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18 de junho de 2025

Nem aceleração nem estagnação: a transição religiosa – 18/06/2025 – Cotidiano

Nem aceleração nem estagnação: a transição religiosa – 18/06/2025 – Cotidiano

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Os dados do Censo Demográfico 2022, do IBGE, confirmaram que o Brasil atravessa um profundo processo de transição religiosa, marcado por quatro vetores principais: a queda do percentual de filiações católicas, o crescimento das filiações evangélicas, o avanço das demais religiões e o aumento do número de pessoas que se declaram sem religião.

Durante 400 anos, a religião católica manteve um monopólio quase total sobre a prática religiosa no país. O Censo de 1890, realizado no primeiro ano da República —após a perda do status da religião oficial— indicava que os católicos representavam cerca de 99% da população, enquanto os evangélicos correspondiam a apenas 1%.

Cem anos depois, o Censo de 1991 registrava 83,3% de católicos, 9% de evangélicos, 4,6% de pessoas sem religião e 3,1% pertencentes a outras religiões. Até então, os católicos vinham perdendo, em média, 1,5% por década. No entanto, entre 1991 e 2010, essa perda se intensificou, alcançando quase 1% ao ano, enquanto os evangélicos cresceram a uma taxa de 0,7% ao ano, e os outros dois grupos, em conjunto, subiam cerca de 0,3% ao ano.

Esse período, entre 1991 e 2010, marcou uma aceleração significativa na transição religiosa brasileira. Infelizmente, o IBGE não realizou levantamentos sobre filiação religiosa no último período intercensitário, o que resultou em um vácuo informativo justamente em um momento crucial. Nesse intervalo, uma pesquisa do Centro de Estudos da Metrópole, da USP, apontou um crescimento de 543% no número de templos evangélicos entre 1990 e 2019, passando de 17.033 para 109.560 igrejas.

Diante do crescimento dos templos evangélicos e da ausência de informações atualizadas do IBGE, elaborei uma projeção com base nas variações observadas entre 1991 e 2010, considerando um cenário de aceleração das tendências históricas da transição religiosa. Nessa projeção, os evangélicos ultrapassariam os católicos em 2032. Sem embargo, tratava-se de uma data meramente hipotética, resultado de uma extrapolação de padrões passados. Não foi uma profecia e muito menos um desejo. Evidentemente, nenhuma fórmula pode prever o futuro com precisão absoluta.

Contrariando as expectativas anteriores, o Censo 2022 apontou uma desaceleração no ritmo de mudança. Os novos números merecem análise criteriosa. Ao mesmo tempo, é necessário questionar até que ponto os dados refletem com precisão a realidade, uma vez que existem pelo menos três dúvidas relevantes.

Primeiro, não se sabe em que medida a baixa cobertura censal impactou os resultados finais. Segundo, o Censo 2022 excluiu as crianças de 0 a 9 anos, o que pode distorcer os percentuais, especialmente dos evangélicos e, ainda mais, dos que se declaram sem religião. Terceiro, o IBGE ainda não divulgou os dados desagregados por denominação religiosa, o que levanta a possibilidade de problemas na classificação e categorização das diferentes filiações religiosas.

Em todo caso, os novos dados não indicam a imutabilidade da hegemonia católica. O Censo 2022 registrou o menor percentual de católicos em 522 anos do Brasil e, ao mesmo tempo, o maior percentual de evangélicos da história. Os dados revelam ainda que, em duas Unidades da Federação —Acre e Rondônia— os evangélicos já superaram os católicos, assim como em 245 municípios em todo o país.

Além disto, a razão entre evangélicos e católicos (REC) aumentou em 99% das cidades brasileiras. Na região metropolitana do Rio de Janeiro, os evangélicos já superaram os católicos na soma dos 21 municípios do entorno da capital, que englobam uma população de cerca de 6 milhões de habitantes.

Com base nas tendências observadas entre 2010 e 2022, refiz os cálculos e elaborei uma nova projeção para o cenário nacional. Segundo essa estimativa, em 2049 o Brasil poderá ter 38,6% de evangélicos, 38% de católicos, 12,5% de pessoas sem religião e 10,9% pertencentes a outras tradições religiosas. Não se trata de um vaticínio, mas apenas de uma projeção de referência útil para quem deseja compreender o que poderia ocorrer caso a variação observada entre os últimos dois censos se mantenha constante.

A estatística, a meu ver, é apenas um instrumento de cálculo, e não uma ferramenta determinística para a análise da dinâmica sociodemográfica do país. A transição religiosa tem sido impulsionada por três vetores sociais fundamentais.

O primeiro diz respeito às transformações econômicas e institucionais, como a monetarização das relações sociais, a ampliação das oportunidades educacionais e profissionais e a universalização do acesso à saúde pública. O segundo vetor envolve a superação da estrutura agrária de subsistência e o aumento do ritmo acelerado da urbanização. O terceiro refere-se à transição demográfica, marcada pela queda da fecundidade, pela redução das mortes precoces e pelo aumento da expectativa de vida.

Como destacou o sociólogo Max Weber, a ética protestante apresenta afinidades eletivas com a sociedade urbano-industrial e com a lógica da economia de mercado. São esses os fatores que, em grande medida, impulsionam a transição religiosa no Brasil no século 21. Afinal, a única coisa permanente é a mudança.



Fonte.:Folha de S.Paulo

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