(FOLHAPRESS) – As regras frouxas para ter acesso às conferências do clima da ONU (COPs), combinadas à falta de salvaguardas de transparência pelo órgão das Nações Unidas para as mudanças climáticas (UNFCCC), têm permitido que lobistas a serviço da indústria de combustíveis fósseis participem amplamente das negociações sobre o clima no planeta.
A conclusão é de um novo relatório, publicado nesta quarta-feira (19) pela ONG Transparência Internacional.
Os pesquisadores analisaram a lista de participantes das últimas conferências, bem como uma base de dados da KBPO, coalizão de organizações que combatem grandes poluidores.
O levantamento identificou que quase 70% dos 1.773 lobistas de combustíveis fósseis presentes nas negociações da COP29 -que aconteceu em 2024 em Baku, no Azerbaijão- integraram delegações estatais.
Há diferentes tipos de credenciais para as conferências do clima, e o tipo de crachá determina o nível de acesso e participação de seus portadores.
O relatório identificou que a maioria dos lobistas da indústria do petróleo contava com credenciais do tipo “parte”, membros das delegações nacionais, com acesso a áreas de negociação, plenárias e espaços restritos, e “suporte das partes”, emitida por governos e que permite a inclusão de delegados extras nas delegações nacionais.
Segundo a análise, 339 lobistas dos combustíveis fósseis foram oficialmente registrados como negociadores estatais na COP29, “o que destaca o nível de acesso da indústria ao centro das decisões internacionais sobre o clima”.
“A grande presença de lobistas de combustíveis fósseis na COP está corroendo a confiança e comprometendo a integridade das negociações climáticas. Esses lobistas frequentemente têm acesso privilegiado, pois estão amplamente inseridos [70%] nas delegações nacionais”, disse à Folha o líder de clima na Transparência Internacional, Brice Böhmer.
“Eles [lobistas] promovem políticas que favorecem os interesses dos combustíveis fósseis, vão contra a ciência, atrasam ações e dificultam resultados ambiciosos. A ausência de exigência de divulgação obrigatória e a falta de regulação sobre conflitos de interesse favorecem ainda mais essa influência indevida, contribuindo para compromissos climáticos globais mais fracos e perda de credibilidade”, detalhou.
Na conferência do clima de Baku, Azerbaijão, Rússia e Brasil -todos grandes produtores de petróleo- estiveram entre os países com maior número de delegados com credenciais de “suporte das partes”.
Pela lista de participantes, a delegação russa incluiu negociadores da gigante energética Gazprom, enquanto a do Azerbaijão contou com pelo menos 16 membros da SOCAR, a companhia nacional de petróleo e gás. Pelo documento, o Brasil teria levado sete delegados afiliados à Petrobras.
De acordo com o relatório, a falta de transparência sobre as afiliações dos participantes com essas credenciais leva a questionamentos sobre a equidade e a legitimidade do processo, considerando o uso frequente desses crachás por lobistas da indústria.
Diante desse cenário, a Transparência Internacional pediu que o Brasil use sua influência como presidente da COP30 para trazer regras mais rígidas para o processo de credenciamento da conferência, que acontecerá em novembro em Belém.
A entidade pede ainda que o debate sobre a questão do conflito de interesses seja incluído no recém-anunciado Balanço Ético Global (BEG), mecanismo lançado pelo governo brasileiro e pela ONU com a proposta de fazer uma “escuta ética e planetária sobre a crise climática”.
Em março, uma carta aberta endereçada à liderança da COP30 cobrou maior transparência no processo de credenciamento e medidas para impedir a influência do lobby do petróleo. O documento foi assinado por um grupo de mais de 250 organizações e especialistas.
O novo relatório afirma que a presidência brasileira da COP30, liderada por negociadores climáticos experientes e com a presença de autoridades ambientais nacionais, vem sendo recebida com otimismo cauteloso. No entanto, os pesquisadores alertam para “a força do lobby do agronegócio” e “o papel significativo” da Petrobras na economia.
“A presidência brasileira da COP30 enfrenta riscos de integridade devido à forte influência interna da Petrobras e do lobby do agronegócio. Como aponta o relatório preliminar, a Petrobras já fez parte da delegação oficial do Brasil na COP29. Se esses interesses da indústria dos combustíveis fósseis influenciarem as ações da presidência da COP, existe o risco de que o processo priorize ganhos privados em detrimento de metas climáticas ambiciosas”, reforçou Böhmer.
“A COP30 representa um momento crucial para enfrentar essas falhas de governança e reconstruir a confiança nas negociações climáticas. A Transparência Internacional incentiva o Brasil a estabelecer salvaguardas de integridade rigorosas, como a divulgação de todas as afiliações e interesses, além de evitar vínculos com indústrias altamente poluentes, para proteger a credibilidade da COP30”, completou.
Desde a COP28, realizada em Dubai em 2023, todos os participantes da conferência devem declarar sua “afiliação organizacional”. No entanto, isso não foi suficiente: ainda é possível selecionar a opção “prefere não divulgar”, além de outras descrições genéricas, como “outros” ou “convidado”, que complicam a identificação real dos interesses dos credenciados.
A análise revelou que mais de 6.200 participantes da COP29, cerca de 15% dos presentes, optaram por não divulgar suas afiliações. Mais de 90% dessas pessoas tinham credenciais nacionais oficiais.
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Fonte Noticias ao Minuto