
Crédito, Universal Pictures
- Author, Gregory Wakeman
- Role, BBC Culture
Atenção: esta reportagem contém spoilers do filme Wicked.
Quando o escritor Gregory Maguire era criança, ele e seus irmãos costumavam representar cenas do clássico filme de 1939, O Mágico de Oz, do cineasta Victor Fleming (1889-1949). Eles chegavam a alterar a história e sua perspectiva, apenas por diversão.
“O material era tão maleável que você poderia mudar e, ainda assim, continuaria sendo reconhecível”, conta Maguire à BBC.
Mal sabia ele que essas brincadeiras da infância, um dia, iriam resultar no seu próprio romance, que mudaria sua vida: Wicked: The Life and Times of the Wicked Witch of the West, publicado em 1995.
No início dos anos 1990, Maguire era um respeitado autor infantil, com “boas críticas, mas sem grandes vendas”, segundo ele.
Ele trabalhou como professor no Centro para o Estudo da Literatura Infantil do Simmons College em Boston, nos Estados Unidos e, depois, foi um dos fundadores da entidade educacional sem fins lucrativos Children’s Literature New England.
Maguire então decidiu escrever para adultos. “Achei que precisava incluir naquele livro tudo o que era importante para mim, porque eu nunca mais iria escrever outro”, ele conta.
Maguire sabia que o tema que ele queria explorar no romance era a natureza do mal. Mas, especificamente, o que significa “mal”?
Será que estamos apenas caracterizando certos tipos de comportamento? Estamos avaliando a decadência e a corrupção da fibra moral de uma pessoa?
Maguire sabia que, para envolver os leitores, ele precisaria transformar o tema em “um roteiro cativante que atraísse centenas de milhares de pessoas em todo o mundo”.
Foi quando Maguire se lembrou de O Mágico de Oz – particularmente, da interpretação da Bruxa Má do Oeste pela atriz Margaret Hamilton (1902-1985) e suas rápidas interações com Glinda, interpretada por Billie Burke (1884-1970), no início do filme.
“Pensei comigo mesmo: ‘Elas se conhecem. Elas já se encontraram antes. Elas foram para a escola juntas!”, relembra Maguire.
Criar este cenário na sua mente fez com que ele risse alto. “Achei muito engraçado. Porque era uma ótima ideia.”
A premissa de Maguire se mostrou correta. A exploração revisionista do romance de L. Frank Baum (1856-1919), O Mágico de Oz, e da sua adaptação para o cinema de 1939 levou Wicked a oferecer uma extensa visão da vida da Bruxa Má do Oeste.
Maguire a batizou de Elphaba, uma brincadeira com as iniciais do autor original. No livro, podemos observar por que ela é considerada má, pois as circunstâncias e as percepções sociais a forçam a agir de formas consideradas perversas.
Elphaba nasceu com pele verde, o que a torna visada e ridicularizada com frequência. Este preconceito faz com que ela se sinta marginalizada e acabe se afastando das outras pessoas.
Depois de descobrir que os animais falantes e sencientes do país estão sendo capturados, Elphaba procura Oz e pede sua ajuda. Mas Oz rejeita suas preocupações – ele quer que as pessoas se unam em torno da crença de que os animais falantes são seu inimigo comum.
Elphaba se esconde e passa a fazer parte de um grupo clandestino que tenta proteger os animais. Oz usa a propaganda para dizer ao resto do país que Elphaba é malvada, embora ela esteja lutando por justiça, tentando proteger os vulneráveis.
Ela, então, reage com legítima raiva contra a morte da irmã e contra Glinda, por ter oferecido os sapatos da família para Dorothy.

Crédito, Universal Pictures
O livro não foi um best-seller quando foi lançado, em 1995. Mas o sucesso se deu no boca a boca, segundo Maguire.
“Todos os anos, ele vendia mais do que no ano anterior”, ele conta. “Foi a verdadeira definição de um sucesso dormente.”
A decisão de Stephen Schwartz de adaptar o livro para um musical fez com que ele ficasse ainda mais popular. A versão musical de Elphaba é mais gentil e incompreendida do que a versão cada vez mais sombria e amarga do livro.
Wicked está em cartaz em Nova York, nos Estados Unidos, desde 30 de outubro de 2003. É o quarto show em cartaz por mais tempo na história da Broadway. E, com tanto sucesso, a adaptação de Hollywood passou a ser inevitável.
Mas, da mesma forma que o musical, Wicked: Parte 1 se afasta do livro de diversas formas, talvez para torná-lo mais acessível para o público em geral.
Em vez de se dedicar inteiramente à história de Elphaba (Cynthia Erivo), o filme também nos mostra o ponto de vista de Glinda (Ariana Grande), já que a história gira muito mais em torno da amizade entre as duas personagens.
O filme se desenrola na Universidade de Shiz, na Terra de Oz, onde Elphaba e Glinda são forçadas a dividir um quarto.
As duas começam se odiando mutuamente, mas rapidamente se tornam amigas e se apaixonam pelo mesmo belo príncipe (Jonathan Bailey). Mas, enquanto prosseguem com seus estudos, elas descobrem o plano sinistro que se desenrola na Terra de Oz, que força os animais falantes do país a se esconderem.
Ressonância contínua
Dana Fox é uma das roteiristas do filme, ao lado de Winnie Holzman. Ela conta que parte do sucesso de Wicked se deve à forma como Maguire distorceu as expectativas do público.
Antes do livro, todos insistiam: “a bruxa verde é má. Todos nós sabemos que ela é malvada. Mas, se você perguntar a alguém por que ela é má, ninguém sabe responder”, conta Fox à BBC. “O livro de Maguire é brilhante porque abordou exatamente esta questão.”
Enquanto Maguire examinava estes temas e o potencial da sua história para Wicked, ocorreu um incidente que o fez pensar mais profundamente sobre a natureza do mal.
No dia 12 de fevereiro de 1993, James Bulger, de dois anos, foi assassinado por duas crianças de 10 anos em Merseyside, na Inglaterra. Maguire assistia às reportagens sobre a tragédia na televisão, enquanto as pessoas discutiam, nos programas e no jantar, o crime terrível cometido por aqueles meninos.
Na época, Maguire morava em Londres. O episódio fez com que ele se perguntasse “de onde veio a decisão de fazer o que eles fizeram? De onde veio aquela capacidade para o mal?”
À medida que se analisava o assassinato e prosseguiam as discussões intelectuais sobre “o papel de possíveis razões sociológicas, bioquímicas ou espirituais”, segundo Maguire, ele percebeu que a atrocidade se encaixava em “tudo o que ele vinha analisando” sobre Wicked.
“Aquele evento terrível se mostrou um catalisador para que eu seguisse adiante”, conta o autor.
Maguire conta que, pouco depois do lançamento, ele tomou conhecimento de que o escritor vencedor do prêmio Pulitzer John Updike (1932-2009) havia citado seu livro em um ensaio sobre o tema do mal.
“A frase de Wicked que ele citou no artigo, e resume tudo, é esta: ‘É a natureza do mal ser secreto.’ Em um romance de 406 páginas, ele havia encontrado a sentença exata que oferece a conclusão mais coerente e abrangente do que eu havia criado.”

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Maguire defende que nunca elaborou uma “teoria unificada” sobre o mal.
Ele acredita que a aversão a si próprio é um dos elementos, pois o “imperativo biológico de sobrevivência sem nos machucarmos é tão forte que, se nos odiarmos o suficiente, nós esfaquearemos o mundo e não a nós mesmos”.
O melhor resumo que ele já leu sobre o mal foi escrito por Graham Greene (1904-1991) no seu romance O Poder e a Glória. “Ele escreveu que a maior parte do mal é simplesmente falta de imaginação.”
Greene escreveu que o fascismo surgiu “porque as pessoas não conseguem imaginar como é ser outra pessoa”, segundo Maguire.
Em Wicked, Maguire mostra o Mágico usando populismo e propaganda para manter o controle de Oz, transformando aquelas ferramentas em armas contra os animais que são diferentes e contra Elphaba, que discorda dele.
Para Fox, Wicked continua a ser relevante porque “certas pessoas ainda são discriminadas na nossa sociedade, ou transformadas em malfeitores para que outras pessoas possam ganhar poder”.
E a contínua ressonância de Wicked é centralizada na narrativa de Elphaba, à medida que ela deixa de se sentir não pertencente e de rejeitar sua pele verde, para conquistar a autoaceitação e seu amor-próprio.
“Você não precisa ter pele verde para saber como se sente. Todos nós nos sentimos desta forma sobre nós mesmos ao longo da vida”, explica Fox.
“Existe uma pequena Elphaba dentro de todos nós. Existe uma pequena Glinda dentro de todos nós. A empatia com estas personagens é tão profunda que fez com que as pessoas adorassem este show e esta história por tanto tempo.”
Wicked foi indicado para 10 Oscars, incluindo Cynthia Erivo como melhor atriz e Ariana Grande como melhor atriz coadjuvante. O filme também foi indicado para os prêmios de melhor filme, melhor figurino e melhor trilha sonora. Acabou ganhando dois Oscars: melhor figurino e melhor design de produção.
Wicked foi indicado para quatro Globos de Ouro e venceu o prêmio especial de Conquista Cinematográfica e de Bilheteria. O filme também disputou sete prêmios Bafta e venceu dois.
No Brasil, Wicked está em cartaz nos cinemas e disponível no YouTube, Google Play, Apple TV e na Amazon Prime Vídeo.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL