8:15 AM
20 de outubro de 2025

Zero calorias ou zero vantagens? Entenda os dilemas das bebidas sem açúcar

Zero calorias ou zero vantagens? Entenda os dilemas das bebidas sem açúcar

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A cena é a seguinte: jovens filmam-se abrindo a geladeira no meio de um dia conturbado de trabalho para pegar e tomar uma latinha gelada de refrigerante.

Zero, claro! É como se, com alguns goles, o estresse fosse para o ralo. O mesmo efeito, digamos, de um cigarro.

Mas com a diferença brutal de tragar um produto sem açúcar, ou seja, que teoricamente não faz mal à saúde.

Cenas assim viralizaram nas redes sociais, mobilizando uma tendência batizada de fridge cigarette — em português, literalmente “cigarro de geladeira”.

E esse é apenas um fenômeno associado à popularidade e à fama de inócuas ou até mesmo saudáveis das versões zero de bebidas e alimentos, um nicho de mercado que abocanha cada vez mais consumidores com a promessa de ao menos não fazê-los engordar ou prejudicar o organismo.

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O Brasil está na crista dessa onda: de acordo com um relatório de 2024 da Femsa, responsável por levar a Coca-Cola a oito estados do país, houve 56% de crescimento nas vendas da versão zero por aqui. No mesmo período, o México, por exemplo, registrou apenas 8% de aumento.

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Isso até levantou a dúvida: será que a Coca Zero já seria mais vendida que a normal no Brasil? Mas a empresa se pronunciou dizendo que ainda não é o caso.

Já a Baly, marca de energéticos brasileira que possui seis sabores sem açúcar no portfólio, superou a gigante Red Bull em vendas, e assumiu a vice-liderança no mercado de bebidas cafeinadas do país.

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(Design e ilustração: Laura Luduvig/Veja Saúde)

Além de produtos zero açúcar e zero caloria, já é possível ver nos rótulos alegações como “duplo zero” ou “triplo zero”, como se isso fosse um atestado de saudabilidade.

“Há um movimento dos consumidores para reduzir o açúcar sem sacrificar o sabor, sendo ele o principal fator considerado na compra de produtos zero”, diz Gislene Cardozo, diretora-executiva da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos para Fins Especiais e Congêneres.

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A moda pegou até entre profissionais da saúde, que propagam frases como “Não mexam com a minha coquinha zero” nas mídias sociais.

Enquanto isso, novos estudos observacionais colocam em xeque o consumo desenfreado de bebidas cheias de adoçantes artificiais, associando o aditivo a problemas de saúde que vão de declínio cognitivo a comprometimentos no fígado — sem contar que os corantes dessas bebidas são acusados de relação com o câncer.

Nesse cenário, em que o prazer e a nutrição tentam andar lado a lado, os produtos zero passaram a protagonizar mais uma discussão: são mesmo saudáveis ou melhor evitar?

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A origem dos produtos “zero”

Para responder à questão, vale a pena um recuo ao passado. Toda essa categoria de bebidas e alimentos zero, que antes carregavam os nomes diet ou light, nasceu nos anos 1950, com o objetivo de permitir a pessoas com diabetes desfrutar de um refri ou de um docinho.

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Em 1952, foi lançada nos Estados Unidos a primeira bebida com teores reduzidos de açúcar e calorias do planeta, a No-Cal. E ela foi um sucesso não apenas entre diabéticos, mas também entre donas de casa que queriam controlar o peso.

Bingo!, pensaram as grandes fabricantes de refrigerante, que passaram a lançar suas marcas com essa proposta nos anos 1960.

A categoria foi decolando, ainda com um público mais restrito, até que nos anos 1980 surgiu a Coca Diet. Com a promessa de ser tão gostosa quanto a normal, ela puxou o primeiro grande boom do segmento e logo se tornou a bebida dietética mais vendida do mundo.

Agora, com a versão Zero, o sucesso está mais do que consolidado — e seduz todas as culturas, idades e classes sociais.

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Mas não há como negar: assim como qualquer outro refri, a bebida continua sendo um xarope gaseificado.

“Não só os refrigerantes, mas a maioria dos produtos zero açúcar continua pertencendo à categoria dos ultraprocessados”, afirma a nutricionista Érika Carvalho, presidente do Conselho Federal de Nutrição (CFN). “E a ciência vem mostrando que a exposição diária e cumulativa a múltiplos aditivos usados nesses produtos pode ter impactos na saúde no longo prazo.”

Ou seja, o fato de ser “zero” não torna um alimento saudável. Fora que cortar um ingrediente importante para a formulação sem deixar a receita desandar não é algo simples.

“Além de dar o dulçor, o açúcar exerce outras funções na fórmula, como auxiliar na textura e na conservação. Por isso, ao tirá-lo, é preciso introduzir vários aditivos”, observa a engenheira química e consultora de alimentos Francyne Souza, da ONG ACT Promoção da Saúde.

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O impacto das bebidas ultraprocessadas no organismo

De forma geral, o consumo rotineiro de bebidas ultraprocessadas com açúcar é ligado por estudos a doenças como diabetes, obesidade, gastrite, problemas renais, hepáticos e até cardíacos.

Mas e as versões zero? Ofereceriam tamanho risco?

“No caso do fígado, enquanto o refrigerante convencional representa um agressor direto ao órgão, a versão zero, se consumida constantemente, pode atuar como um facilitador, pois cria um ambiente metabólico e inflamatório que predispõe a doenças”, diz a endocrinologista Alina Feitosa, professora da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública.

E antes a confusão se restringisse ao fígado. Uma pesquisa publicada no periódico da Associação Americana do Coração descobriu que indivíduos que bebem mais de 2 litros de refrigerantes por semana, mesmo o zero, corriam um risco até 20% maior de encarar um tipo de arritmia cardíaca.

Os autores ressaltam que não dá para culpar o refri sozinho, mas o ideal é maneirar.

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A polêmica dos adoçantes artificiais

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(Design e ilustração: Laura Luduvig/Veja Saúde)

É nesse mesmo contexto que um debate voltou à mesa: será que os adoçantes que entram no lugar do açúcar nessas fórmulas seriam inofensivos à saúde?

Os estudos toxicológicos analisados pelas agências regulatórias mundo afora garantem: eles são seguros para consumo humano nas quantidades recomendadas.

Mas grandes pesquisas populacionais recentes contestam quão inócuos eles podem ser ao longo de anos. E parece haver um contraste entre regulamentações mais antigas e evidências mais novas.

“Quando a maioria dos edulcorantes foi avaliada inicialmente, os parâmetros de segurança consideravam apenas toxicidade aguda e ingestão máxima tolerável”, afirma Carvalho.

“Hoje, evidências recentes indicam que alguns adoçantes podem alterar a microbiota intestinal, modular mecanismos de glicemia e saciedade e induzir inflamação de baixo grau”, completa a presidente do CFN.

Adoçantes aceleram envelhecimento do cérebro?

Uma análise da Faculdade de Medicina da USP, por exemplo, publicada na renomada revista Neurology, também deu o que falar ao associar o consumo de adoçantes a um declínio cognitivo acelerado.

Apesar do furor, o trabalho, baseado na avaliação retrospectiva de hábitos e dados de saúde de mais de 12 mil voluntários, não aponta uma relação de causa e efeito, do tipo “Quem bebe ficará com o cérebro pior”.

Mas não dá para desacreditar totalmente o sinal de alerta. No campo da nutrição, muitas hipóteses são levantadas a partir da avaliação do estilo de vida e das escolhas alimentares de uma população, os chamados estudos observacionais.

O ideal, para cravar a relação de causalidade, é que tais teses sejam averiguadas em ensaios clínicos controlados — aqueles em que se dividem, aleatoriamente, as pessoas em grupos que serão instruídos a seguir comportamentos diferentes isolados, como usar ou não adoçante.

Contudo, há inúmeras barreiras para tocar investigações dessa natureza. “Na prática, questões éticas, logísticas, financeiras e metodológicas impedem que grandes estudos clínicos examinem a relação entre alimentação e saúde”, afirma a nutricionista Maria Laura Louzada, do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (NUPENS) da Universidade de São Paulo (USP).

“É por isso que a interação entre nutrientes, padrões ou ambientes alimentares é avaliada por meio dos trabalhos observacionais”, conclui.

Se dependêssemos só dos experimentos clínicos para falar de riscos, não saberíamos muitos malefícios dos ultraprocessados ou do álcool, por exemplo.

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Nem vilão, nem mocinho: o papel dos produtos “zero”

Dito tudo isso, embora não sejam a maravilha que propagandas e postagens insinuam, os produtos zero tampouco deveriam ser demonizados.

Inclusive porque existem pessoas que tiram vantagem deles ao preferirem essa versão à tradicional.

Para indivíduos que precisam controlar a glicemia, mesmo a OMS, contrária ao consumo generalizado de adoçantes e suas fontes, entende que pode fazer sentido a indicação.

Tal orientação se aplica às pessoas com diabetes e àquelas acima do peso e, portanto, com maior risco de desenvolver essa condição — cerca de 60% da população brasileira.

“Muitas pessoas em processo de emagrecimento precisam de componentes doces para ter mais adesão à dieta. Se o nutricionista tirar tudo, elas não vão conseguir. Daí que bebidas zero, em quantidades controladas, podem ter um papel a cumprir”, explica a nutricionista Mônica Beyruti, da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso).

O nutricionista Thiago Barros, mestre pela Unifesp, concorda e acrescenta que a vontade exacerbada por doces, tão presente entre os brasileiros, está intimamente relacionada a um desequilíbrio interno de nutrientes — outro fator a sabotar a alimentação.

O refri zero é muitas vezes uma contenção de danos até que a pessoa ajuste a dieta corretamente”, diz. “As pessoas acham que, ao cortar carboidrato, vão perder peso, mas, nessa situação, em que o organismo pede energia, acabam compensando a necessidade em forma de doces”, ilustra.

Sob tal ótica, o zero seria uma opção para o emagrecimento não desandar até a pessoa se acostumar.

Ah, mas o refri zero tem muito mais sódio que o original, não? Barros desmitifica essa história pontuando que o ideal é consumir no máximo 2 mil mg do mineral por dia, e uma lata de Coca Zero oferece menos de 50 mg (2,5% do total recomendado).

“Tem marmita fit congelada que possui de 40 a 80% do valor diário estipulado de sódio, e ninguém aponta o dedo para elas”, compara o nutricionista.

É claro que o profissional não está dando passaporte livre para abrir a geladeira toda hora; o ponto é alinhar as expectativas.

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(Design e ilustração: Laura Luduvig/Veja Saúde)

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Lembrando: ser “zero” não é sinônimo de ser é saudável

O universo “zero”, aliás, comporta uma miríade de produtos, com direito a bolos e outros quitutes. O que você precisa ter em mente é o seguinte: não é porque eles estampam essa palavrinha na embalagem que viram sinônimo de saudáveis.

“Muitas vezes, a versão zero açúcar de um alimento compensa sua formulação com mais gordura, o que deixa o produto final com a mesma quantidade ou até mais calorias que o original”, exemplifica Beyruti.

Portanto, é preciso ficar sempre de olho no rótulo.

Nutrição depende de padrão e contexto. Levando isso em conta, se a dieta anda bem equilibrada, uns goles de refrigerante gelado (normal ou zero) para relaxar de vez em quando não serão o fim do mundo.

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Fonte.:Saúde Abril

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