
Crédito, Agência Brasil e Câmara dos Deputados
O decreto fazia parte de um conjunto de medidas elaboradas pelo Ministério da Fazenda para reforçar as receitas do governo e cumprir as metas do arcabouço fiscal. Ao fim de maio, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) editou decreto que aumentava o IOF para operações de crédito, de seguros e de câmbio.
Na ação protocolada junto ao STF, a AGU alega que a decisão do Congresso “violou os princípios da separação dos poderes e da legalidade tributária”.
O órgão destaca ainda que a manutenção da decisão resultaria em uma uma perda de arrecadação de cerca de R$ 12 bilhões somente em 2025, provocando “riscos fiscais graves ao Estado brasileiro”.
“A avaliação técnica dos nossos advogados, e que foi evidentemente submetida ao presidente da República, foi que a medida adotada pelo Congresso Nacional acabou por violar o princípio da separação de Poderes”, disse o advogado-geral da União, Jorge Messias, em coletiva de imprensa nesta terça.
Messias lembrou que cabe somente à União instituir imposto sobre “operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários”.
Ele afirmou ainda que o decreto alterou as alíquotas dentro dos limites e condições estabelecidos pela própria Constituição e que o Congresso só pode sustar atos do Executivo em caráter excepcional e em casos de “patente inconstitucionalidade”.
“É muito importante que nós tenhamos as condições de preservar integralmente as competências do chefe do Poder Executivo. A democracia brasileira necessita que os Poderes possam ser independentes”, disse o titular da AGU.
A AGU pediu ao STF a distribuição da ação ao ministro Alexandre de Moraes, que também é relator de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) proposta pelo PL que questiona a constitucionalidade dos decretos do aumento do IOF, e de ADI apresentada pelo PSOL, que propõe a derrubada da decisão do Congresso.
Messias disse ainda nesta terça que os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), e da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), teriam sido avisados antes de o governo recorrer ao STF.

Crédito, Daniel Estevão/ AscomAGU
A decisão do governo de recorrer contra derrubada de aumento do IOF repercutiu entre parlamentares governistas e de oposição nesta terça-feira.
O deputado Carlos Jordy (PL-RJ) disse que o governo “declara guerra” ao Congresso Nacional com o recurso junto ao STF.
“O que nós estamos vendo é que o governo agora está fazendo essa interferência, via STF, desrespeitando o Congresso Nacional. Se há alguém que está violando a separação entre os Poderes, é o governo Lula, que mais uma vez demonstra o seu desrespeito institucional”, disse Jordy, segundo a Agência Câmara de Notícias.
O líder do PT, deputado Lindbergh Farias (RJ), afirmou que a posição do governo era a única possível a se tomar, para defender as prerrogativas do Executivo.
“Vejo muita gente falando que [o IOF] é um imposto regulatório. É sim, regulatório. Mas na lei que o criou [Lei 8.894/94], diz que ele pode ser utilizado para política monetária e fiscal”, disse, também de acordo com a agência.
Na segunda-feira (30/6), o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), publicou vídeo nas redes sociais defendendo a derrubada do aumento do IOF pelo Congresso e rebatendo críticas do governo à decisão.
“Quem alimenta o ‘nós contra eles’ acaba governando contra todos. A Câmara dos Deputados, com 383 votos de deputados de esquerda e de direita, decidiu derrubar um aumento de imposto que afeta toda cadeia econômica. A polarização política tem cansado muita gente, e agora querem criar a polarização social”, disse Motta.
Na postagem, o parlamentar negou que tenha traído o governo por ter pautado o projeto que derrubava a alta do IOF sem avisar.
“Capitão que vê o barco indo em direção ao iceberg e não avisa não é leal, é cúmplice, e nós avisamos ao governo que essa matéria do IOF teria muita dificuldade de ser aprovada no Parlamento. Presidente de qualquer Poder não pode servir ao seu partido, tem que servir ao seu país”, afirmou.

Crédito, Agência Brasil
Entenda o que está em jogo
O Congresso aprovou em 25 de junho a anulação do decreto presidencial que aumentava alíquotas do IOF, em mais uma derrota para o governo Lula.
A decisão foi aprovada na Câmara dos Deputados e depois no Senado.
Na Câmara, foram 383 votos a favor e 98 contra a derrubada da medida, um placar que mostrou que mesmo parlamentares de partidos da base aliada do governo ficaram contra os interesses do Palácio do Planalto.
No Senado, a votação foi simbólica — sem contagem de votos.
A elevação do IOF foi proposta pelo Ministério da Fazenda com objetivo de equilibrar as contas públicas e cumprir as regras do arcabouço fiscal.
Sem a medida, a pasta terá que buscar outras fontes de receita extra ou cortar gastos.
O governo argumenta que a alta do IOF impactaria sobretudo os mais ricos. Já o corte de despesas, diz a gestão Lula, afetaria programas que atendem os mais pobres.
“O decreto do IOF corrige uma injustiça: combate a evasão de impostos dos mais ricos para equilibrar as contas públicas e garantir os direitos sociais dos trabalhadores”, argumentou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
A oposição, por sua vez, diz que a população já paga muitos impostos e que o ajuste das contas públicas tem de vir de cortes de despesas. Para os oposicionistas, o imposto maior aumentaria o custo de produção no país.
“É um confisco unicamente visando arrecadar recursos. Ataque ao setor produtivo: agro, serviços, comércio, indústria, tudo afetado”, argumentou em suas redes sociais o líder da oposição na Câmara dos Deputados, Luciano Zucco (PL-RS).
O governo enviou uma primeira proposta de aumento de IOF em maio, que reforçaria o caixa em R$ 20,5 bilhões em 2025 e em R$ 41 bilhões em 2026.
Com a resistência do Congresso, a equipe econômica alterou a proposta, sugerindo uma alta menor do imposto. Com isso, a arrecadação prevista caiu para R$ 10 bilhões neste ano e R$ 30 bilhões no seguinte.
Essa proposta também sofre resistência no Congresso.
Junto ao aumento do IOF, o governo anunciou em maio um congelamento de R$ 31,3 bilhões no orçamento deste ano, com objetivo de cumprir a meta fiscal de 2025.

Crédito, Reuters
Se a alta do imposto fosse derrubada no Congresso, o corte de despesas teria que ser ampliado, disse a ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, antes da votação no Congresso.
“Para compensar essa perda de receita, o bloqueio e contingenciamento, que já são de R$ 31 bilhões, tudo o mais constante, terá que ser elevado para R$ 41 bilhões, resultando em risco de paralisação de programas como Auxílio Gás, Assistência Social, Minha Casa Minha Vida, Pé de Meia, entre outros”, afirmou em sua conta na rede social X.
Ela também tentou convencer os parlamentares a não derrubarem a medida, afirmando que os cortes também vão atingir emendas parlamentares — verba que deputados e senadores podem destinar para investimentos em suas bases eleitorais.
“As emendas parlamentares também serão afetadas pela derrubada do Decreto. Em 2025, o contingenciamento adicional de emendas será de R$ 2,7 bilhões, somando-se aos R$ 7,1 bilhões já contidos, resultando no total de R$ 9,8 bilhões. Em 2026, considerado apenas o efeito dessa medida, a derrubada do decreto resulta em perda de R$ 7,1 bilhões para as emendas parlamentares”, escreveu no X.
Congresso protege o ‘andar de cima’, diz economista
Em entrevista recente à BBC News Brasil, o economista-sênior da consultoria LCA e pesquisador-associado da FGV, Bráulio Borges, defendeu que o governo Lula adote medidas para conter a alta de despesas, como interromper os reajustes do salário-mínimo acima da inflação.
A medida tem impacto importante nas contas públicas, porque as aposentadorias e pensões pagas pelo INSS são atreladas ao piso salarial.
Por outro lado, ele afirmou que o ajuste fiscal também demanda aumento de receitas e concordou com o governo sobre o impacto do IOF atingir os mais ricos.
Borges ressaltou ainda que o Congresso tem dificultado o trabalho do governo de ajustar as contas públicas, ao aprovar benefícios tributários para empresas que desfalcaram a arrecadação nos últimos anos, como as prorrogações de um programa emergencial criado para o setor de eventos na pandemia (Perse) e da desoneração da folha de pagamentos — uma política de emprego ineficiente, segundo estudos econômicos.
O Congresso não só manteve a desoneração de empresas, como estendeu o benefício a pequenos municípios no final de 2023, uma medida “eleitoreira”, na visão de Borges.
As duas medidas (Perse e desoneração) representaram uma renúncia de receita de quase R$ 50 bilhões no ano passado.
“Irrita ver o Congresso querendo posar como se fosse o adulto na sala, sendo que o Congresso, do ponto de vista do equilíbrio fiscal, atrapalhou muito”, criticou.
Borges também aponta limitações em uma das propostas que a oposição e o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), mais têm defendido para equilibrar as contas públicas: uma reforma administrativa para reduzir o custo com servidores.
Na sua visão, a medida é importante para melhorar o serviço público, mas faria apenas “cócegas” na questão fiscal, ao gerar uma economia de até R$ 3 bilhões.
Muito mais eficiente, argumenta, seria reduzir as emendas parlamentares, que mais que quadruplicaram a partir de 2020.
“É uma excrescência. As emendas parlamentares não eram para estar nos R$ 50 bilhões por ano. Eram para estar em R$ 10 bilhões, que é mais ou menos a média que a gente teve de 2015 a 2019”, crítica.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL