mundo todo e responsável pela redução significativa de infecções pelo HIV (leia o texto completo abaixo).

A Secretaria Municipal da Saúde (SMS) reforça que as profilaxias pré e pós-exposição ao HIV (PrEP e PEP, respectivamente) integram a estratégia de Prevenção Combinada, reconhecida internacionalmente e responsável pela expressiva redução de novas infecções por HIV em São Paulo.

A capital registra oito anos consecutivos de queda nos novos casos, com redução acumulada de cerca de 55% desde 2016 (sendo 59% entre jovens). Atualmente, a cidade conta com mais de 70 mil cadastros ativos de usuários de PrEP e já realizou mais de 11 mil atendimentos de PrEP e PEP pelo SPrEP apenas entre junho de 2023 e julho de 2025.

Além da PrEP e da PEP, a cidade ampliou o acesso a preservativos e testagem, tendo distribuído mais de 82 milhões de preservativos entre janeiro de 2024 e julho de 2025.

Em relação à sífilis, São Paulo figura hoje entre as capitais brasileiras com menor taxa de incidência de sífilis congênita, de acordo com boletim do Ministério da Saúde publicado em outubro de 2024. Portanto, não procede a associação entre o uso da PrEP e um aumento da doença.

Compartilhe essa matéria via:



Fonte.:Saúde Abril

Leia mais

Rolar para cima