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Em uma troca de mensagens via WhatsApp, Eduardo xinga o pai devido a uma entrevista em que ele foi chamado de imaturo. “VTNC SEU INGRATO DO C******’!, escreveu o deputado federal, usando a abreviação de um insulto de baixo calão.
Em outras conversas com Jair Bolsonaro, Eduardo ironiza e critica o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP). “Só para te deixar ciente: Tarcísio nunca te ajudou em nada no STF. Sempre esteve de braço cruzado vendo vc se f**** e se aquecendo para 2026”, diz uma das mensagens.
Em uma das conversas, Malafaia reprova um encontro realizado entre Tarcísio de Freitas e o encarregado de negócios Gabriel Escobar, da embaixada dos Estados Unidos no Brasil. ”Se Tarcísio foi a embaixada americana a pedido seu, você cometeu o maior erro político da sua vida”, escreve o pastor a Bolsonaro.
Em outro momento, faz críticas a Eduardo Bolsonaro, a quem chama de “babaca inexperiente” e “estúpido de marca maior”.
Os diálogos foram obtidos nos celulares de Bolsonaro, apreendidos pela PF no curso das investigações.
Na quarta-feira (20/08), o ex-presidente e o deputado federal Eduardo Bolsonaro foram indiciados por coação (intimidação) a autoridades que atuam no processo que apura uma suposta tentativa de golpe de Estado na qual Jair Bolsonaro é réu.
O indiciamento significa que, para a PF, há elementos para crer que pai e filho atuaram para pressionar autoridades envolvidas no curso do processo — que entrará na reta final a partir de setembro.
Para a PF, pai e filho atuaram de forma consciente para que o Brasil fosse alvo de sanções impostas pelo governo dos Estados Unidos.
Confira, a seguir, alguns dos diálogos revelados no relatório final da polícia.
Ironia e críticas a Tarcísio
As trocas de mensagens revelam algumas das disputas internas no núcleo mais próximo ao ex-presidente Jair Bolsonaro, com críticas profundas de Eduardo Bolsonaro ao governador de São Paulo e ex-ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas.
Conforme o relatório da PF, no dia 24 de junho, Bolsonaro envia para o filho, que já estava nos Estados Unidos, uma notícia do site Metrópoles com uma pesquisa de intenção de votos para 2026 e escreve: “Você perde para o molusco”, em referência a uma prevista vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Eduardo, então, responde de forma irônica: “Acho melhor eu ficar de fora mesmo! Tarcísio vai levar à frente suas bandeiras, inclusive demitindo secretárias ligadas ao PSOL etc. E ele dialoga muito bem. Vai anistiar geral, e o STF, que sempre foi aliado nosso, não será óbice”.
Em seguida, Eduardo comenta: “já imagino o TF (…)” (Tarcísio de Freitas) “(…) falando com o Trump sobre a China”. Logo depois, questiona o ex-presidente se ele teria conhecimento que tudo iria “cair na sua conta” e que o “futuro dos seus netos”, seria “falar inglês mesmo”.
Na sequência Jair Bolsonaro envia, em resposta, dois áudios que não puderam ser recuperados na extração, segundo a PF.

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No dia 25 de junho, Eduardo volta a se comunicar com Bolsonaro sobre o governador de São Paulo e envia uma foto, que a PF não conseguiu identificar. Ele afirma: “A narrativa do Tarcísio te sucedendo, que já há acordo para isto, está muito forte. Precisamos segurar isso para nos mantermos vivos aqui”.
Na avaliação dos investigadores da Polícia Federal, a fala evidencia a “preocupação” de que uma eventual escolha do governador como “sucessor de Jair Bolsonaro numa futura campanha presidencial possa atrapalhar as atividades em execução nos Estados Unidos”.
Em resposta, o ex-presidente envia um arquivo de áudio, cujo conteúdo também não pode ser recuperado.
Em 11 de julho, Eduardo envia a Bolsonaro uma reportagem que cita um encontro entre o governador de São Paulo e o encarregado de negócios dos Estados Unidos na Embaixada americana em Brasília.
O ex-presidente afirma que estaria com o governador naquele momento, e o deputado pede que seu pai informe a Tarcísio que “se quiser acessar a Casa Branca ele não conseguirá”, pois só quem teria acesso seriam o próprio deputado e o blogueiro Paulo Figueiredo. Diz: “Só eu e Paulo Figueiredo temos acesso”.
“As mensagens evidenciam a preocupação de Eduardo Bolsonaro em se colocar como o único interlocutor perante o governo estadunidense, como forma de garantir o êxito das ações criminosas de coação às autoridades brasileiras, uma vez que, a participação de outras autoridades brasileiras nas negociações, visando solucionar apenas as divergências econômicas, de interesse da sociedade brasileira, poderia frustrar as reais intenções dos investigados”, avalia a Polícia Federal sobre o diálogo, no relatório.

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Ainda no mesmo dia, Eduardo Bolsonaro envia nova mensagem reiterando que a participação de outra autoridade junto ao governo americano poderia inviabilizar seus esforços nos Estados Unidos.
O deputado então coloca em dúvida a lealdade de Tarcísio, usando um palavrão. Diz: “Só para te deixar ciente: Tarcísio nunca te ajudou em nada no STF. Sempre esteve de braço cruzado vendo vc se f**** e se aquecendo para 2026”.
E completa: “Aqui nos EUA, tivemos que driblar a ideia plantada pelos aliados dele, de que Tarcísio = Bolsonaro, uma clara mensagem de que os EUA não precisariam entrar nesta briga, pois com TF [Tarcísio de Freitas] ou vc, Trump teria um aliado na presidência do Brasil em 2027.”
“Agora ele quer posar de salvador da pátria. Se o sistema enxergar no Tarcísio uma possibilidade de solução, eles não vão fazer o que estão pressionados a fazer. E pode ter certeza, uma solução Tarcísio passa longe de resolver o problema, vai apenas resolver a vida do pessoal da Faria Lima.”
Xingamentos
Em 15 de julho, Eduardo Bolsonaro inicia o diálogo com Jair Bolsonaro afirmando que não seria um bom dia para que seu pai concedesse uma entrevista ao jornal Poder 360, pois havia “muita coisa acontecendo”.
O deputado afirma então que provavelmente iria até a Casa Branca no dia seguinte e diz ao ex-presidente que “se vc disser algo sobre EUA que não se encaixar com o que estamos fazendo aqui, pode enterrar algumas ações”.
Bolsonaro, em resposta, afirma que “não iria aprofundar nada sobre sanções” na entrevista, e que iria “ficar na denúncia”, em referência ao julgamento no qual é réu no STF.
O ex-presidente concedeu a entrevista no mesmo dia. Ao jornal Poder 360, disse que as tensões entre Eduardo e Tarcísio haviam sido “pacificadas”.
“O Tarcísio é governador de um estado, ele não é Presidente da República. Ele tem que estar vendo o empresariado lá de São Paulo, que por tabela é todo mundo. No meu entender ele está fazendo o possível. Vai conseguir? Não sei. Porque essas decisões são pessoais do presidente Trump”, declarou na entrevista.
Disse ainda: “Ele (Eduardo Bolsonaro) apesar de ter feito 40 anos de idade agora, né… ele não é tão maduro assim, vamos assim dizer, talhado para a política… tá bem. Ele acerta 90% das vezes, 9% quando meio e 1% está errando.”

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Após a publicação da entrevista, Eduardo demonstra irritação com o pai pelas declarações, segundo a troca de mensagens divulgada pela PF.
“Eu ia deixar de lado a história do Tarcísio, mas graças aos elogios que você fez a mim no Poder 360 estou pensando seriamente em dar mais uma porrada nele, para ver se você aprende”, escreve o deputado.
Ele continua: “VTNC SEU INGRATO DO C******!”, usando um palavrão. “Me f****** aqui! Vc ainda ajuda a te f**** aí!”, escreve ainda.
A conversa, segundo a PF, continuou com Eduardo citando termos usados pelo ex-presidente na entrevista.
“Se o IMATURO do seu filho de 40 anos não puder encontrar com os caras aqui, PORQUE VC ME JOGA PRA BAIXO, quem vai se fuder é vc E VAI DECRETAR O RESTO DA MINHA VIDA NESTA P**** AQUI!”
Eduardo diz ao pai: “Tenha responsabilidade!”. Bolsonaro respondeu com dois áudios. Segundo a PF, o conteúdo não foi recuperado pela investigação.
O deputado faz então outros dois comentários: “quero que vc olhe para mim e enxergue o Temer”, “vc falaria isso do Temer?”.
Segundo o relatório, a pergunta “aparentemente tem como referência à fala do ex-Presidente em entrevista ao jornal Poder360 quanto à maturidade política do filho.”

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Também de acordo com o documento, as mensagens demonstram a preocupação de Eduardo Bolsonaro com as declarações do ex-presidente, com o apoio dado ao governador Tarcísio de Freitas e na forma como isso refletiria em sua situação política nos Estados Unidos.
“Constata-se que o investigado temia que as declarações impactassem negativamente sua posição e suposta influência no exterior, podendo ‘decretar o resto da sua vida’ nos EUA”, diz a PF no relatório.
Após essas mensagens, Jair Bolsonaro realizou um pronunciamento em rede nacional com afirmações mais favoráveis ao filho. Na madrugada do dia 16 de julho, Eduardo pede desculpas ao pai pelas falas realizadas no dia anterior, alegando que “estava p**** na hora”.
Em seguida, encaminha a foto de uma publicação sua na rede social X, pacificando o conflito entre ele e Tarcísio.
“Peguei pesado…”, diz Eduardo em uma das mensagens de desculpas enviadas ao pai.

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‘Vc tem sido o meu maior empecilho’
As mensagens reveladas pela PF revelam também outro momento de embate entre pai e filho.
Em 9 de julho, após o anúncio da imposição da tarifa de 50% pelos EUA a produtos importados do Brasil, Jair e Eduardo Bolsonaro conversam sobre um possível posicionamento do ex-presidente à notícia. O deputado envia ao pai um esboço de uma nota e pede aprovação para divulgação.
No dia seguinte, a PF identificou a realização de suas chamadas de vídeo entre os dois. Minutos após o encerramento da segunda ligação, Eduardo envia uma mensagem advertindo o ex-presidente da necessidade de publicar um agradecimento ao presidente americano Donald Trump em suas redes sociais.
“O cara mais poderoso do mundo está a seu favor. Fizemos a nossa parte”, escreve o deputado.
Na continuidade da mensagem, Eduardo critica o pai por não fazer sequer “um tweet vaselina”.
“Uma guerra de cada vez. O cara mais poderoso do mundo está a seu favor. Fizemos a nossa parte. Se o maior beneficiado não consegue fazer um tweet vaselina, aí realmente ferrou”, diz o deputado.
“Vc tem sido o meu maior empecilho para poder te ajudar”, escreve ainda ao pai.
Eduardo segue: “Opinião pública vai entender e vc tem tempo para reverter se for o caso. Vc não vai ter tempo de reverter se o cara daqui virar as costas para você. Aqui é tudo muito melindroso qualquer coisinha afeta. Na situação de hoje, vc nem precisa se preocupar com cadeia, vc não será preso. Mas tenho receio que por aqui as coisas mudem. Mesmo dentro da Casa Branca tem gente falando para o 01: “ok, Brasil já foi. Vamos oara (sic) a próxima”
“Eu quero postergar este bom momento de agora, mas se o nosso cara vai encontrar o 01 sem nenhum tweet seu, te adianto que isto não será bem recebido”.

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Em resposta, Jair Bolsonaro concorda. Os dois realizam então mais uma chamada de vídeo e o ex-presidente envia um arquivo de áudio, que não pode ser recuperado, e outras mensagens que foram apagadas.
Eduardo, então, questiona se poderia “divulgar” o pronunciamento e o ex-presidente responde com um “ok”.
Bolsonaro posteriormente encaminha uma nota similar àquela enviada pelo filho no dia anterior, mas com algumas alterações. O texto foi publicado no Instagram do ex-presidente no mesmo dia.
‘Esse seu filho é um babaca inexperiente’
O relatório da Polícia Federal também traz uma série de diálogos entre Jair Bolsonaro e o pastor Silas Malafaia.
Em um das conversas, de 11 de julho, o religioso também faz críticas ao governador Tarcísio de Freitas e ao seu encontro na Embaixada dos Estados Unidos.
“Você sabe que sou seu aliado de 1ª hora. Com todo respeito a você. Se o que eu falar não for verdadeiro, por favor, não precisa me dar explicação nenhuma e desconsidere o que eu vou falar”, escreve Malafaia.
”Se Tarcísio foi à embaixada americana a pedido seu, você cometeu o maior erro político da sua vida”, continua.
“Se Trump refrescar para Lula sem resolver a sua questão que é o motivo principal da taxação – é só ler a carta, Lula vai deitar e rolar e sair por cima”, diz ele. “O endereço para acordo é o STF, são os únicos que podem pressionar Lula e arrumar uma saída honrosa para eles que estão com o rabo na reta”.
“Você está com a faca e o queijo na mão. Se errar a estratégia, sifus!”, finaliza.

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Ainda no dia 11, Silas Malafaia escreve novamente para Jair Bolsonaro, dessa vez demonstrando descontentamento com Eduardo Bolsonaro e a forma como o deputado reagiu à imposição de novas tarifas ao Brasil pelos Estados Unidos.
“Esse seu filho é Eduardo é um babaca, inexperiente que está dando a Lula e a esquerda o discurso nacionalista, e, ao mesmo tempo, te ferrando”, disse o pastor.
O religioso continua: “Um estúpido de marca maior. Estou indignado! Só não faço um vídeo e arrebento com ele porque por consideração a você. Não sei se vou ter paciência e ficar calado se esse idiota falar mais alguma asneira”.

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Malafaia está proibido de se comunicar com Jair Bolsonaro e Eduardo Bolsonaro, e de viajar para fora do Brasil, por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do STF. O pastor precisou entregar todos seus passaportes às autoridades.
A Polícia Federal foi autorizada a acessar dispositivos eletrônicos apreendidos e a quebrar sigilos bancário, fiscal e telefônico do pastor.
Malafaia prestou depoimento à polícia na noite de quarta-feira (20/08). Na saída, ele foi recebido por apoiadores e em declarações a jornalistas criticou Moraes, a quem chamou de criminoso.
“Apreender meu passaporte? Eu não sou bandido. Apreender meu telefone? Vai descobrir o quê? Eu ainda dei a senha, porque eu não tenho medo de nada”, disse Malafaia.
“Conversa com Bolsonaro… eu estou proibido de falar com ele. [Eu] converso com amigos. Eu tenho conversa de amigo. E conversas particulares não interessam a ninguém. Que país é esse que vaza conversas minhas particulares, como se eu instruísse Eduardo: ‘olha, faz assim, ou faz assado’. Quem sou eu? A posição de Eduardo é dele.”
“É uma vergonha. Que país é esse? Que democracia é essa? Eu não vou me calar. Vai ter que me prender para me calar.”
Fonte.:BBC NEWS BRASIL