A queda no desejo sexual é uma queixa constante entre as mulheres. No entanto, nem sempre o tema é lembrado dentro dos consultórios médicos.
A abordagem da sexualidade deve ser parte da rotina, independentemente da especialidade em questão. É o que defendem experts de diferentes áreas, incluindo a psicologia e a psiquiatria, que participaram do Congresso Brain, realizado em Fortaleza, no Ceará.
Palestrante do evento, a psiquiatra e sexóloga Carmita Abdo, professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), resume que a libido está associada a diferentes esferas, incluindo, por exemplo, o contexto físico do indivíduo, as condições psíquicas e os laços afetivos dos relacionamentos.
“Sem saúde física e emocional, ninguém consegue ter saúde sexual. Quando falamos em disfunção sexual, estamos falando na incapacidade para participar do relacionamento com satisfação”, ressaltou Abdo.
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Nesse sentido, o baixo interesse pelo sexo pode surgir quando alguma das áreas mencionadas anteriormente não vai muito bem.
Fatores de risco para a disfunção sexual feminina
Os principais são:
- Estresse
- Depressão e ansiedade
- Disfunção sexual da parceria
- Relacionamento conflituoso
- Baixa inserção social
- Educação sexual precária
- Doenças em geral
- Medicamentos e abuso de drogas ou substâncias
A amplitude do problema requer também um olhar atento e multiprofissional, que permita a avaliação do sujeito como um todo. Do ponto de vista feminino, temos um componente de grande importância para o desejo: o estrogênio.
“É o hormônio que traz a percepção sensorial, como a sensibilidade da pele e das mucosas, além da saúde dos músculos, dos ossos e da cognição, tão importantes para um sexo de qualidade. E, claro, a produção do óxido nítrico, pelas células endoteliais da vagina, levando à vasodilatação e à lubrificação. Sem o estrogênio, nada disso acontece”, pontua Abdo.
A sexóloga frisa que a testosterona, embora presente em níveis significativamente inferiores no organismo das mulheres em comparação ao dos homens, também é essencial para a motivação sexual.
Por isso, é importante levar em consideração que, ao longo das diversas fases da vida, as concentrações hormonais podem apresentar variações no corpo da mulher. Isso ocorre especialmente em períodos como o início da menstruação, a gestação, durante a amamentação, o climatério e a menopausa, consequentemente impactando na redução da libido.
Quando se trata de remédios, é comum pensar que os antidepressivos são os principais vilões no que diz respeito à queda do desejo. No entanto, um número ainda maior de compostos e substâncias podem influenciar negativamente a função sexual das mulheres.
A lista reúne fármacos anticonvulsivantes, diuréticos, anti-hipertensivos, anticancerígenos, antialérgicos e corticoides, o hormônio progesterona, além de álcool e drogas como cocaína, maconha, nicotina e opioides.
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Desafios para o tratamento do baixo desejo sexual da mulher
A avaliação da função sexual costuma ser deixada de lado ou sem segundo plano durante a prática clínica. Um dos motivos é o conhecimento e treinamento acadêmico limitados para as questões de saúde sexual. Por outro lado, também são menores as chances de mulheres relatarem de maneira espontânea o tema durante um consulta.
Excluídas as causas comportamentais ou hormonais pontuais, uma condição de saúde pode estar por trás da queda da libido. Trata-se do transtorno do desejo sexual hipoativo (TDSH), a disfunção sexual mais presente entre as mulheres, de acordo com a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).
Um estudo publicado no The Journal of Sexual Medicine, considerando 14 mil mulheres, entre 40 e 80 anos, de quase 30 países indicou queixas relativas ao transtorno que chegam a 43% das participantes.
O diagnóstico considera critérios como:
- desejo espontâneo reduzido ou ausente, considerando pensamentos e fantasias
- a mesma baixa acima, porém, diante de estimulação
- incapacidade de manter o desejo ou interesse durante o sexo por pelo menos seis meses, com apresentação de sofrimento.
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Para definir o melhor caminho para o tratamento, é preciso identificar primeiramente as principais causas relacionadas. Por isso, é importante contar com uma equipe multidisciplinar como mencionado anteriormente, envolvendo principalmente especialistas em ginecologista, psicologia e psiquiatria.
Em alguns casos, podem ser úteis, por exemplo, orientações sobre anatomia que auxiliam as pacientes no conhecimento do próprio corpo e de como a resposta sexual funciona. A estratégia busca minimizar os danos gerados pelos diversos mitos, crenças populares, tabus e a repressão feminina no contexto do sexo.
“Trazer recursos educacionais pode destravar o prazer sexual. É importante questionar essa mulher sobre o que ela sabe sobre a própria sexualidade e o conhecimento anatômico. Tem muita gente que não conhece a própria vulva e a chama de vagina”, frisou a psicóloga Fernanda Cabral Bonato, especialista em terapia sexual pela Sociedade Brasileira de Estudos em Sexualidade Humana (SBRASH), palestrante do Congresso Brain.
Além disso, também é importante resgatar informações sobre prazer e direito sexual, especialmente para pacientes que foram vítimas de abuso ou violência sexual.
Dentre as questões físicas, é importante observar e tratar problemas como diabetes, hipertensão arterial e obesidade, que podem influenciar na libido de maneira relevante. Quando o transtorno é diagnosticado, o uso de testosterona em forma de gel é uma opção de tratamento.
Na seara da saúde mental, destacam-se a depressão, a ansiedade, o estresse crônico, transtorno do pânico e esquizofrenia. Vale pontuar também a influência negativa exercida por problemas financeiros, familiares e no ambiente de trabalho.
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Futuro
As pesquisas recentes sobre o tratamento medicamentoso do desejo sexual hipoativo enfrentam desafios. Grande parte dos estudos que buscam novos agentes para o problema foram suspensos ou não apresentam resultados consistentes.
Os mais promissores envolvem a kisspeptina e o Lybridos, cujos ensaios de fase III estão em andamento. Após a aprovação pela Food and Drug Administration (a “Anvisa” dos Estados Unidos), foram publicados poucas análises sobre a flibanserina e o bremelanotide, medicações cuja real eficácia tem sido questionada pela comunidade científica.
Nesse cenário, observa-se uma tendência ao tratamento psicossexual ou terapias combinadas. Contudo, não há até o momento um consenso sobre o tratamento ideal com o uso de fármacos.
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Fonte.:Saúde Abril