Em tempos em que se fala tanto sobre bem-estar emocional, a poesia ressurge como um instrumento silencioso, porém potente, de escuta e cura.
Mais do que uma forma de expressão artística, ela atua como um espelho da alma: revela, ressignifica e consola. Para quem escreve — especialmente na maturidade —, o ato poético se torna uma prática de interiorização, uma espécie de divã literário, onde a solidão é trabalhada, entendida e compartilhada.
A poesia é, muitas vezes, um objeto da contradição e da percepção humana. Ela fala da vida das pessoas, traduz sensações e emoções oriundas do interior — e, por isso mesmo, está profundamente conectada a uma visão de alta percepção psicológica.
Se olharmos de perto, veremos um elo muito íntimo entre poesia e psicanálise: ambas operam no campo das contradições humanas, mergulham no que há de mais oculto, mais delicado e mais essencial.
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Se você passear pela literatura humana, vai ver que a poesia serviu, para todos os poetas, como objeto de percepção das suas vidas interiores. Não é fácil escrever poesia, mas também não é fácil viver sem poesia. Ela é uma forma de sobrevivência — um exercício de interiorização.
Poder escrever, o ato da poética, é também um ato de percepção de empréstimo: você escreve a partir de si, mas entrega para o outro. É preciso estar conectado com o nada, desvestido, em busca da pureza da alma. Talvez seja essa a essência do fazer poético.
Escrever, portanto, é um exercício de solidão. Uma solidão que precisa ser traduzida de forma plural. A pluralidade da solidão se aproxima do próximo. E aí, a sua percepção tem que ser uma percepção coletiva. Essa coletividade — esse rebanho de experiências sobre a vida — traz à luz a possibilidade de interiorizar o seu eu e os outros eus. É a multiplicidade do eu transportada para que sirva ao outro, para que toque e faça viver experiências que são ao mesmo tempo suas e de quem lê.
Esse processo, embora solitário, leva a uma interiorização que pode servir como uma espécie de terapia do prazer. Não uma sessão terapêutica convencional, mas um saborear das emoções. O divã, nesse caso, é o papel, o texto, a poética, a narrativa. A escrita transforma-se em espaço de escuta e expressão. E isso consola.
Consola porque, à medida que você vai escrevendo, percebe que aquilo pode servir para que outras pessoas experimentem sua solidão — e, a partir dela, possam reconhecer as próprias solidões. O poema serve como um socorro, como uma ajuda, como uma prece, como uma oração.
É para isso que serve a poesia. Ela não serve para absolutamente nada, a não ser para trazer felicidade a quem lê. À medida que você lê um texto que te agrada, você adentra esse texto. Ele se abre como abrigo. E talvez seja só isso. Mas, no fim, é um bom trabalho.
*Vicente Humberto nasceu em Uberaba, Minas Gerais. Atualmente, reside entre Araxá (MG) e Catalão (GO). Poeta e escritor, formou-se em Engenharia de Minas pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e em Letras pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Seu mais recente livro, Caixa de Vazios (Ficções Editora, 2024), aborda a falta, a solidão e os ciclos da vida.
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Fonte.:Saúde Abril