
Há pessoas que te destroem com flores. Elas sabem exatamente o perfume que te faz sorrir, te elogiam em público e te presenteiam com afeto calculado. Mas, por trás de cada gesto, há um fio sendo puxado, e, quando se percebe, você é uma marionete no teatro da manipulação emocional.
O mesmo acontece em muitas empresas: café gourmet, mesas de jogos, sessões de massagem, slogans que parecem saídos de um mosteiro zen. Enquanto você medita, porém, metas, cobranças e reuniões estão te desintegrando por dentro.
Esse é o padrão de uma nova perversão organizacional: o wellness washing. No meu livro Exaustos (Buzz Editora – Clique para comprar), falou sobre as neuroprisões, celas invisíveis que construímos clique por clique, meta por meta. Um dos cativeiros mais sofisticados da nossa era é a “perversão gentil corporativa”, que oferece bem-estar enquanto produz adoecimento sistêmico.
Sim, é a empresa que te dá um pufe colorido, mas não te dá tempo de sentar nele. Oferece aula de ioga às terças, mas cobra resultados às 23h. Fala de equilíbrio enquanto normaliza a exaustão como virtude.
Fala de equilíbrio enquanto normaliza a exaustão como virtude. A verdade é que sessões de mindfulness não curam assédio moral. Resiliência não resolve reuniões simultâneas no Zoom. Meditação não compensa jornada de 12 horas. E terapia não conserta uma cultura tóxica.
O problema não está nas práticas de bem-estar em si, mas em quando elas não estão acompanhadas de mudanças estruturais. Ou seja, quando se tornam maquiagem para esconder rotinas insustentáveis e a falta de dignidade.
A mensagem implícita é: “Demos as ferramentas. Se você adoece, o problema é seu”. A empresa define cargas de trabalho, prazos, hierarquias, métricas e cultura. Quando oferece “soluções de bem-estar” sem mexer na base de tudo, é como o dono do prédio com infiltração vendendo baldes para aparar a água e cobrando por isso.
Nem é difícil detectar esse padrão do wellness washing. Ele se apresenta quando há uma distância entre discurso e prática; quando o bem-estar recai apenas sobre o indivíduo; quando a gratidão compulsória máscara exploração; e quando políticas como férias ilimitadas ou eventos de descontração não mudam a rotina exaustiva.
+Leia também: Fim da escala 6/1 no trabalho é questão de saúde física e mental
Mas, no meio dessa tempestade, há, sim, esperança. Ela se chama autonomia. Liberdade é escolher o que vai te prender. Você pode se prender a uma narrativa que te adoece ou à própria dignidade e ao repúdio consciente da perversão gentil. Não é ter controle total do sistema, mas clareza sobre o que se aceita e se recusa — “Obrigado pelo pufe colorido, mas preciso mesmo de uma jornada que respeite meus limites”.
O que as pessoas precisam é de mudanças reais, não de marketing corporativo e emocional. Afinal, o bem-estar não cabe em um workshop de duas horas com direito a fotos no Instagram da firma. E mesas de pingue-pongue não substituem respeito. Você não precisa de mais ferramentas para aguentar o insuportável. Precisa que parem de criar e alimentar o insuportável. O resto é só… wellness washing.
*Lucas Freire é psicólogo do trabalho e autor do livro Exaustos: Imaginando Saídas para o Cansaço Diário (Editora Buzz)
Compartilhe essa matéria via:
Fonte.:Saúde Abril


