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10 de novembro de 2025

Venezuelanos deportados dos EUA citam abuso em El Salvador – 10/11/2025 – Mundo

Venezuelanos deportados dos EUA citam abuso em El Salvador – 10/11/2025 – Mundo

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Eles disseram que foram algemados, espancados, baleados com balas de borracha e atingidos com gás lacrimogêneo até desmaiar.

Disseram que foram punidos em uma sala escura chamada de ilha, onde foram pisoteados, chutados e forçados a se ajoelhar por horas.

Um homem disse que agentes empurraram sua cabeça para dentro de um tanque de água para simular afogamento. Outro declarou que foi obrigado a fazer sexo oral em guardas usando capuzes.

Disseram que foram informados por funcionários de que morreriam na prisão salvadorenha, que o mundo os havia esquecido.

Quando não aguentavam mais, disseram, cortavam a si mesmos, escrevendo mensagens de protesto em lençóis com sangue.

“‘Vocês são todos terroristas’”, lembrou Edwin Meléndez, 30, ter ouvido dos agentes, que acrescentaram: “‘Terroristas devem ser tratados assim.’”

Desde o momento em que assumiu o cargo de presidente dos Estados Unidos, Donald Trump se concentrou no que chama de ameaça representada pela Venezuela de Nicolás Maduro, acusando o regime e quadrilhas venezuelanas de orquestrar uma invasão dos Estados Unidos.

Em março e abril, o governo Trump tomou a decisão de enviar 252 venezuelanos para uma prisão notória em El Salvador conhecida como Centro de Confinamento do Terrorismo (Cecot), dizendo que eles haviam infiltrado os Estados Unidos em uma forma de “guerra irregular”.

Trump acusou os homens de serem membros de uma gangue perigosa, o Tren de Aragua, trabalhando em sintonia com o regime venezuelano. Foi um primeiro ataque no confronto do governo dos EUA com Maduro, que só se intensificou desde então, com navios de guerra americanos explodindo barcos venezuelanos e Trump alertando para possíveis ataques militares em solo venezuelano.

Mas os homens passaram por pouco ou nenhum devido processo legal antes de serem expulsos para a prisão de terrorismo em El Salvador e foram abruptamente libertados em julho, parte de um acordo diplomático maior que incluiu a libertação de 10 americanos e residentes dos EUA detidos na Venezuela.

Falando na Assembleia Geral da ONU em setembro, Trump elogiou funcionários salvadorenhos pelo “trabalho bem-sucedido e profissional que fizeram ao receber e encarcerar tantos criminosos que entraram nos EUA”.

Em entrevistas, no entanto, os homens enviados à prisão descreveram abuso físico e psicológico frequente e intenso. Além das agressões, gás lacrimogêneo e idas à sala de isolamento, os homens disseram que foram zombados ou ignorados pelo pessoal médico, forçados a passar 24 horas por dia sob luzes fortes e obrigados a beber de poços de água fétida.

O New York Times entrevistou 40 dos ex-prisioneiros, muitos em suas casas em cidades e vilarejos pela Venezuela. Em seguida, pediu a um grupo de especialistas forenses independentes que ajudam a investigar denúncias de tortura que avaliassem a credibilidade dos depoimentos.

Vários médicos dessa equipe, conhecida como Independent Forensic Expert Group, disseram que os depoimentos dos homens, juntamente com fotografias do que descreveram como seus ferimentos, eram consistentes e críveis, fornecendo “provas convincentes” para apoiar as acusações de tortura. As avaliações do grupo em outros casos foram usadas em tribunais ao redor do mundo.

Luis Chacón, 26, do estado venezuelano de Táchira, foi um dos vários homens que disseram que o abuso constante na prisão o levou a contemplar suicídio. Pai de três filhos, ele disse que trabalhava como motorista para o Uber Eats em Milwaukee antes de ser detido e expulso para a prisão. Seu ponto mais baixo lá ocorreu em junho, disse, no dia do aniversário de 7 anos de seu filho mais velho.

“Tínhamos ouvido que se houvesse uma pessoa que morresse entre nós, eles nos deixariam ir”, disse ele. Então, pensou que talvez devesse ser essa pessoa: subiu em um beliche, disse, e tentou se enforcar com um lençol. Os outros homens, disse ele, o impediram.

Os especialistas forenses afirmaram que ficaram impressionados com a semelhança das acusações. Os ex-prisioneiros, entrevistados separadamente, descreveram o mesmo cronograma e métodos de abuso, com muitos dos mesmos detalhes.

Quando tais “métodos idênticos de abuso” são descritos por várias pessoas, escreveram os especialistas em sua avaliação, isso “geralmente indica a existência de uma política e prática institucional de tortura”.

Apresentada às acusações dos homens e as conclusões dos especialistas, uma porta-voz da Casa Branca, Abigail Jackson, disse: “O presidente Trump está comprometido em manter suas promessas ao povo americano removendo criminosos perigosos e terroristas imigrantes ilegais que representam uma ameaça ao público americano.”

Jackson acrescentou que os repórteres deveriam se concentrar em crianças americanas que “foram tragicamente assassinadas por imigrantes ilegais violentos”, sem fornecer detalhes.

Representantes do presidente salvadorenho, Nayib Bukele, não responderam a um pedido de comentário.

O governo Trump nunca divulgou uma lista completa dos 252 venezuelanos presos em El Salvador ou dos crimes que afirmava que eles haviam cometido.

Usando uma lista vazada de nomes, o New York Times descobriu que uma parcela relativamente pequena dos homens —cerca de 13%— parecia ter uma acusação criminal grave ou condenação em alguma parte do mundo. (O Times pesquisou múltiplos bancos de dados públicos, mas o governo dos EUA pode ter mais informações que não foram divulgadas.)

Dos 40 homens entrevistados para esta reportagem, o Times encontrou acusações criminais, além de imigração e infrações de trânsito, contra três deles.

Victor Ortega, 25, que disse ter sido atingido na cabeça com uma bala de borracha na prisão salvadorenha, tem “acusações pendentes por disparo de arma de fogo e roubo”, segundo o governo Trump.

Um segundo homem entrevistado pelo Times, Neiyerver Leon, 27, tinha uma acusação de contravenção por posse de instrumentos relacionados ao uso de drogas e foi multado.

Além disso, registros públicos nos Estados Unidos indicam que Chacón, o homem que disse ter contemplado suicídio na prisão, havia sido preso em 2024 sob acusação de violência doméstica, e foi acusado este ano de furto em um Walmart. (O caso de violência doméstica foi encerrado, segundo registros públicos, e Chacón foi enviado a El Salvador antes que o caso de furto pudesse se desenrolar.)

Muitos dos homens dizem que ainda não sabem por que foram colocados em uma prisão para terroristas.

“Eu migrei para poder comprar uma casa, dar à minha filha uma melhor educação, que eu não tive”, disse Mervin Yamarte, 29. “E tudo deu errado.”

‘Bem-vindo ao inferno’

Um enxame de helicópteros cercava o aeroporto. Era pouco depois da meia-noite de 16 de março. À medida que a aeronave descia, os venezuelanos disseram ter visto uma falange de agentes em equipamento de choque esperando por eles.

Uma placa identificava o local de pouso como El Salvador.

Em instalações de detenção nos Estados Unidos, as autoridades americanas tinham dito que estavam sendo deportados de volta à Venezuela, lembraram os detidos. Em uma escala em Honduras, tinham recebido pizza. Agora, um funcionário salvadorenho estava embarcando no avião.

“Vocês vão ficar aqui”, lembrou Ysqueibel Peñaloza, 25, ter ouvido o funcionário dizer.

O pânico varreu os corredores, disse ele. Os homens apertaram os cintos de segurança, disse Peñaloza, numa tentativa inútil de evitar a remoção. As táticas do presidente de El Salvador eram bem conhecidas. Alguns homens começaram a gritar, lembrou, exigindo ver um representante da ONU, um advogado ou um diplomata de seu país.

Então, agentes salvadorenhos, com armadura e carregando cassetetes, embarcaram no avião, lembraram vários homens, e começaram a remover o grupo à força.

“Eles começaram a nos bater”, disse Andry Hernández, 32, um maquiador que estava detido nos EUA desde que cruzou a fronteira em 2024. “Se você levantasse a cabeça um pouco, eles a derrubariam com um golpe. Muitos de nossos companheiros tiveram narizes quebrados, lábios partidos, hematomas pelo corpo.”

Os agentes dobraram os homens algemados pela cintura, arrastando-os para fora do avião e empurrando-os para os ônibus, disseram. As câmeras registravam tudo. Horas depois, Bukele publicou um vídeo da chegada, embalado com música e imagens de drone como um filme de ação. Em três dias, ele havia sido visto quase 39 milhões de vezes.

“Continuamos avançando na luta contra o crime organizado”, escreveu Bukele na plataforma X ao postar o vídeo. “Mas desta vez, também estamos ajudando nossos aliados.”

Dentro da prisão, os homens disseram que foram informados de que eram membros do Tren de Aragua.

“‘Bem-vindos ao inferno’”, foi o que Anyelo Sarabia, 20, disse ter ouvido ao chegar. “‘Daqui vocês só sairão em um saco para cadáver.’”

Para enviar os homens à prisão em El Salvador, Trump invocou a Lei dos Inimigos Estrangeiros (Alien Enemies Act, em inglês), uma norma abrangente do século 18, até então raramente usada, que permite a expulsão de pessoas de uma nação inimiga.

Muitos dos homens mantidos na prisão salvadorenha disseram que, longe de trabalhar com Maduro, estavam fugindo de seu regime quando migraram para o norte.

De fato, alguns dos homens enviados a El Salvador haviam solicitado asilo político nos Estados Unidos, sob o argumento de que eram perseguidos por participar de protestos contra Maduro, segundo solicitações revisadas pelo Times.

A vida lá dentro

Isolados do mundo, os homens começaram a se adaptar às suas novas vidas. Funcionários os dividiram em celas, geralmente com dez pessoas cada, disseram. As refeições, três vezes ao dia, consistiam principalmente de arroz, feijão, espaguete e tortillas.

A desesperança cresceu, disseram. Tito Martínez, 26, começou a se sentir doente e fraco, até que não conseguia sair da cama e outros homens tiveram de alimentá-lo, lembraram vários. Eventualmente, Martínez foi levado para a enfermaria, onde disse ter sido espancado diante do pessoal médico.

Lá, disse ele, uma mulher que se identificou como médica lhe disse: “‘Resigne-se. É hora de você morrer.’”

Quando chegou à prisão, Aldo Colmenarez, um diabético de 41 anos segundo um relatório médico venezuelano, pediu insulina aos funcionários, disse. Foram cinco dias antes que lhe dessem. Depois disso, a dosagem e aplicação foram irregulares, segundo vários dos homens, levando a episódios de hipoglicemia que deixavam Colmenarez frio, suado e inconsciente.

A punição muitas vezes parecia aleatória e desproporcional, disseram os homens. O banho era permitido apenas às 4h. Homens que se molhavam para se refrescar em outros horários eram enviados para a ilha, disseram os ex-prisioneiros, descrevendo uma sala escura com apenas um pequeno furo de luz no teto, onde eram espancados por vários guardas ao mesmo tempo.

Muitos dos homens descreveram ser colocados na posição de “guindaste”, na qual os guardas os faziam se ajoelhar com as mãos algemadas atrás das costas e depois os levantavam pelos braços.

A tensão aumentou em abril. Depois que alguns homens pediram a um dos guardas, um agente que usava o codinome Satã, que parasse de bater nas grades das celas à noite, os guardas os arrastaram para uma área central e liberaram gás lacrimogêneo em seus rostos, disseram dois homens que estavam em uma cela próxima, Andy Perozo, 30, e Maikel Moreno, 20.

Outro dos detentos, Andrys Cedeño, 23, começou a convulsionar. “Chefe, sou asmático.” O que o guarda fez, segundo ele, “foi rir”.

Cedeño então ficou mole e sem resposta. Os outros presos pensaram que ele tivesse morrido.

Em protesto, os presos começaram a cortar seus corpos com bordas ásperas de escadas de camas de metal e tubos plásticos, disseram vários homens, usando sangue para escrever mensagens em lençóis que penduraram no encanamento.

“Não somos criminosos, somos migrantes”, dizia uma mensagem, segundo vários dos homens, incluindo Edicson Quintero, 28, que disse ter cortado o abdômen para obter sangue para um cartaz de protesto.

Uma greve de fome durou quatro dias, disseram os homens. Depois disso, Hernández, o maquiador, disse que foi enviado para a sala de isolamento. Lá, guardas encapuzados o forçaram a se agachar e a fazer sexo oral, disse ele.

“Eles passavam o cassetete pelas minhas partes”, lembrou, “colocavam o cassetete entre minhas pernas e o levantavam, me apalpavam, me tocavam, e eu apenas gritava.”

Ele mais tarde descreveu a experiência para vários colegas de cela.

Em maio, uma busca de guardas em uma das celas se tornou violenta, lembraram muitos dos prisioneiros, e alguns dos homens, enfurecidos e desesperados, começaram a desprender partes metálicas de suas camas e usá-las para quebrar as fechaduras das portas das celas.

Por um breve momento, os portões se abriram. Os agentes responderam com armas e o que os prisioneiros descreveram como balas de borracha.

“Quando o primeiro foi atingido, corremos de volta para a cela”, lembrou Edwuar Hernández, 23. “Eles começaram a atirar em nós a queima-roupa, das grades para dentro.”

Ortega disse que foi atingido por um projétil que ricocheteou em sua testa, fazendo-o sangrar profusamente. Luis Rodríguez, 26, disse que um tiro perfurou sua mão. José Carmona, 28, foi atingido na coxa, disse.

Após essa tentativa de rebelião, os agentes forçaram muitos dos homens a irem à ilha, incluindo Chacón.

Lá, disse ele, “colocaram a nossa cabeça dentro de um tanque como se para nos afogar, e depois tiravam a cabeça e nos batiam nas costelas, nas pernas, com o que encontravam.”

Um acordo secreto

Longe da prisão, diplomatas dos Estados Unidos e da Venezuela negociavam um acordo que determinaria o destino dos prisioneiros.

Maduro havia passado o último ano encarcerando cidadãos e residentes permanentes dos EUA na tentativa de ganhar vantagem sobre Washington. Em julho, ele concordou em libertar dez deles, juntamente com 80 prisioneiros políticos venezuelanos, em troca dos 252 homens presos em El Salvador.

Maduro, a quem muitos venezuelanos culpavam por seu exílio, agora tinha a oportunidade de se apresentar como um defensor de migrantes rejeitados por Trump.

Quando aterrissaram na capital venezuelana, Caracas, os homens foram recebidos pelo ministro do Interior, Diosdado Cabello, que havia se tornado o rosto do aparato de vigilância e repressão do país. Eles foram mantidos por vários dias, obrigados a contar suas histórias na televisão estatal e depois enviados para casa.

Em alguns casos, agentes do temido serviço de inteligência do país os escoltaram até suas residências.

Dos 252 homens, sete tinham históricos criminais graves na Venezuela, afirmou Cabello na televisão, dizendo que o regime havia detido 20 que eram procurados pelas autoridades.

Em setembro, um tribunal federal de apelações dos EUA impediu o governo Trump de usar o Alien Enemies Act para deportar migrantes. Mas a decisão não impede que o governo use outros meios legais para remover pessoas dos Estados Unidos, o que significa que Trump poderia enviar mais pessoas para a prisão em El Salvador.

Nas entrevistas, os prisioneiros libertados relataram problemas contínuos de saúde física e mental, que atribuíram às agressões e outros abusos: visão turva; enxaquecas recorrentes; dificuldade para respirar; dores no ombro, costas e joelhos, que alguns associaram à posição de “guindaste”; pesadelos; insônia. Alguns procuraram médicos, mas muitos disseram que não podiam pagar.

Cedeño, 23, o homem com asma, foi hospitalizado duas vezes desde que voltou à Venezuela, disse ele, uma depois de um ataque de asma que o deixou inconsciente, e outra após um ataque cardíaco, segundo um relatório médico de outubro.

À noite, ele não dorme, disse, assombrado pelo barulho das algemas e pelas vozes dos agentes salvadorenhos.



Fonte.:Folha de S.Paulo

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